Bolsonaro briga no Facebook para empurrar culpa sobre inflação

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Foto: Guilherme Prímola / Editoria de arte / Metrópoles

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não costuma achar justas as cobranças que recebe na imprensa, mas é obrigado a enfrentar as críticas em seu ambiente favorito de comunicação, as redes sociais. O mandatário jura não acreditar nas pesquisas de opinião que apontam que ele sofre crescente rejeição entre os brasileiros.

Populares, as postagens do presidente da República no Facebook atraem milhares de interações. Ainda que a maioria dos comentários seja em apoio ao titular do Planalto, as demandas e reclamações são numerosas e provocam reações do chefe do Executivo. O Metrópoles registrou todas as respostas de Bolsonaro na rede entre abril e setembro deste ano, e uma avaliação das publicações mostrou que a grande preocupação do mandatário tem sido tentar se desvencilhar da responsabilidade sobre a inflação em alguns itens, como alimentos e combustível.

A tônica de Bolsonaro nas respostas é tentar culpar os governadores e as medidas de distanciamento social adotadas por eles para reduzir o contágio pelo coronavírus – discurso que o presidente também leva constantemente para as conversas com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada.

A inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulada em 12 meses chegou a 9,68%, a mais alta desde fevereiro de 2016. Em 2021, o IPCA acumula alta de 5,67%, e o próprio governo já elevou a expectativa anual de 5,90% para 7,90%.

O Metrópoles colheu 68 respostas do perfil de Bolsonaro em postagens feitas na página oficial do presidente no Facebook entre a segunda quinzena de abril deste ano e o último dia 17 de setembro. A pesquisa foi limitada pela capacidade da rede social de seguir carregando postagens de datas anteriores – que não passa de seis meses.

Algumas reações presidenciais tratam de mais de um assunto ou incluem respostas e também ataques. Ao dividir o material em categorias, desdobramos as 68 respostas em 81 ações do mandatário do país nesse período. E 30 dessas ações, ou 37% do total, foram respostas a questionamentos sobre a inflação – sempre na tentativa de transferir a culpa para outras autoridades (principalmente os governadores). O mês com mais respostas sobre a inflação, até agora, foi agosto, com 13 interações.

Frases como “Quanto o seu governador cobra de ICMS?”; “Na refinaria, a gasolina está barata” e “Fique em casa, a economia a gente vê depois” formam a base do repertório de argumentos do presidente da República para lidar com a questão. Inexiste qualquer admissão de responsabilidade, tampouco o compromisso de que seu governo fará algo para reduzir a carestia.

O perfil presidencial preocupa-se em reagir rapidamente às cobranças, mas não faz nenhum esforço para ser simpático com os críticos. O tom das respostas varia entre desdém, ironia e grosseria. A um internauta que questionou, em agosto, o que “caga” quem deixa de comer feijão e passa a comer fuzil Bolsonaro retrucou: “Aquilo que você escreveu”. A outro que o provocou, em junho, sobre provar que é “incomível” o presidente respondeu: “Se você não consegue, eu respeito”.

As respostas do chefe do Executivo federal, que é seguido por 14 milhões de internautas no Facebook, viralizam instantaneamente, e o destinatário da mensagem costuma virar alvo de ataques dos aliados de Bolsonaro. Muitos internautas acabam apagando suas contas para escapar da perseguição, e outros deletam a postagem que haviam feito na tentativa de fazer cessar as investidas dos apoiadores do titular do Planalto. Em ao menos três casos, porém, o perfil do presidente fez um “print” da publicação apagada por um usuário e voltou a postar na rede, expondo mais uma vez a pessoa.

No exemplo mais extremo de bullying presidencial, o perfil de Bolsonaro respondeu a uma postagem de internauta que criticava eventos superlotados, em maio deste ano, com uma foto de aglomeração da própria usuária, buscada no perfil dela.

No material coletado pela reportagem nas interações de Bolsonaro no Facebook, há críticas genéricas aos governadores, bem como palavras mais diretas a adversários políticos, a exemplo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19 no Senado. Os ataques à imprensa também estão presentes.

Apesar de boa parte de seus posts no Facebook serem a respeito de ações do governo de combate ao coronavírus, Bolsonaro não se preocupa muito em responder críticas relativas à pandemia. De todos as respostas colhidas pela reportagem no período, apenas quatro tinham a Covid-19 como tema.

Conforme mencionado anteriormente, a maioria das interações em postagens do presidente no Facebook é de apoiadores do governo, elogiando e, em alguns casos, fazendo pedidos. A atenção dada por Bolsonaro aos seus aliados, porém, é menor do que a dedicada aos críticos. Das 81 ações categorizadas, apenas 18 (22%) eram agradecimentos, cumprimentos ou promessas de ajuda.

A pesquisadora Maria Carolina Lopes de Oliveira, doutoranda em comunicação pela universidade espanhola Pompeu Fabra, concluiu em sua pesquisa de mestrado que o Facebook pode ser um espaço usado por políticos e governos para promover “accountability“, uma palavra em inglês que significa “prestação de contas” e está em alta na ciência política.

Para Maria Carolina, as respostas de Bolsonaro no Facebook não podem ser consideradas como o processo pelo qual os representantes devem prestar contas dos seus mandatos. “O ato de só responder, em si, não configura accountability. A accountability, nessa visão democrática, pressupõe prestação de contas do mandato e, também, sensibilidade do representante às necessidades e demandas dos representados diante das obrigações inerentes ao mandato”, assinala a doutoranda em entrevista ao Metrópoles.

“Apesar de o Facebook poder, sim, ser usado para promover accountability, como foi constatado no meu estudo, a forma como utiliza a plataforma, bem como a vontade política de levar as demandas adiante, é o que vai, de fato, fazer com que essa relação seja um elo entre o representante e o representado. O presidente (ou a sua equipe) parece escolher quais temas responder, há um padrão nelas”, analisa a pesquisadora.

“Isso mostra que não há uma pluralidade nessas escolhas. Além disso, para identificarmos uma relação de accountability via redes sociais, espera-se que o representante utilize aquelas demandas para melhorar ou modificar ações do mandato. Mas, pela amostragem que eu vi, as respostas tentam mais responsabilizar governadores pelos problemas descritos pelos cidadãos. Outras respostas chegam a ser truculentas, o que afasta a relação”, conclui a doutoranda, que fez mestrado em democracia digital na Universidade de Brasília (UnB).

Metrópoles

 

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