Presidente do partido Novo diz que impeachment não vai vingar
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
Recém-filiado ao Novo e aposta do partido para disputar a Presidência, o cientista político Luiz Felipe D’Avila, 58, diz que os adeptos de uma terceira via não podem repetir o erro cometido em 2018, quando houve a fragmentação de candidaturas do centro.
“Temos de aprender com os erros do passado. O erro de 2018 foi justamente a fragmentação do centro, que levou à polarização”, diz ele, que é fundador do Centro de Liderança Pública, entidade que avalia a eficiência no uso de recursos públicos por governos.
Ex-tucano, ele coordenou o programa de governo presidencial de Geraldo Alckmin em 2018, mas posteriormente deixou o partido.
Sobre o tema que mais divide sua nova legenda, o impeachment de Jair Bolsonaro, D’Avila tenta se equilibrar entre dois extremos. Afirma ser a favor da cassação do presidente, mas diz que essa não é uma opção realista.
“Não vamos conseguir ter impeachment. A meu ver, essa é uma página virada. Temos de focar como vamos tirar Bolsonaro por meio do voto”, declara.
Por que a decisão de se filiar ao Novo? Foi feito um convite para eu disputar a Presidência pelo presidente do partido, Eduardo Ribeiro. Fiquei muito honrado. O Novo tem o DNA de um partido com cara de movimento. Isso é fundamental para escutarmos as pessoas. É uma das coisas de que carece o centro hoje, escutar mais em vez de falar. Escutar um Brasil que está deprimido, doente, desesperançoso, para criar uma narrativa do centro que tenha aderência.
O que seria melhor, haver várias candidaturas de centro, ou apenas uma? A única maneira de essa candidatura se tornar competitiva é ter um único nome. Antes da homologação das candidaturas, portanto junho do próximo ano. Depois, é muito difícil abrir mão.
É possível unir projetos tão diferentes como Ciro Gomes, João Doria ou Eduardo Leite no PSDB, o seu, Luiz Henrique Mandetta, eventualmente Sergio Moro? Temos de aprender com os erros do passado. Vamos cometer novos erros, não erros velhos. O erro de 2018 foi justamente a fragmentação do centro, que levou à polarização.
O critério deveria ser quem estiver melhor nas pesquisas? Talvez pensar em três critérios: potencial de crescimento na pesquisa, baixo índice de rejeição e um candidato que aglutine outros partidos. Tem gente que é mais fácil de aglutinar, tem mais receptividade.
O sr. cogitaria apoiar outro nome lá na frente? Com certeza. Temos que ter uma candidatura para vencer Lula e Bolsonaro. Se o personalismo se sobrepuser ao interesse maior do país, que é se livrar do radicalismo e da polarização, vamos perder a eleição e continuar num caminho muito ruim, que já estamos trilhando: dez anos de recessão, recorde de desemprego, pessoas que voltaram à miséria.
O Novo vive um momento conturbado. Em que medida essa crise interna deixou o sr. com pé atrás para aceitar esse convite? Uma das condições é unir o partido. Se nós não conseguirmos diálogo interno para isso, como vamos usar o nosso potencial para criar um diálogo com as outras forças políticas em torno de uma candidatura?
O que tem dividido o partido hoje é o impeachment de Bolsonaro. O sr. é a favor? Eu abertamente defendi em colocações que fiz na imprensa, fui a favor do impeachment de Bolsonaro. Só que nós temos de olhar os fatos. Fracassamos nas demonstrações nas ruas, colocamos poucas pessoas, e não tem impeachment sem povo. Não adianta ficar insistindo numa tese que não vai a lugar algum se não tem apoio popular. Portanto, não vamos conseguir ter impeachment. A meu ver, essa é uma página virada. Temos de focar como vamos tirar Bolsonaro por meio do voto.
O Novo é um partido liberal. O sr. se define dessa forma? Certamente. Acredito piamente na liberdade do indivíduo, na liberdade do mercado. O Brasil está nessa situação porque todo mundo que diz que levaria uma agenda liberal à frente, da abertura econômica, maior competitividade, ganho de produtividade, empreendedorismo, não fez. O Brasil continua refém do PCC: patrimonialismo, clientelismo e corporativismo.
Como atacar os problemas de fome e pobreza em alta com Estado mínimo, como o liberalismo defende? A discussão não é em torno do sem Estado. O que precisamos é ter um serviço público de qualidade. Isso significa tirar o peso desse Estado que serve a grupos e feudos muito pequenos e não às pessoas.
Esse governo chegou com grande expectativa sobre uma agenda liberal. Como o sr. avalia esse desempenho? Um desastre. Cadê as privatizações? Nenhuma foi feita, pelo contrário, criaram uma nova estatal. Zero de abertura econômica. A redução do custo Brasil, da insegurança jurídica, nada foi feito. É um governo que apoia uma agenda de defesa de interesses corporativistas. Tanto que o Brasil não consegue atrair investimentos em áreas fundamentais, por causa da insegurança política e em relação aos rumos da economia.
Qual a agenda de reformas para o novo mandato? A reforma tributária estávamos na beira de conseguir, as conversas estavam muito avançadas, mas infelizmente o novo presidente da Câmara [Arthur Lira] acabou engavetando. O Executivo lançou um novo projeto que foi um verdadeiro desastre. Simplificar o sistema tributário é vital. Depois, vamos discutir alíquotas. A reforma administrativa é fundamental. Precisamos de uma que valorize o bom servidor público, que acabe com feudos de privilégio. E terceiro a reforma política. É impossível termos um país com estabilidade com 28 partidos. Nós já fizemos alguns avanços, como o fim das coligações proporcionais, mas precisamos aprovar o voto distrital misto e aumentar a cláusula de barreira.
Muitos liberais criticaram as medidas de isolamento social e lockdown porque limitam o direito de ir e vir. Qual sua posição? No fundo todo mundo teve lockdown. Foi o jeito pelo qual conseguimos frear uma pandemia no país. Agora que temos histórico, podemos avaliar qual o grau de abertura que devemos ter ou não. Mas o fato é que nesse momento de crise essas medidas foram adotadas por todos os países que prezam a ciência.
O sr. defende o passaporte sanitário, outro ponto criticado por liberais? É uma decisão de cada governo. Acabei de voltar da Europa, lá todo mundo tem passaporte sanitário, senão não entra num restaurante. Se você é contra, janta em casa. Não acho que é uma violência o passaporte sanitário, é uma escolha. Uma violência é você dizer: “Não estou vacinado e quero entrar no restaurante de qualquer jeito”. Você tem a escolha de não ser vacinado e eu tenho a escolha de o meu estabelecimento não deixar você entrar sem o passaporte sanitário.
O Novo tem dificuldade historicamente em fazer alianças. O partido deveria flexibilizar essa atitude? Nesse esforço para criar uma candidatura única de terceira via, é evidente que precisamos rever a questão de coligação, porque isso é fundamental. Se estivermos sozinhos, vamos ajudar a fragmentar.
Quem é mais vulnerável para ficar fora do segundo turno, Lula ou Bolsonaro? Sobre essa escolha de bolsonarismo ou radicalismo como mal menor, eu gosto da frase da [filósofa] Hannah Arendt, que diz que quando você escolhe o mal menor, esquece que escolheu o mal. O índice de rejeição dos dois é enorme. É inviável ter paz no país e crescimento com um presidente que tem 50% de rejeição. Se a polarização vencer a eleição, vamos ter um país absolutamente dividido, radicalizado e não pacificado.
No segundo turno de 2018 o sr. votou em quem? Votei nulo.
Se arrepende? Não. A vida inteira eu escrevi que o maior câncer do Brasil é o populismo, de direita ou de esquerda. A não escolha é um direito de escolha do eleitor.
O sr. nunca disputou uma eleição nem exerceu cargo público. Essa falta de experiência não é algo temerário para um presidente nesse momento? Tenho uma enorme experiência no terceiro setor, na área pública, presidindo um instituto onde venho mergulhando no estudo de políticas públicas e na implementação delas. Trabalhei com dezenas de prefeitos, governos estaduais, justamente ajudando a calibrar o impacto de boas políticas públicas com o custo político de aprová-las.
Muitos liberais se colocam como liberais na economia, mas conservadores nos costumes. É o seu caso? Você precisa definir o que é liberal e o que é conservador. O conservadorismo e o liberalismo têm pontos de intersecção importante, a defesa dos valores de abertura, dignidade do indivíduo, respeito aos governos constitucionais, ao Estado de Direito. O que o conservadorismo traz, que não contrasta com os valores liberais, é o resgate do poder das comunidades. Não vejo que há contradição entre as duas coisas.
Um assunto que divide muito liberais e conservadores é o aborto. Como o sr. se posiciona sobre esse tema? Temos de respeitar a escolha do indivíduo. Não acho que tem que ter uma regra constitucional definindo uma coisa ou outra.
Mas mudaria a legislação atual? Se entrarmos nesse debate, vamos tirar foco da coisa mais importante, que é a gente retomar a economia, gerar emprego e renda e tirar 20 milhões de brasileiros da miséria. Se a gente começar a entrar em pautas secundárias, e não estou dizendo só o aborto, estaremos desfocando da real tarefa de colocar o Brasil de volta na rota do crescimento.
É que nesse governo esses temas adquiriram centralidade. Para dar outro exemplo, a questão das armas, ampliação de direito a posse e porte. Qual sua opinião? A posse de arma aumenta ou diminui o PIB? Ajuda a tirar gente da miséria, a gerar investimento? Acho que a gente perdeu muito tempo, e esse foi um erro desse governo, com questões secundárias e esquecemos das principais que interessam às pessoas.
Mas a questão econômica não é a única que existe. Não é a única, mas é central nesse momento. É uma questão de prioridades. Estamos num momento de guerra. A principal batalha é a retomada do crescimento.
RAIO-X
Luiz Felipe D’Avila
Idade: 58
Formação: graduado em ciências políticas pela Universidade Americana em Paris, com mestrado em administração pública pela Harvard Kennedy School
Atuação: fundador do Centro de Liderança Pública (CLP); foi coordenador do programa de governo de Geraldo Alckmin para a Presidência em 2018 e diretor-superintendente da editora Abril; é autor de livros sobre história e política
Assinatura
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