Bolsonaro gastou tudo com Centrão e não sobrou nada para pobres

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Foto: Evaristo Sa/AFP

O Salão Nobre, no segundo andar do Palácio do Planalto, estava arrumado desde cedo. No início da tarde circulou o aviso de cancelamento da solenidade. Na hora seguinte, o cancelamento foi cancelado. No fim da tarde, a segurança já se preocupava em dividir a fila de convidados para acelerar o acesso. Então, veio uma ordem definitiva: cancelado.

As cenas de ontem traduziram um governo errático, perdido sobre o que fazer — e principalmente como fazer — com a massa de eleitores pobres, dependentes do auxílio estatal para sobrevivência. Na noite anterior Jair Bolsonaro decidiu aumentar o socorro mensal de R$ 190 para R$ 400 mensais. De manhã o governo anunciou, depois do almoço vacilou e desistiu no entardecer.

“Houve uma mudança abrupta de ontem para hoje, fugiu do nosso controle”, contou Marcelo Aro, deputado mineiro do Partido Progressistas (PP), a locomotiva do Centrão. Ele é o relator na Câmara do projeto do programa social que substituiria o Bolsa Família na temporada eleitoral, o Auxílio Brasil.

A recauchutagem da marca com o dobro do valor foram imaginados na perspectiva da campanha de reeleição, a partir de um acordo de Bolsonaro com os principais líderes do Centrão, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira (PP-PI). Seria o abre-alas do Centrão numa intervenção na economia, em manobra prevista para terminar com o ingresso do presidente-candidato no PP, que já o abrigou no século passado quando era deputado federal.

Bolsonaro, Lira e Nogueira pisam na realidade como se estivessem distraídos. Acabaram deixando um rastro de evidências da perda de controle do processo orçamentário em meio a uma grave crise econômica, com inflação crescente, persistente e disseminada.

Entre governo e Centrão o combinado à noite não vale no café da manhã seguinte, deixou claro o deputado Aro ao esboçar uma explicação para aquilo que, até ele, considerou inexplicável: “Estávamos caminhando de uma forma e, com essa mudança de ontem para hoje, ficou tudo em aberto. Foi uma decisão… uma mudança de postura. Eles [do governo] deixariam o orçamento do jeito que está, com o Bolsa Família. Isso seria um programa permanente. O restante seriam dois programas temporários, com vigência de doze, quatorze meses, até o fim do ano [eleitoral] que vem.”

Arthur Lira, se mostrava avexado. “Vou esperar”, comentou, “o governo está trabalhando, os líderes do governo estão trabalhando, os ministros estão trabalhando, vamos esperar que nasça a proposta.”

Única certeza é que não falta dinheiro no Orçamento da União, dentro das regras fiscais estabelecidas, para financiar a ajuda a uma fração (17 milhões) do universo de pessoas pobres e dependentes do socorro estatal para sobrevivência na crise — no total, mais de 44 milhões recorreram ao auxílio no ano passado.

O problema está na escolha política das prioridades, segundo o interesse público.

Pelos cálculos oficiais, faltam aproximadamente R$ 30 bilhões para fechar a conta do socorro aos pobres.

Metade desse valor, por exemplo, pode ser encontrado numa conta orçamentária paralela (sob a rubrica orçamentária RP-9) destinado a financiar emendas parlamentares controladas por Lira e Nogueira, num tráfego monetário sem transparência e de fiscalização impossível, segundo o Tribunal de Contas da União.

Bolsonaro deu preferência aos aliados parlamentares interessados na própria reeleição em 2022. Como o orçamento não é infinito, não sobrou dinheiro para os pobres. Em mais dez dias acontece o último pagamento do auxílio emergencial. Errático, o governo continua sem saber o que ou como fazer.

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