Auxílio eleitoreiro de R$ 400 não ajudará Bolsonaro
Foto: EVARISTO SA / AFP
A criação de um auxílio social para tirar o Bolsa Família de cena, associada a uma mudança sensível na política fiscal do país, pode não ter o efeito esperado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação de cientistas políticos e analistas ouvidos pelo Valor, os R$ 400 anunciados pelo governo não são garantia de aumento de popularidade. Para eles, o impacto econômico provocado pela mudança no teto de gastos tende a anular eventuais ganhos eleitorais.
O aceno aos mais pobres, a um ano das eleições presidenciais, veio sem o planejamento devido. “O que se vê é casuísmo em função de projetos pouco alvissareiros, combinados com a atuação de lideranças políticas (do centrão) para ocupar espaço em um governo fragilizado. Uma evidência dessa falta de planejamento é que a cada momento o governo anunciava uma estratégia diferente para bancar [o Auxílio Brasil]”, diz o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências.
O plano atual do governo ainda depende do Congresso para se viabilizar. Câmara e Senado precisam aprovar a PEC dos Precatórios, que autorizará a abertura do espaço necessário no teto de gastos para custear o pagamento dos benefícios a 17 milhões de famílias pobres, por meio do Auxílio Brasil, e do “auxílio diesel” a 750 mil caminhoneiros.
Na sexta-feira, ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro disse que não haverá “aventura” que coloque a economia em risco. Sua escolha, afirmou, foi pelos “mais necessitados”. As projeções com que analistas trabalham, no entanto, vão em outra direção.
O cientista político Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria Eurasia Group, lembra que a mudança no teto, como está colocada, pode provocar depreciação do câmbio, dificuldade de o Banco Central ancorar expectativas, afetar ainda mais o crescimento do PIB, além de acarretar mais altas nos preços de combustíveis e inflação.
Garman pondera que esse cenário talvez não anule os ganhos que as 17 milhões de famílias terão com o benefício, mas o restante da população deve sentir os efeitos econômicos, o que pode ameaçar a popularidade de Bolsonaro.
“Vejo as repercussões negativas da quebra do teto [para economia] como sendo um passivo maior para o presidente do que qualquer ganho com aumento do auxílio. Para ser direto, me parece que politicamente, eleitoralmente foi um tiro no pé”, afirma Garman.
Para o cientista político Humberto Dantas, coordenador da pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp SP), a perspectiva econômica negativa que se desenha tem potencial para atingir inclusive a base mais fiel de Bolsonaro.
“Por mais hermeticamente que sejam fechadas as bolhas de apoiadores dele, as bolhas não colocam comida na mesa, não pagam salário. Uma hora as pessoas começam a perceber isso”, afirma Dantas.
A estratégia de buscar um caminho que possa melhorar a avaliação do presidente e pavimentar sua campanha à reeleição em 2022 não encontra evidência nos números, segundo o economista Victor Scalet, estrategista macro da XP. As pesquisas de opinião realizadas pela consultoria, lembra Scalet, não indicam haver relação entre aprovação do presidente e o auxílio emergencial, criado na pandemia e que termina neste mês. Já inflação e desemprego têm impacto.
“Nos últimos três meses, quem recebe auxílio emergencial tem tido uma avaliação pior do presidente. Não pelo auxílio, mas porque essas pessoas têm uma renda mais baixa e são mais expostas à inflação, então a percepção delas em relação ao governo na parte econômica tem piorado em relação às demais pessoas”, afirma.
A cientista política Andréa Freitas, professora da Unicamp, acrescenta que, além de não haver relação direta entre auxílio e aprovação, o movimento de Bolsonaro em direção aos mais pobres está atrasado. “Teremos que esperar alguns meses para ver o efeito disso nas famílias, mas por ora eu imagino que ele perdeu o ‘timing’ da política populista”, considera.
Se o Auxílio Brasil não é garantia de melhora na popularidade do presidente tampouco se pode apostar numa reversão em votos no ano que vem. Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), responsável pela criação do Bolsa Família e com quem o eleitor atendido pelo novo programa social tende a fazer comparações, lembra Andréa.
Cortez acrescenta que o eleitor pode incluir outras variáveis se buscar paralelos entre as ações sociais da atual gestão e das petistas. “O raciocínio de que um mecanismo de transferência de renda gera votos precisa ser qualificado. O caso do Bolsa Família, por exemplo, não foi só ele que contribuiu para o PT, mas sim o contexto de reajustes de salário mínimo e o mercado de trabalho aquecido. Alguns desses fatores não estão presentes na atual conjuntura”, afirma.
O cenário adverso que se apresenta, no entanto, não significa, neste momento, um abalo certeiro nas chances de o presidente chegar ao segundo turno em 2022 nem de caminho aberto para um outro candidato. Humberto Dantas lembra que não há no momento outro nome capaz de fazer o eleitorado deixar de escolher Bolsonaro ou Lula. “E não se constrói isso em meses”, afirma.
Cortez, por sua vez, vê o Auxílio Brasil como uma tentativa de Bolsonaro de criar uma marca para seu governo que lá na frente pode ser usada para barrar a chamada “terceira via”. “Não alterei minha projeção de que a polarização é o cenário mais provável para 2022.”
Garman também avalia serem baixas as chances de Bolsonaro ficar fora do segundo turno em 2022. Mas o cientista político diz que a mudança no teto, associada aos impactos econômicos negativos que ela carrega, coloca um grau a mais de dificuldade sobre o presidente. “Os riscos para ele não chegar no segundo turno aumentaram depois dessa semana (passada) e, logo, as perspectivas para a terceira via melhoraram”, avalia.
Na teoria, Andréa Freitas também considera que o furo do teto e o abandono da agenda fiscal abrem potencial para um terceiro candidato que se apresente como um administrador de Estado, como alguém que cuidará das contas públicas. Esse nome, porém, lembra, ainda não está colocado.
Fato é que a operação toda de Bolsonaro pelo auxílio não tende a surtir efeitos na popularidade e ainda deixará provada a incapacidade dos políticos brasileiros de governar com obediência ao teto de gastos, analisa Rafael Cortez.
“A reação dos agentes políticos à emenda de teto foi de se antecipar aos gatilhos, para evitar que eles fossem disparados. Para isso, mudaram-se as regras do teto”, diz o cientista político. Por isso, Cortez prevê que haverá uma revisão das regras fiscais antes de 2026, quando era previsto.
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