Bancada da cloroquina vai às urnas
Foto: Pedro Ladeira-25.mai.21/Folhapress
No dia 30 de junho de 2020, nas margens de um rio em Porto Seguro, a médica Raissa Soares saiu do anonimato para se tornar um dos principais nomes do bolsonarismo na Bahia.
Em um vídeo para o presidente Jair Bolsonaro, fez seu pedido: “A hidroxicloroquina é nossa menina, é a rainha do jogo. […] Meu presidente, manda um avião, um carregamento, coloca hidroxicloroquina na nossa cidade”, disse, no auge da primeira onda da Covid-19.
Três dias depois, um avião com 40 mil caixas do medicamento chegou a Porto Seguro a pedido do presidente. E a médica se tornou instantaneamente uma espécie de influencer entre bolsonaristas.
Ela e outros médicos que ganharam notoriedade na defesa do chamado tratamento precoce da Covid —protocolo baseado em medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina, sem comprovação científica para a doença— começam a planejar candidaturas em 2022.
Caso tenham sucesso, formarão a partir de 2023 uma espécie de “bancada da cloroquina” no Congresso Nacional, com um discurso alinhado ao do presidente Jair Bolsonaro em questões de saúde pública.
Depois de ganhar notoriedade entre médicos conservadores, Raissa Soares assumiu em janeiro a Secretaria de Saúde de Porto Seguro. Ficou no comando da pasta até a sexta-feira passada (29), quando deixou o cargo para começar a cuidar da sua pré-campanha para 2022.
“A pandemia da Covid-19 mostrou que gente precisa se posicionar. Não tenho histórico na política, não tenho familiares políticos, mas acredito que a política precisa de pessoas com posição clara. Esse é o motivo de eu decidir entrar”, afirma à Folha.
A médica diz que ainda não decidiu para qual cargo concorrerá —estão na mesa possíveis candidaturas ao Governo da Bahia, ao Senado ou à Câmara dos Deputados.
A defesa do “tratamento precoce” lhe gerou dissabores. Em agosto, o Ministério Público do Estado da Bahia entrou com ação pedindo o seu afastamento da Secretaria de Saúde de Porto Seguro por incentivar o uso de remédios sem eficácia contra a Covid.
Por outro lado, ganhou alcance no meio conservador baiano. Em 2020, atuou como uma espécie de cabo eleitoral de candidatos alinhados a Bolsonaro que concorreram nas eleições municipais.
Outro nome que pode estar nas urnas no próximo ano é o da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “Capitã Cloroquina”.
Ela teve o seu indiciamento sugerido pela CPI da Covid, sob acusação de epidemia com resultado morte, prevaricação e crime contra a humanidade.
Após o pedido, sua defesa classificou as acusações como absurdas e caluniosas. “Mayra Pinheiro é uma mulher de caráter. Uma servidora exemplar, que atua com competência e probidade”, informou a defesa em nota.
No Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro foi uma árdua defensora do tratamento precoce e participou da criação do aplicativo TrateCov, que receitava medicamentos ineficazes contra a Covid.
Procurada pela Folha, Mayra afirmou que ainda não decidiu se será candidata em 2022: “Tenho convite para executar projeto profissional fora do país e ainda não decidi”, disse. Mas adiantou que, caso decida enfrentar as urnas, deve concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados.
A candidatura não seria uma novidade. Em 2018, a médica concorreu a uma cadeira no Senado pelo Ceará, mas acabou em quarto lugar. Na época, ela estava filiada ao PSDB.
Em 2014, Mayra concorreu para deputada federal, mas também não obteve sucesso. Na época, ela começava a ganhar notoriedade por sua postura contra a contratação de médicos cubanos pelo programa Mais Médicos, implementado no governo Dilma Rousseff (PT).
Outro membro do governo Bolsonaro com candidatura cogitada é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, apontado como potencial candidato ao Senado pela Paraíba, seu estado natal.
À frente do ministério desde março, Queiroga também teve o indiciamento sugerido pela CPI da Covid por epidemia culposa com resultado morte e prevaricação. A atuação de sua pasta na crise sanitária também é questionada, especialmente em relação à aquisição de vacinas.
Queiroga, que não tem filiação partidária, não tem falado publicamente sobre uma possível candidatura. Mesmo assim, o ministro tem se aproximado da base bolsonarista e adotou uma postura mais alinhada ao presidente.
Seu antecessor, o general Eduardo Pazuello não é médico, mas também pavimenta uma candidatura em 2022.
No mesmo dia em que foi alvo de pedido de indiciamento da CPI da Covid, sob acusação de uso irregular de verbas públicas, comunicação falsa de crime, prevaricação e crimes contra a humanidade, Pazuello recebeu Bolsonaro para um jantar em sua casa em Manaus.
No cardápio, um peixe da região amazônica e discussões sobre o seu futuro político. Ele avalia candidaturas ao Senado ou à Câmara por Rio de Janeiro, Amazonas ou Roraima.
Também próximo a Bolsonaro, o deputado federal Osmar Terra (MDB) —outro que teve o indiciamento pedido pela CPI— deve tentar renovar o mandato ou concorrer ao Governo do Rio Grande do Sul.
Médicos bolsonaristas também se movimentam para concorrer às Assembleias Legislativas em estados como no Ceará e na Bahia.
Um deles é o dermatologista Edmar Fernandes, que presidiu o Sindicato dos Médicos do Ceará entre 2019 e 2021. Aliado de Bolsonaro, ele também se destacou como defensor do tratamento precoce.
Em 2020, Fernandes foi candidato a vereador em Fortaleza pelo Pros, mas não obteve sucesso. Na nova empreitada nas urnas, mira uma vaga na Assembleia Legislativa do Ceará.
Com perfil aguerrido nas redes sociais, o médico tem sido um dos principais críticos do governador Camilo Santana (PT) durante a gestão da pandemia. Não raro grava vídeos em frente a unidades de saúde do Ceará com denúncias de supostas irregularidades.
Na Bahia, o médico Cezar Leite deve se filiar ao PSC para concorrer a uma cadeira de deputado estadual. Ligado à Associação Médicos pelo Brasil, ele disputou a Prefeitura de Salvador em 2020 e surpreendeu ao terminar em quarto lugar.
Leite afirma que o apoio a Bolsonaro e a defesa de saúde devem estar no centro de suas propostas. Mas diz que o debate sobre o tratamento precoce tende a se tornar página virada.
“Os colegas que abraçaram o tratamento precoce tiveram coragem. Infelizmente, o debate foi muito mais político do que médico. Mas isso deve mudar até a campanha, o cenário será outro”, diz.
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