Consumo de petróleo tem que cair 75% para mundo atingir meta de 2050
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
Num mundo em transformação, em que a sustentabilidade ganha cada vez mais relevância, o futuro do petróleo tem sido colocado em xeque. No caminho da descarbonização e das medidas para limitar o aquecimento global, conforme previsto no Acordo de Paris, o produto – símbolo da segunda revolução industrial – terá de abrir espaço a outras fontes de energia, menos poluentes e, em alguns casos, mais baratas. Ainda não há consenso sobre quando seria o pico de demanda do óleo, mas varia de 2030 a 2040. A partir dessa data, haveria o declínio do uso.
Mas essa redução depende de uma série de fatores, como a intensidade de empresas e governos na adoção de políticas de diminuição das emissões. De acordo com relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), para zerar as emissões de carbono em 2050, a demanda de petróleo teria de cair 75%, para 24 milhões de barris por dia. As previsões da multinacional BP apontam para queda de 68% e, da Shell, de 20%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás Natural (IBP).
As projeções da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), no entanto, apontam para aumento da demanda até 2045. A explicação é que o mundo precisará de petróleo para fazer a transição energética. E isso vai demandar investimentos. “Não há transição energética sem a indústria fóssil, que tem densidade maior. Ela vai garantir a segurança energética durante esse período, vai financiar a mudança”, afirma a diretora executiva Corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Cristina Pinho.
Mesmo assim, ela entende que a demanda de petróleo cairá no futuro não só pela mudança de comportamento da sociedade, mas também pelas novas tecnologias que serão criadas. A executiva acredita que o preço do óleo estará mais estreito a partir de 2035, o que tornaria menos viável a exploração de reservas mais difíceis e complexas. “No Pré-Sal, até US$ 35 (o barril) ainda valeria a pena a exploração.”
No Brasil, o fato de o País ter uma matriz mais limpa, por causa das hidrelétricas, pode significar uma vida mais longa para a indústria de petróleo. Alguns segmentos vão continuar precisando de óleo em suas produções. Nesse cenário, o País seria fornecedor de empresas ou de outras nações que não poderiam mais elevar suas emissões por causa das metas estabelecidas.
Atualmente, segundo o IBP, 85% da matriz elétrica brasileira é renovável, enquanto a média mundial é de 23%. Na matriz energética – que inclui também o petróleo -, a energia limpa representa 48% e no mundo, 14%. Segundo a sócia fundadora da Catavento Consultoria, Clarissa Lins, nosso desafio está mais relacionado ao desmatamento do que revirar de ponta cabeça a matriz elétrica. “Temos a terceira matriz mais renovável do mundo, atrás apenas de Islândia e Noruega.”
Na avaliação do sócio diretor de indústria da consultoria Roland Berger, Marcus Ayres, uma dificuldade no caminho da redução da demanda de petróleo está associada aos grandes bolsões espalhados pelo mundo e que devem passar por desenvolvimento nos próximos anos. “Nesse caso, é complicado sair de um ponto X para outro mais avançado. A Índia vai aumentar sua frota de veículos, mas será a combustão?”, questiona o executivo.
Para ele, o futuro do petróleo passa também pela transformação de uma série de indústrias que dependem do insumo – ou seus derivados – como matéria-prima, como é o caso do setor químico, de cimentos, aviação e transporte marítimo. Tudo isso influencia no mercado. “A demanda por petróleo vai existir por muitas décadas. O que temos de fazer é encontrar alternativas para conviver com ela, uma vez que as mudanças climáticas são uma realidade”, diz a presidente da Equinor no Brasil, Veronica Coelho.
Uma saída é investir em soluções capazes de fazer a captura, o sequestro e o armazenamento das emissões de carbono – ou promover o reflorestamento. Ao mesmo tempo, é preciso desenvolver novas tecnologias que suportem a demanda mundial por energia. “Durante muito tempo as exigências eram de faz de conta. Agora, muitos países tendem a forçar as empresas a adotar planos concretos de redução das emissões”, afirma Helder Queiroz, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na União Europeia, por exemplo, o plano é que, a partir de 2035, todos os carros vendidos nos países do bloco tenham propulsão elétrica, incentivando a extinção do motor a combustão. Para abastecer essa frota, que pode chegar a 56 milhões de carros vendidos em 2030, a aposta do mundo está na expansão das fontes renováveis como a energia eólica e a solar. Serão necessários investimentos da ordem de US$ 4 trilhões para atender à demanda mundial.
Durante muito tempo as exigências eram de faz de conta. Agora, muitos países tendem a forçar as empresas a adotar planos concretos de redução de emissões”. Helder Queiroz, professor da UFRJ
Segundo Monique Gonçalves, gerente sênior de Relações Corporativas e Assuntos Regulatórios da Shell Brasil, a produção de petróleo da empresa atingiu o pico em 2019 e, a partir de agora, pode ter um declínio de até 2% ao ano. No mundo, a companhia terá nove países-chave na produção do óleo. O Brasil é um deles – no início do mês, o grupo ganhou a licitação de cinco blocos no País.
A BP também seguiu a mesma linha e decidiu reduzir a produção de petróleo em 40%, ficando apenas com as reservas mais produtivas. “Em 2020, definimos a nova estratégia que é zero emissão de carbono em 2050. Isso inclui as emissões da nossa produção, da matéria-prima que usamos e dos produtos que vendemos”, diz o presidente da BP Brasil, Mario Lindenhayn.
Na Petrobras, a situação é diferente. A expectativa da empresa é que até 2040 haverá aumento da demanda pelos combustíveis fósseis. Depois, haverá um platô até 2060 e queda em seguida. Isso porque as economias mais maduras vão reduzir, mas os emergentes vão continuar com demanda em alta, diz o diretor de Relacionamento Institucional e Sustentabilidade, Roberto Ardenghy. “Nosso princípio é que a transição energética virá de forma gradual”, afirma o executivo, destacando que o volume de ativos relacionados ao petróleo é da ordem de US$ 23 trilhões.
Diante da pressão de governos, da sociedade e dos acionistas para reduzir as emissões de carbono, multinacionais antes reconhecidas como grandes petroleiras agora querem ser classificadas como empresas de energia. Para mudar o status, estão investindo pesado em fontes renováveis como contribuição à descarbonização da economia. A lista inclui BP, Shell e Equinor, que apostam na expansão da geração eólica e solar e no desenvolvimento do hidrogênio para diversificar o portfólio nos próximos anos.
“As empresas precisam sinalizar para seus acionistas que vão continuar crescendo (mesmo num cenário de redução de demanda do petróleo)”, diz o professor do Instituto de Economia da UFRJ, Helder Queiroz. Nesse aspecto, diz ele, o Estado precisa ter a capacidade de guiar o setor privado, dando sinais de que haverá uma transformação para uma economia de baixo carbono.
A Shell, uma das empresas que têm promovido a diversificação do portfólio, apresentou aos acionistas seu plano de reduzir em 20% as emissões até 2030, 45% até 2035 e ter a neutralidade até 2050. Além de descarbonizar os projetos existentes, a empresa vai investir US$ 3 bilhões em energia renovável (15% do valor total de investimentos da empresa), como eólica offshore (no mar), solar e biocombustível (etanol de segunda geração).
No Brasil, são cinco parques solares em Minas Gerais, além de projetos em análise de eólicas onshore (terra) e offshore. “Também estamos avaliando aquisições de projetos (dessas fontes de energia) em desenvolvimento para acelerar a capacidade e o conhecimento no assunto. Não temos tempo a perder”, diz Monique Gonçalves, gerente sênior de Relações Corporativas e Assuntos Regulatórios da Shell Brasil. Segundo ela, o objetivo é mudar o portfólio e os rumos da empresa nesse novo cenário.
A estratégia da BP vai na mesma direção. A companhia já anunciou que vai mudar os focos dos investimentos e multiplicar por dez os recursos aplicados em energia renovável nos próximos dez anos. Serão US$ 5 bilhões investidos no mundo. A capacidade instalada dessas fontes vai saltar de 2,5 gigawatt (GW), em 2019, para 50 GW. Além disso, há o compromisso de aumentar em cinco vezes a produção de bioenergia em dez anos, diz o presidente da multinacional, Mario Lindenhayn. Outro interesse do grupo é o desenvolvimento do hidrogênio, que está sendo estudado em 7 hubs da companhia, na Europa e Austrália.
Segundo o executivo, o Brasil tem grande relevância no plano estratégico da BP. A empresa tem uma joint venture com a Bunge para ampliar a produção de biocombustíveis. O objetivo, segundo Lindenhayn, é elevar em 30% a produção de cana para alcançar a capacidade máxima atual de 32 milhões de toneladas . Só neste ano, serão investidos R$ 1,5 bilhão em plantio e tratos culturais para aumentar a eficiência. Em solar, o pipeline de projetos da empresa é de 2 GW. No momento, a BP está construindo um parque solar no Ceará de 200 MW, que deve ser concluído em 2023. “Essa é uma mudança sem volta. Por isso, estamos entrando em áreas em que não estávamos presentes.”
A energia solar também é a aposta da Equinor no Brasil. O primeiro projeto da empresa foi construído em parceria com a Scatec, em Quixeré, no Ceará, e tem capacidade para gerar 162 MW. No mundo, no entanto, a principal atividade da Equinor é a eólica offshore. No mar, diz a presidente da empresa, Veronica Coelho, é possível usar turbinas com capacidade maior em relação aos parques onshore (em terra). “O objetivo é transferir o conhecimento adquirido nas plataformas de petróleo para o setor. Em termos de engenharia, os projetos são similares”, diz Veronica.
A empresa acaba de vencer uma licitação para a construção de um parque offshore de mais de 3 GW de energia nos Estados Unidos – quando concluído, deverá ser um dos maiores do mundo. Segundo ela, no Brasil, a regulamentação desse tipo de projeto offshore ainda precisa ser amadurecido para receber investimentos pesados. “É preciso esclarecer como seria a homologação do parque e qual agência vai regular, por exemplo.” Ainda assim, Veronica diz que a empresa tem projetos em estudo no Norte do Rio de Janeiro e Sul do Espírito Santo.
Na avaliação da sócia-fundadora da Catavento Consultoria, Clarissa Lins, a redução da demanda de petróleo só será possível com o investimento massivo em novas tecnologias e energia renovável. Segundo o relatório Net Zero Carbon, da Associação Internacional de Energia, o volume total de investimentos em energia deve alcançar US$ 5 trilhões por ano em 2030. Se esse cenário se concretizar, em 2050, quase 90% da geração de eletricidade virá de fontes renováveis, como a energia eólica e solar, que juntas vão responder por quase 70% da geração total. “A descarbonização da economia só vai ocorrer com a mudança na oferta e na forma como a sociedade, a indústria e os meios de transporte usam a energia.”
Para Diego García, sócio da consultoria Bain & Company em Buenos Aires, as empresas terão um risco maior se não investir na mudança de portfólio. “Sem criar uma carteira de opções que possam depois acelerar e crescer, as companhias podem ficar completamente fora do negócio. Hoje, salvo pequenas empresas e petroleiras mais locais, não vejo as grandes empresas – nem nacionais nem privadas – fazendo só o jogo do petróleo.” O importante neste momento, diz ele, não é fazer grandes investimentos, mas experimentar novas tecnologias.
Ao contrário das demais empresas de petróleo, a Petrobras ainda não tem um plano traçado para investir em energias renováveis, como eólica e solar. A estatal aposta em projetos de descarbonização de seus processos para reduzir as emissões. O diretor de Relacionamento Institucional e Sustentabilidade da empresa, Roberto Ardenghy, diz que a companhia trabalha com o cenário de que a demanda de combustíveis fósseis vai continuar subindo até 2040 e só depois de 2060 é que haveria um declínio.
Ele diz que os poços de petróleo da empresa já têm baixa emissão. Na média, são 17 quilos de CO2 por barril de petróleo. A média mundial, diz o executivo, é de 30 quilos e, em alguns lugares da África, de 70. Para diminuir ainda mais as emissões de suas reservas, uma saída é reinjetar o CO2. Além da questão ambiental, o processo também aumenta a pressão no reservatório e melhora a produtividade. Ardenghy diz que todos os projetos da estatal têm uma pegada de descarbonização e têm de ser viáveis economicamente, entre US$ 35 e US$ 50.
“No futuro, quando meu cliente vier comprar de mim, ele não vai querer saber só o preço do produto, mas também quanto de carbono foi emitido”, diz Ardenghy. Segundo ele, a Petrobras está numa situação diferente de outras companhias porque sua produção não tem muitos contaminantes. “Ainda tenho oportunidades de negócios e de descarbonização. Se tivesse em outra situação, investiria em outras fontes.”
No futuro, quando meu cliente vier compra de mim, ele não vai querer saber só o preço do produto, mas também quanto de carbono foi emitido. Roberto Ardenghy, diretor da Petrobras
Outra frente que a empresa aposta é na produção do diesel verde. Atualmente a companhia tem unidades de tratamento de hidrogênio com capacidade ociosa. Essas plantas serão usadas para processar o óleo vegetal.
A empresa deve investir US$ 1 bilhão entre 2021 e 2025 para reduzir as emissões. Cerca de um terço de tudo que foi emitido será reduzido até 2025 e até 2030 será encerrado o processo de queima nas plataformas.
De qualquer forma, Ardenghy diz que está atento a outras formas de energia, mas para o futuro. A lista inclui o hidrogênio, eólica offshore e gasolina natural de hidrogênio.
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