Especialistas dizem que candidatura Moro reforça polarização Lula-Bolsonaro
Foto: Reprodução/ Uol
Mesmo ainda sem o anúncio da candidatura a presidente para 2022, a filiação do ex-juiz Sergio Moro ao Podemos já impacta nas análises de cenários na disputa pelo Planalto. Já concentrada entre apoiadores e opositores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (sem partido), agora ela vê a chegada do nome que simbolizou a Operação Lava Jato —e que causou impacto no mundo político desde 2014.
“Entenderia, sim, a candidatura do Moro como um terceiro polo dessa disputa política”, diz Cristiano Rodrigues, professor de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). “Com a entrada dele na campanha, ele quebra os votos da terceira via”, opção esta que ele observava como um cenário mais forte para PSDB e PSD.
Pesquisador da USP (Universidade de São Paulo), o cientista político Lucas Câmara acredita que Moro, na verdade, deve fortalecer a polarização entre Lula e Bolsonaro ao passo que “fragmenta a terceira via”. A visão dele é que, com o ex-juiz embolando ainda mais o cenário fora da dupla Lula-Bolsonaro, o eleitor tenderá a abandonar outras opções e escolher um dos dois atuais líderes das pesquisas.
Rodrigues diz que, antes da sinalização de Moro, a expectativa era que, contra Bolsonaro e Lula, o quadro de 2022 tivesse uma figura que “fugisse das armadilhas que a próxima eleição apresenta, que são candidatos com alto índice de rejeição e candidatos que têm alguma vida pregressa para ser avaliada.”
Com o ex-juiz no jogo —e sua trajetória na Lava Jato e como ministro do governo Bolsonaro—, isso se perde. “A presença de alguém como Moro cria um ambiente de muito confronto.”
Moro vai se filiar ao Podemos na próxima quarta-feira (10). O movimento ocorre após o ex-juiz encerrar o contrato que tinha com a consultoria Alvarez & Marsal, encerrado no último domingo (31). Após o distrato, inclusive, ele já começou a fazer manifestações políticas em suas redes sociais, como a crítica que fez à tentativa de furo do teto de gastos pelo governo Bolsonaro.
Não há confirmação de candidatura a presidente ainda, mas o partido e ele têm promovido diversas conversas com integrantes do mundo político. Para o ato de filiação, estão previstas as presenças de lideranças de outras agremiações, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que tenta ser o presidenciável tucano.
Quem também foi chamado é o presidente do PV, José Luiz Penna, que diz ter recebido uma ligação de Moro em 3 de novembro. “Ele me disse o seguinte: ‘saí da iniciativa privada para ver se contribuo com o Brasil de alguma maneira'”, relata Penna ao UOL. Para o líder do PV, Moro deu as indicações de que “vai militar politicamente”.
Ele, porém, tem receio sobre os efeitos que o ressurgimento de Moro terá no debate político. “Acho que chafurdar nas nossas passadas e eternas dificuldades não é uma coisa que esteja em consonância com o quadro político mundial”, diz Penna. “Precisamos de alguma coisa que tenha uma aura pacifista e que aponte um caminho para o Brasil.”
O cientista político Câmara reforça que o país vive uma crise política há anos e que, em persistindo esse clima, a pauta sobre mudanças no Estado deverá ficar escanteada mais uma vez. “Acho que o debate vai ser ruim porque deverá ser pautado por temas de costumes e discussões superficiais sobre corrupção.”
Dificuldade para aglutinar
O antagonismo que cada uma dessas três figuras têm pelos outros dois nomes sinaliza que o Brasil pode viver mais um ciclo político de problemas. “Vai criando muitas dificuldades de você construir um governo que seja de coalizão, que você consiga estabelecer acordos mínimos para a governabilidade”, diz o professor Rodrigues. Se impede a governabilidade, esse quadro não impede a vitória eleitoral, como mostrou a campanha de Bolsonaro em 2018.
E a carga de rejeição que acompanha Moro —assim como Bolsonaro e Lula— deve ser a dificuldade do ex-juiz caso decida entrar na disputa, avalia o presidente do Cidadania, Roberto Freire. “E esse é um processo que vai ter que ver quem mais aglutina.” Freire diz que, por enquanto, não abre mão da pré-candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) por Moro, mas as circunstâncias podem mudar o cenário. “Acho que o candidato do Cidadania não é para ser candidato por cima de pau e pedra.”
É importante construir. É fundamental nós derrotarmos Bolsonaro, antes de mais nada, e evitar, o que significaria um retrocesso, a volta do populista Lula
Roberto Freire, presidente do Cidadania
Fase de testes
Para Rodrigues, o jogo político hoje tem Moro “testando se a ideia de ele sair candidato a presidente cola”. “O jogo é antecipar a campanha e ver como as pessoas respondem para depois tomar uma decisão.” Nas pesquisas mais recentes, ainda sem ter sido tido como candidato, Moro aparece com 8% das intenções de voto, atrás de Lula e Bolsonaro.
A aposta de Câmara é que a candidatura de Moro não irá “muito longe”. “Mas talvez seja um ótimo trampolim para disputar o Senado por algum estado.” A hipótese é rechaçada pelo Podemos, que diz que o trabalho feito hoje visa a disputa pelo Planalto.
Presidente do PCdoB, tradicional aliado do PT, a vice-governadora de Pernambuco Luciana Santos acredita que será difícil Moro viabilizar sua candidatura por causa da ojeriza a seu nome de parte da classe política, um dos alvos da Lava Jato.
Base política
“Acho que, mesmo com a candidatura do Moro, permaneceria a polarização entre Lula e Bolsonaro”, disse Santos, argumentando que os dois políticos já possuem uma base “que está com aquela liderança em todas as circunstâncias”.
O pesquisador concorda. “Ele não é o fenômeno que se achava que era, como ficou claro pelo impacto diminuto que a saída dele teve sobre a base de apoio do Bolsonaro”, diz.
A presidente do PCdoB aposta que Moro “não ocupará esse espaço bastante consolidado do Bolsonaro”, citando que o atual presidente “tem demonstrado uma resiliência muito grande apesar de ser um governo desastroso”.
Assim como Santos, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, faz referência à conduta de Moro à frente de processos da Lava Jato. O ex-juiz foi considerado parcial nos julgamentos de Lula, o que anulou as condenações do petista, permitindo que ele recupera os direitos políticos depois de ter ficado de fora do pleito de 2018 em razão da ficha-suja.
“Se ele tiver mesmo coragem de disputar, terá de explicar não só os crimes que cometeu na Lava Jato, mas também os que cometeu junto com Bolsonaro no governo”, escreveu Hoffmann ao UOL. “Ele vai descobrir que fazer política sem a toga, que ele usou contra Lula, é muito mais complicado do que condenar sem provas.”
A volta de Moro à vida pública só veio reforçar um sentimento que já permeava a política brasileira, na avaliação de Rodrigues. “A gente não tem muito uma saída apaziguadora agora. Me parece que o ressentimento é mesmo uma narrativa política que veio para ficar nestes anos.”
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