Programa brasileiro de imunização está acéfalo há seis meses

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Foto: iStock

O Brasil completa hoje a marca de seis meses sem uma pessoa à frente do PNI (Programa Nacional de Imunizações), órgão do Ministério da Saúde responsável pela vacinação dos brasileiros. No dia 7 de julho, Franciele Fontana deixou o cargo, que não foi mais ocupado por ninguém.

A ausência por tanto tempo de um líder do programa é algo inédito. “Desde que acompanho o programa de perto, nos anos 1990, nunca se viu tanto tempo sem alguém. Nesse tempo ocorreram trocas, mas nunca ficou esse tempo ausente de chefe”, conta a Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).

Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde afirma que “a servidora Greice Ikeda atua como coordenadora-geral substituta do Programa PNI, conforme publicado no Diário Oficial da União”. A pasta afirma que “as ações que dizem respeito ao PNI seguem sendo realizadas normalmente”, mas não dá previsão para uma nomeação definitiva.

A falta de um chefe efetivo ocorre em um momento crítico da cobertura vacinal do calendário de imunização brasileira —que é uma referência mundial no controle de doenças.

Em 2020, o país viu suas taxas vacinais despencarem e retrocederem a coberturas similares às dos anos 1980. Essa redução é sentida desde 2016, mesmo antes da pandemia do novo coronavírus. Há duas justificativas principais para o fenômeno: a falta de campanhas efetivas sobre a importância da vacinação e o desaparecimento de doenças —que fez pessoas mais jovens não darem muita importância às vacinas.

“Sem um coordenador, você não tem planejamento, não define ações do PNI. E isso ocorre justamente hoje, quando coberturas de vacinas retrocedem. A gente está hoje com risco de volta da pólio, como voltou o sarampo. A situação piorou bastante com a pandemia e já pode ser considerada uma emergência em saúde pública.

Nesses seis meses, o programa chegou a ter um nome indicado: o pediatra e professor da UFS (Universidade Federal de Sergipe) Ricardo Gurgel. Entretanto, mesmo nomeado, ele não chegou a tomar posse porque teria expressado opiniões contrárias às do presidente Jair Bolsonaro sobre imunização.

“Eu considero [a negativa ao cargo por defender as vacinas] um grande elogio, porque só reforça a minha convicção pessoal. Deve ser por isso a dificuldade em encontrar alguém para querer o cargo, se estiverem realmente procurando alguém com esse perfil [antivacina],” disse ele ao UOL, no final do ano passado.

Em 2021, números ainda parciais mostram que devemos ter outra queda nas coberturas vacinais. “A gente tem somente os dados preliminares, e ainda não pode afirmar que será menor. Mas com certeza, pelo que observamos, no mínimo a cobertura baixa [de 2020] se repetirá. Não houve melhora alguma”, afirma Isabella Ballalai.

Para ela, a falta de coordenação do PNI é um dos motivos para a não retomada e é uma demonstração de que o tema imunização ficou fora das prioridades do governo.

“A gente não vê a priorização disso em ações do ministério. As nossas coberturas vacinais estão muito baixas, e não se vê um movimento –exceto a campanha multivacinação que ocorreu em outubro do ano passado, que teve uma adesão baixa e com comunicação fraca à população.
Isabella Ballalai, SBIm

Isabella Ballalai afirma que a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) procurou a SBIm para fazer uma parceria e, junto com o Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde, lançou o projeto “Reconquista das Altas Coberturas Vacinais”, coordenado pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos).

O projeto prevê uma ação estratégica e tem como meta o aumento na cobertura vacinal homogêneo em todo o país até o ano de 2025.

“Nesse caso, há um planejamento, e a gente espera que exista um movimento grande com comunicação e ações proativas. A população brasileira confia e acredita na vacina, a gente sabe disso”, comenta.

Sobre as quedas de cobertura vacinal, o ministério alega que “segue monitorando” e “intensificando as estratégias necessárias para reverter este cenário.”

“Nos últimos três anos, além de campanhas de influenza, poliomielite e de multivacinação (para a atualização da carteira de vacinação), também foram promovidas estratégias de vacinação contra o sarampo”, afirma a pasta.

Mesmo em tempos de pandemia, o ministério diz que a recomendação dada é que “os processos de trabalho das equipes de saúde sejam planejados com o objetivo de imunizar o maior número possível de pessoas contra as doenças, conforme orientações do Calendário Nacional de Vacinação.”

Hoje o PNI distribui 300 milhões de doses de imunizantes todos os anos (sem contar covid-19, que faz parte de uma secretaria à parte), que são aplicadas em mais de 38 mil salas de vacinação espalhadas pelo Brasil. O programa oferece à população vacinas gratuitas em todo o país para mais de 20 tipos de doenças.

A grande estrutura fez o país se tornar uma referência mundial em controle de doenças entre países em desenvolvimento. Foi graças a essa rede espalhada por todo o Brasil que a vacinação contra a covid-19 conseguiu chegar a mais de 150 milhões de brasileiros.

Entretanto, como revelou no mês passado, o programa passa por retrocessos inéditos em seus 48 anos de existência, como o fim da o fim do CTAI (Comitê Técnico Assessor de Imunizações), em 2019; e a falta de campanhas de incentivo à vacinação.

Também é a primeira vez —desde que o programa foi criado na ditadura militar— que o país tem um presidente e líderes do governo com perfil antivacina.

Uol

 

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