Direita bolsonarista quer limar Mario Frias e Sergio Camargo
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Um dos órgãos públicos que enfrentaram mais turbulência política e administrativa no governo de Jair Bolsonaro (PL) está prestes a ser palco de mais uma mudança brusca de gestores. Denúncias de desperdício de dinheiro público em viagem ao exterior e suspeitas de nepotismo assombram a gestão do ator Mario Frias na Secretaria Especial de Cultura.
Com elas, se torna muito difícil a permanência dele e de auxiliares próximos, como André Porciuncula, o ex-PM que despacha na Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura.
Os novos problemas se juntam a críticas antigas de problemas administrativos e falta de resultados para o governo mostrar no setor cultural. A atuação da Secretaria de Cultura é mercada mais por polêmicas do que por projetos desde o início do governo.
O primeiro gestor a ocupar a cadeira, Roberto Alvim, ficou marcado por plagiar trechos de um discurso do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, em um vídeo para supostamente exaltar a cultura brasileira.
A atriz Regina Duarte, sucessora de Alvim, teve muita dificuldade para lidar com as pressões de dentro e fora do governo e também saiu sem deixar legado, com a promessa jamais cumprida de assumir a Cinemateca Brasileira, em São Paulo (que perdeu parte relevante de seu acervo em um incêndio).
Frias assumiu em junho de 2020 e se notabilizou mais por brigas e ataques nas redes sociais do que por projetos na área cultural. Ao longo dessas gestões na secretaria, mesmo ações lançadas sob polêmica, como o financiamento da Funarte que excluía bandas de rock ou o o projeto de treinamento para jovens Casinha Games (anunciado já com Frias no órgão), foram descontinuados ou não saíram do papel.
A falta de ação tem motivado críticas à gestão Frias, que não partem apenas dos adversários do governo Bolsonaro, mas de nomes do campo conservador. É o caso do cineasta Josias Teófilo, que tem no currículo um filme sobre vida e obra do guru extremista Olavo de Carvalho e outro sobre a ascensão da direita que resultou na eleição de Bolsonaro.
“A atuação de Mario Frias, André Porciuncula e Sérgio Camargo [presidente da Fundação Palmares] consiste em foder ao máximo o governo Bolsonaro em pleno ano eleitoral”, disparou Teófilo na redes sociais na última semana, num dos muitos ataques que tem feito aos gestores culturais do governo e que incluem a acusação de tirar da Rouanet o que ela tinha de positivo para o incentivo à cultura no país.
Outra representante conservadora na área cultural, a comentarista Bruna Torlay também se juntou ao coro de descontentes ao publicar, em seu canal do YouTube, um vídeo com o título “A Secretaria da Incultura de Mario Frias”. Nele, acusa o secretário de não entender “coisa nenhuma” nem de cultura nem de gestão pública.
“O trabalho que fazem na Secult é absolutamente lamentável. Ficam de gracinha no Twitter e esquecem de organizar eventos sobre o Bicentenário da Independência [em setembro deste ano]. Ficam lacrando na rede e xingando artista de esquerda, mas não dominam o que estão fazendo”, afirmou ela, que até o início deste mês era comentarista da rádio e TV Jovem Pan.
O fiador
As pressões são muitas, mas a substituição de Frias e companhia ainda não é uma garantia porque a turma tem um defensor poderoso, o deputado federal e filho do presidente da República Eduardo Bolsonaro (União Brasil-SP), que tem feito a defesa aberta de seus aliados nas redes sociais e gestões internas para impedir a demissão deles.
Incentivado por Eduardo, Frias tem partido para cima de quem o critica e prometido até processos judiciais como resposta. É o caso da briga do secretário de Cultura com outra bolsonarista de destaque nas redes, a atriz Antônia Fontenelle, que revelou ter recebido ofertas de um empresário para deixar de criticar a gestão Frias.
Ter a seu lado um dos filhos do presidente da República é um ativo de Frias, mas é importante lembrar que Eduardo Bolsonaro também foi o último fiador de radicais hoje renegados, como os ex-ministros Abraham Weintraub e Ernesto Araújo.
Se entre os conservadores a crítica é pela incompetência na gestão cultural, entre os opositores do governo Bolsonaro há a certeza de que o desmonte do setor é uma ação deliberada. O Metrópoles conversou com ex-ministros da Cultura nas gestões do PT e do MDB de Michel Temer, que criticaram o atual governo por destruir a estrutura cultural brasileira e não colocar nada no lugar, num ato de ignorância não visto em outros governos de direita e sequer nas ditaduras.
O sociólogo Juca Ferreira, ministro da Cultura em dois governos do PT, entre 2008 e 2010 e entre 2015 e 2016, avalia que o governo federal tem o propósito de “demolir e desestruturar todas as conquistas culturais do país”. Ele também acusa Mario Frias de atuar para “facilitar a privatização do patrimônio brasileiro”.
“Eles são criminosos e assumem isso. Bolsonaro tem falado de uma guerra cultural que seria uma tentativa de retroceder com tudo o que foi construído no Brasil em termos de identidade, sentimento de pertencimento”, continua Juca Ferreira, que comenta ainda as consequências da falta de uma política de gestão cultural.
Ferreira argumenta que não há possibilidade de o Brasil ser bem sucedido se não disponibilizar o acesso plena à cultura para toda a população. “O acesso cultural possibilita um desenvolvimento de uma sociedade mais saudável. É a possibilidade de que um número maior de pessoas manejem tecnologias, compreendam o mundo”, afirma ele, apontando o Estado como responsável por essas iniciativas.
O ex-ministro da Cultura no governo Temer, Marcelo Calero, hoje secretário Municipal de Governo e Integridade Pública do Rio de Janeiro, diz que a falta de projetos na área cultural sob o governo Bolsonaro é fruto de “uma visão de ignorância, que não entende o papel da cultura como elemento fundamental para a própria identidade brasileira”.
“Esse pessoal se diz de direita, conservador, mas são pessoas ignorantes, pessoas toscas, que não têm nenhum projeto de país. Se fossem substituir uma política por outra, teria alguma legitimidade. Mas a destruição não é seguida por nada, é um vazio”, acusa Calero, que afirma ainda que esse comportamento não é marca registrada de governos conservadores, mas da gestão Bolsonaro.
Calero assegura que há exemplos de governo de direita que investiram muito na cultura. “Até na ditadura militar houve uma preocupação com a institucionalização desse arcabouço cultural. Foram criadas, por exemplo, a Funarte e a Embracine. Carlos Lacerda era um golpista nato, mas foi governador do Estado da Guanabara com uma política cultural consistente”, argumenta.
“A cultura é o carro-chefe do que conhecemos como brasilidade. A cultura é responsável pela abertura de mercados, porque é o que chega primeiro, é o que leva a imagem do país, a simbologia. Então, a cultura permite que o país avance em outros setores. É jogar contra o Brasil não investir em políticas culturais”, conclui Marcelo Calero em sua entrevista ao Metrópoles.