Lobby da Taurus fez PF ignorar próprio parecer sobre exportação de armas
Foto: Taurus/Divulgação
A revogação da taxa de 150% sobre a exportação de armas pesadas, aprovada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) em julho passado, foi precedida de uma série de visitas e encontros entre representantes da Taurus e do Ministério da Defesa. Os sete encontros ocorreram entre dezembro de 2020 e junho de 2021, os seis meses que antecederam a votação da Camex.
Como mostrou o blog ontem, a eliminação da alíquota era uma reivindicação antiga da Taurus, mas só foi aprovada depois que o Ministério da Defesa e a direção da Polícia Federal ignoraram um parecer técnico da divisão de repressão ao tráfico de armas da própria PF e opinaram pela eliminação da alíquota.
Os dados sobre as visitas e encontros foram compilados a partir da agenda pública de autoridades do governo e do controle de entrada na sede da pasta, obtido por Lei de Acesso à Informação e cedido à reportagem pelo Instituto Sou da Paz.
A lista incluiu uma visita pessoal do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, ao complexo fabril da empresa em São Leopoldo (RS), no dia 9 de junho.
A agenda foi divulgada no site da própria fabricante de armas. O Ministério da Defesa informou na época que estava fazendo périplo por empresas da chamada Base Industrial de Defesa do Brasil.
Na ocasião, Braga Netto não poupou elogios à Taurus. “A presença da empresa em mais de 100 países demonstra a sua inegável capacidade de inovação, competividade de preços e competência em manter uma cadeia de suporte global.”
Naquele mesmo dia, o secretário de Produtos de Defesa da pasta, Marcos Degaut, pediu ao Ministério da Justiça que a PF reconsiderasse sua posição, expressa em dezembro pelo delegado Marcus Vinicius Dantas, chefe da divisão de combate ao tráfico de armas .
Segundo a nota técnica de Dantas, eliminar a taxa seria temerário. Não só porque ela havia sido criada para coibir o tráfico, uma vez que muitos armamentos exportados legalmente voltavam ao Brasil via contrabando, mas também porque o controle de fronteiras é pouco eficaz, inclusive nos países vizinhos.
Em 9 de junho, mesma data da visita do ministro à Taurus, a direção da PF atendeu ao pedido da Defesa, e enviou à Camex dois despachos dizendo que a corporação não se opunha à revogação da taxa de exportação, sem consultar Dantas, conforme demonstram documentos da própria corporação.
Os sete encontros entre o pessoal da Taurus e o do Ministério da Defesa ocorreram justamente em meio ao impasse causado pelo parecer de Dantas se opondo à revogação da taxa de exportação.
Nesse mesmo período, houve também uma série de visitas de um lobista da Taurus ao Itamaraty, que também tem dois representantes na Camex. A equipe da coluna questionou o Itamaraty sobre os assuntos tratados nas visitas, mas não obteve resposta.
A primeira visita oficialmente registrada ocorreu em 21 de janeiro, quando o CEO da Taurus, Salesio Nuhs, foi recebido na sede do ministério pelo então ministro Fernando de Azevedo e Silva – que seria demitido em março por Bolsonaro, em uma crise que derrubou todos os comandantes das Forças Armadas.
Nuhs voltou à Defesa poucos dias antes da saída de Azevedo e Silva, em 23 de março. Estava acompanhado de Rafael Mendes de Queiroz, representante da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), da qual a Taurus é sócia.
Desta vez, segundo o governo, eles se reuniram com a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), ligada ao Exército e responsável por regular, entre outros dispositivos, armas de fogo.
Em 27 de maio, quase duas semanas antes da visita de Braga Netto à sede da Taurus, Queiroz retornou à Defesa, dessa vez com outro lobista, Paulo Mauricio Gomes Filho, para mais uma reunião com a diretoria de fiscalização de Produtos Controlados.
Quatro dias depois, em 31 de maio, Braga Netto reencontrou o CEO da Taurus, Salesio Nuhs, desta vez para uma audiência junto com o secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut – o mesmo que fez o pedido à PF para reconsiderar seu veto ao fim da alíquota de exportação.
Em 9 de junho, foi a vez de Braga Netto desembarcar no Rio Grande do Sul para uma visita a uma fábrica da companhia. Naquele mesmo dia, a Polícia Federal emitiu a nota definitiva apoiando a revogação do imposto.
A reportagem procurou a Defesa e perguntou se o ministro discutiu seu pleito de zerar a alíquota durante a audiência com Nuhs ou durante a visita ao complexo fabril, mas o ministério não respondeu. A Taurus também não respondeu às nossas perguntas sobre o caso.