Mulheres só ocuparão postos equitativos na política em 120 anos

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Foto: Antonio Molina/Fotoarena/Folhapress/Arte UOL

A igualdade entre os sexos é o único caminho para a evolução da pátria.

Era 1888 quando a pernambucana Josephina Álvares de Azevedo escreveu essa frase em seu jornal, “A Família”. Ela foi uma das primeiras sufragistas do Brasil —movimento feminino pelo direito ao voto— e morreu sem ver a conquista dos direitos pelos quais lutou. Apenas em 1932 as mulheres foram autorizadas a participar da vida política do Brasil.

Desprezando o período da ditadura militar (entre 1964 e 1985), há pouco mais de 30 anos de direitos igualitários para homens e mulheres nas eleições brasileiras. Atualmente, a taxa de representação feminina no Congresso brasileiro é de apenas 15% dos parlamentares, sendo que as mulheres constituem 52,8% do eleitorado brasileiro.

Uma estimativa levando em consideração esse percentual, feita a partir de cálculo proporcional, leva à assustadora conclusão de que, para chegar à paridade de gênero na Câmara dos Deputados e no Senado, o Brasil levará mais 120 anos. Seriam 254 anos após Josephina escrever sobre o tema em seu jornal.

“Essa conta não é precisa. É uma estimativa que considera a manutenção das regras eleitorais e das condições sociais e políticas do país. Mas, nas atuais condições, a paridade dificilmente seria alcançada em menos tempo do que isso”, afirma Hannah Maruci, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), doutoranda em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), pesquisadora de gênero e política —e autora do cálculo, feito a pedido de Universa.

No relatório “Mulheres no Parlamento”, publicado em 2021 pela ONU Mulheres em parceria com a UIP (União Interparlamentar), o Brasil ocupa a 142ª posição em representatividade feminina —num total de 192 países. Levando em consideração apenas a América Latina, só o Haiti —sem nenhuma mulher no Legislativo— está pior do que o Brasil no ranking.

Dos primeiros lugares no ranking entre as nações latinoamericanas, vêm as lições de que a paridade não é uma utopia, mas um objetivo que pode ser atingido a partir do esforço coletivo. O México, por exemplo, já atingiu 49% da representação feminina segundo o IPP (Índice de Paridade Política), divulgado em 2020. A Bolívia, nas últimas eleições, em 2020, atingiu a marca de 56% de mulheres no Senado — na chamada Câmara Baixa do Parlamento, elas representam 48%.

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As barreiras sociais não foram eliminadas quando instituímos o direito de votar e se eleger às mulheres. O racismo, o machismo, a violência política de gênero e raça, o subfinanciamento de campanhas de mulheres, sobretudo negras, tudo isso contribui para a manutenção e o aprofundamento das desigualdades – explica Maruci.

As estatísticas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com relação aos partidos políticos mostram uma desigualdade menor: cerca de 45% do total de 16 milhões de pessoas registradas em agremiações são mulheres. No entanto, essa considerável participação feminina na vida partidária não se reflete no número de dirigentes. Das 33 siglas registradas atualmente, apenas seis são presididas por mulheres.

“Os partidos até estão se movimentando, mas eles são muito patriarcais. Nada que uma legislação faça vai ser suficiente para convencer uma história partidária de 20, 50 anos excluindo mulheres dos quadros”, afirma Christine Peter, secretária-geral do TSE e uma das autoras do livro “Constitucionalismo Feminista” (ed. Juspodivm).

A advogada e doutoranda em ciência política na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) Fernanda Cordeiro, também pesquisadora do tema, conheceu de perto esse problema.

Trabalhei dentro de partidos, tanto de esquerda quanto de direita, e o que percebo é que não há um incentivo concreto para que mulheres sejam eleitas. Elas são procuradas de última hora, para cumprir a cota, não têm capacitação. O que temos ainda são muitas mulheres que pavimentam o caminho dos homens e fortalecem candidaturas masculinas.

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As mulheres foram autorizadas a votar e serem votadas no Brasil apenas em 1932, com o Código Eleitoral, decretado por Getúlio Vargas. Mas foi só a partir do fim da década de 1990 que iniciativas de apoio à candidatura de mulheres surgiram. Em 2009, uma lei criou a cota de 30% de candidaturas para mulheres. Foi quando se intensificaram as chamadas candidaturas laranjas, registros de fachada de mulheres que entravam na eleição sem a intenção de concorrer, mas para garantir o dinheiro do fundo eleitoral e preencher a cota.

Para tentar resolver o problema, em 2018, o TSE estabeleceu que os partidos políticos deveriam destinar ao financiamento de campanhas de suas candidatas, no mínimo, 30% do total de recursos do fundo partidário utilizado nas campanhas (em ações como formação política) e pelo menos 30% dos recursos do FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha), conhecido como fundo eleitoral, para financiar candidaturas femininas.

Por último, em 2021, duas novas medidas importantes foram incorporadas à legislação. Primeiro, uma emenda constitucional passou a determinar que votos dados a candidatas mulheres e a pessoas negras sejam contados em dobro para efeito de distribuição dos recursos do fundo eleitoral nas eleições de 2022 a 2030.

Em outra frente, a lei nº 14.192/2021 estabeleceu normas para prevenir, reprimir e combater a violência política de gênero —quando mulheres são atacadas dentro do meio em razão de sua condição feminina. Para a secretária-geral do TSE, Christine Peter, o tema sempre importou para a democracia brasileira. “Mas, nem de longe, as leis surtiram o efeito significativo desejado”, diz.

Avançamos em 2021, um ano muito importante porque se previu o crime de discriminação da mulher na política por meio de violência. Não adianta dar dinheiro e obrigar os partidos a fazerem as campanhas se as mulheres não são acolhidas nesse ambiente, se não participam sem medo da morte ou de violência física ou psicológica – afirma Peter.

As mulheres já podem votar, já podem ser eleitas e há leis de incentivo para suas candidaturas. Por que elas ainda não estão presentes de forma mais proporcional no Congresso? A secretária-geral do TSE corrobora a tese das especialistas ouvidas por Universa sobre a necessidade de mudanças culturais da sociedade.

“Nossa sociedade tem que estar educada, tem que estar consciente e querer ver mulheres no poder. Infelizmente, ainda estamos longe disso. A sociedade ainda não acha natural que elas se envolvam com política e ainda são rejeitadas nesse ambiente. Precisamos que todos percebam que, sem mulheres legislando, a democracia não é completa e a sociedade fica sub-representada. Não depositemos tanta esperança na legislação. Ela contribui muito, mas ativistas e a sociedade civil precisam lutar.”

A partir de 2015, houve um boom de iniciativas para a formação política de mulheres. O tema é objeto de pesquisa das doutorandas em ciência política da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Maria de Fátima Goulart Capela e Maria Inês Schaefer. Elas mapearam dezenas dessas ações, tanto organizadas por grupos independentes quanto por partidos, espalhadas pelo país.

Uma dessas iniciativas é a A Tenda das Candidatas, um circuito de capacitação apartidário, com aulas e tutorias para líderes com intenção de se elegerem, com ênfase em negras, quilombolas, indígenas, mulheres com deficiência e pessoas LGBTQIA+.

“Quando Marielle Franco [vereadora do PSOL-RJ] foi assassinada, esperavam nos calar, mas aconteceu o contrário. Conseguimos nos unir, unir nossos propósitos e ideais em busca de eleger mais mulheres negras”, conta Laura Astrolabio, advogada especialista em direito público, mestranda de políticas públicas em direitos humanos na UFRJ e uma das fundadoras do movimento.

Para 2022, foram selecionadas 90 pessoas —60% negras, 10% quilombolas, 10% indígenas, 10% com deficiência e 10% LGBTQIA+— que iniciaram a formação em novembro, com encerramento programado para junho. A formação da Tenda tem foco em política eleitoral partidária para ensinar mulheres a fazer campanha política e jogar o jogo eleitoral.

Para negras e LGBTQIA+, o primeiro passo é sobreviver

Para mulheres negras e LGBTQIA+, ainda é preciso assegurar o básico: a sobrevivência para, então, ocupar espaços de poder. “Não é uma questão simbólica, esses grupos não sobrevivem e isso é anterior à discussão de representação na política. O que impossibilita isso é a realidade de exclusão. Para se chegar a pensar em um cargo político, você tem que sobreviver. Tem que traçar uma trajetória, uma luta, um ativismo, uma causa”, afirma Érika Hilton (PSOL), primeira vereadora trans em São Paulo e mulher mais votada do Brasil nas eleições de 2020.

“Não me incomoda ter que repetir dados, mas me entristece ser uma exceção em um mundo cheio de pessoas iguais a mim que estão tendo seu direito de existir negado. Toda vez que falo, estou fazendo uma denúncia, estou alertando para que olhem essa realidade e que possamos, juntas, transformá-la.”

Para a vereadora do Rio de Janeiro Monica Benicio (PSOL), que era companheira de Marielle Franco quando ela foi assassinada, em março de 2018, a questão de garantir a sobrevivência para conseguir ocupar um espaço público também é primordial. “Inclusive dentro dos próprios partidos. Não adianta falar de pauta identitária e depois tratar isso como uma discussão menor.”

Desde o assassinato de Marielle, Benicio tem trabalhado com a promoção da visibilidade de mulheres e da população LGBTQIA+ em todos os espaços, inclusive os de poder. Ela cita como exemplo a falta de representatividade feminina LGBTQIA+ no Congresso. “Sempre foram homens, desde Clodovil [Hernandes, deputado federal que morreu em 2009]. Queremos mulheres ocupando esse espaço. Não temos uma deputada estadual trans, por exemplo, no estado do Rio. Na Câmara Municipal, sou a única parlamentar LGBT assumida.”

Uol