Extremismo marcará eleições de 2022, diz pesquisa

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Foto: Reprodução

Uma pesquisa inédita realizada pelo Instituto Locomotiva mostrou que a sociedade brasileira está polarizada, mas não entre dois polos, como sugere o senso comum, e sim fragmentada em vários campos distintos.

A pesquisa encomendada pela Despolarize, uma organização do terceiro setor focada na despolarização política, mostrou que a população é formada por 36% de “nem nem” – brasileiros que não se identificam com nenhum campo político -, enquanto 22% se declararam de centro (veja infográfico).

Entretanto, é alto o índice daqueles com visões radicalizadas: um em cada três brasileiros (31%) se identifica com um dos extremos do espectro político.

Esse percentual dialoga diretamente com os 25% da população que se consideram altamente intolerantes e se recusam a mudar de opinião no campo político.

“Iremos pra uma das campanhas mais radicalizadas desde a redemocratização, mais radicalizada que a de 2014, entre Dilma [Rousseff] e Aécio [Neves], dentro desse cenário de uma polarização difusa”, avaliou o presidente do Instituto Locomotiva e coordenador da pesquisa, Renato Meirelles. “Os polos são vários, mas esses extremos brigam demais”, completou.

Meirelles acrescentou que a radicalização desse um terço da população está mais relacionada ao índice de intolerância política, do que à polarização.

“Eles [os extremos] não mudam de opinião, fazem mais barulho que o restante da população, postam mais [nas redes sociais], informam-se só pelas mídias sujeitas ao algoritmo, as redes são a principal fonte de informação desse grupo”, relatou.

A pesquisa verificou que esse um quarto da população que tem alta intolerância política é quem tem participação mais ativa no debate político. Nesse grupo, 40% se identifica com algum partido político, enquanto entre os de baixa intolerância política, esse índice cai para 17% e chega a 28% na fatia de média intolerância.

Da mesma forma, os 25% de visão mais radical são os que mais comparecem a manifestações de rua, ou protestos virtuais: o índice chega a 38%. No grupo de média intolerância política, 30% participam desses eventos, enquanto na faixa de baixa intolerância, o percentual de politicamente ativos cai para 19%.

Meirelles acredita, contudo, que essa fatia de alta intolerância representa um segmento da sociedade brasileira porque está relacionado à personalidade das pessoas. “O intolerante na política é o intolerante no futebol, na religião”, exemplificou.

O levantamento ouviu 1.315 homens e mulheres, com mais de 16 anos, residentes em 142 cidades de todos os Estados e do Distrito Federal. As entrevistas foram realizadas por telefone, com aplicação de questionário estruturado, no período de 26 a 30 de novembro do ano passado. A margem de erro é de 2,7 pontos percentuais, para mais ou para menos.

Para Renato Meirelles, a pesquisa confirmou a percepção geral de que a sociedade está polarizada, porque 89% veem os brasileiros muito divididos, enquanto apenas 11% responderam que o país não está fragmentado politicamente. Mas surpreendeu os pesquisadores a constatação de que apenas 23% dos brasileiros acham que a sociedade está dividida em dois polos. Outros 39% acreditam que o país está dividido em vários campos políticos, enquanto 27% veem dois polos maiores e outros grupos menores agregados.

Para Meirelles, esse cenário decorre da divisão de polos que antes eram aglutinados. “Por exemplo, você tem Ciro Gomes atacando muito mais o [ex-presidente] Lula, enquanto [Sergio] Moro e [João] Doria passaram a ter personalidade própria e a atacar o outro expoente, que é o [presidente] Bolsonaro”.

Segundo o pesquisador, o levantamento evidenciou a existência de uma maioria silenciosa, os 36% de “nem nem”, somados às franjas populacionais que se identificam com o centro (22%), que evitam embarcar em discussões políticas e podem mudar de opinião a qualquer hora. São 58% de eleitores a serem conquistados, contra 31% de radicais convictos de suas posições e avessos ao diálogo com os diferentes.

A pesquisa verificou, por exemplo, que 48% dos entrevistados que se identificam como de centro evitam participar de conversas sobre política. Caso se achem em uma roda em que o tema vem à baila, só escutam, mas não colocam os seus pontos de vista.

“O voto em disputa é o de quem aparece na definição da pesquisa como o menos polarizado”, resume Meirelles. Para esse grupo de “‘nem nem” e de centro, “a ideologia não interessa, esse eleitor quer entender o que vai mudar na vida dele”.

É nesse contexto sugerido pela pesquisa, de que a “ideologia” ficaria em segundo plano, que o presidente do Instituto Locomotiva enxerga os dois líderes das pesquisas sobre a sucessão presidencial atuando em frentes completamente opostas.

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro está em campo tentando expandir o seu polo de atuação, formado majoritariamente pelos que se identificam com a extrema direita, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está empenhado em atrair os 22% de centro e os 36% de “nem nem”.

“Lula tenta se viabilizar como o candidato da terceira via, com Geraldo Alckmin funcionando como uma nova Carta aos Brasileiros, enquanto o Bolsonaro tenta levar a eleição para o campo dos costumes, na estratégia de tentar consolidar o voto ideológico”, analisa Meirelles.

Para o pesquisador, a conjuntura atual em que Lula se mantém na liderança das pesquisas, enquanto Bolsonaro começou a crescer significa uma “antecipação do segundo turno”, com um enterro precoce da terceira via.

“É a primeira eleição na história em que um presidente da República em exercício concorre contra um ex-presidente. A discussão será sobre o que cada um fez efetivamente e isso torna o debate menos ideológico, diferente do que foi o pleito de 2018”, aposta o pesquisador.

Ele vê um disputa pragmática, onde o eleitor vai olhar o que cada um fez no passado, “uma discussão de legado e não de ideologia”. “O eleitor quer saber se a renda dele vai melhorar, se os filhos vão ter onde estudar, se o preço do gás e da gasolina vai cair. Não vai ser uma discussão sobre comunismo, sobre esquerda e direita, vai ser se a vida do eleitor é melhor hoje, ou era melhor antes”, acrescentou.

Renato Meirelles rechaça que a porcentagem de 36% de brasileiros que não têm identificação com um dos campos políticos e 22% que se declararam de centro represente uma luz no fim do túnel para os postulantes da chamada terceira via.

“[O resultado da pesquisa] não é uma esperança para a terceira via porque esses brasileiros não têm uma opinião consensual sobre política. Não é verdade que porque essas pessoas não gostam de um [Lula], ou de outro [Bolsonaro], vão gostar de um terceiro”, argumentou.

Para Meirelles, não surgiu ainda um perfil entre os postulantes dessa terceira via com força para atrair essa fatia do eleitorado. Ele sustenta que a chance dos concorrentes nesse campo será daquele que estiver melhor posicionado em um cenário em que o imponderável se imponha e um dos dois que encabeçam as pesquisas abandone o ringue, abrindo vaga para o terceiro colocado.

Valor Econômico