Bolsonaro usa diretor de estatal para fazer campanha em vez de trabalhar
Foto: Gustavo Maia/VEJA
Homem de confiança do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o piauiense José Trabulo Junior é uma figura discreta, mas importante no governo de Jair Bolsonaro. Suas redes sociais estão coalhadas de fotos com ministros do governo, com a primeira-dama Michelle Bolsonaro e, claro, com o presidente.
Ex-assessor de Nogueira nos tempos de Senado, Trabulo é tratado como “amigo-irmão” pelo chefe da Casa Civil. Tanta proximidade lhe conferiu um bom emprego na máquina. Trabulo é diretor de Abastecimento da Conab, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura. Na estatal, sempre trabalhou direito, seguindo horários e cumprindo as demandas do cargo.
A coisa começou a mudar há algumas semanas, quando o chefe da Casa Civil encarregou Trabulo de uma nova missão: coordenar a logística da campanha de Bolsonaro à reeleição. De um dia para o outro, Trabulo começou a se ausentar por longos períodos do serviço.
Com salário de 31.500 reais, o executivo da Conab recebe do governo, mas vem despachando numa luxuosa mansão no Lago Sul, em Brasília, onde está instalada uma produtora que, nestes dias, opera como uma espécie de sede provisória da campanha de Bolsonaro. Além de não ter se afastado do cargo no governo, condição exigida pela lei para que burocratas se envolvam na campanha do presidente da República, ele usa o carro oficial e o motorista da Conab.
Por uma dessas coincidências de Brasília, o novo endereço de trabalho do diretor da Conab o aproximou do “amigo-irmão” da Casa Civil. O imóvel usado para dar forma à campanha de Bolsonaro fica na frente da mansão de Ciro Nogueira.
Eram 14h desta quarta-feira, quando o diretor da Conab deixou correndo a mansão. Do outro lado da rua, o ministro da Casa Civil se despedia do presidente da Câmara, Arthur Lira, que almoçara na sua casa ao lado de Luciano Bivar, o chefão do União Brasil. Trabulo atravessou a rua e conseguiu gritar a tempo de ser ouvido: “ministro, eu só quero te dar um abraço”.
O “abraço” durou aproximadamente uma hora. Poucos minutos depois das 15h, Trabulo passou pelo portão da garagem de Nogueira, de onde logo em seguida saiu o carro oficial da Casa Civil da Presidência, e retornou à sede da produtora.
Permaneceu mais de uma hora no local. Com o aval do ministro mais importante do governo para matar o serviço na Conab em nome da campanha do presidente, Trabulo não tomou o cuidado nem de esconder dos frequentadores da produtora o uso da máquina federal de modo irregular. Desde o início da tarde, o Renault Fluence preto que pertence à frota da Conab esperava por ele na frente da casa.
O motorista à disposição de Trabulo usava um crachá da estatal no pescoço. A agenda oficial do diretor da companhia estava vazia até o momento. Trabulo entrou no veículo às 16h13. Posteriormente, sua agenda registraria que ele estava em despachos internos na Conab, com duas assessoras, das 16h às 18h. Esse “trabalho” na estatal tem sido assim há dias, segundo fontes de dentro e fora do órgão.
A situação até chegou ao Ministério da Agricultura, provocando constrangimentos em auxiliares da ministra Tereza Cristina. Sem saber que havia sido flagrado no novo ofício, Trabulo disse ao Radar que “foi sondado” para atuar na reeleição do presidente, mas negou que estivesse atuando no QG de campanha: “Estou conversando sobre o assunto, mas, por enquanto, ainda não tô dentro da campanha. Ainda não estou despachando lá (na produtora), eu já fui lá conhecer, mas ainda não foi fechado, ainda está em negociação”.
Questionado pelo Radar sobre as visitas à produtora no horário do expediente da Conab e o conflito com o cargo público que ocupa, Trabulo fez questão de reforçar que tem tomado “cuidados”: “Pois é. Tem sido sempre fora do expediente, justamente para não ter esse conflito. E, principalmente, eu aceitando a questão do cargo, quer dizer, aceitando os dois lados, não é só um lado que aceita, aí eu terei que me afastar da Conab por conta dessa questão do conflito.
Mas tenho mantido aí um respeito de não ter esse conflito, sabe… Então, assim, só pra eu lhe dizer: eu tenho tomado esses cuidados, até porque eu não queria ter problema com a Conab. E aí acho que até o final do mês a gente toma uma decisão. Aí, sim, se eu aceitar, eu devo me afastar da Conab para que as coisas possam não ter conflito. Só queria preservar isso. Pode ser, meu irmão?”.