Disputa entre Doria e Leite deve fazer PSDB virar nanico

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo/Agência O Globo

A disputa entre os ex-governadores João Doria e Eduardo Leite sobre quem será o candidato do PSDB à Presidência pode ficar ainda mais indefinida se for judicializada. Advogados especializados em direito eleitoral divergem sobre o que valerá, de fato, na escolha do candidato tucano: as prévias, realizadas no ano passado, ou a convenção nacional, prevista para julho.

Com uma agenda de pré-campanha paralela à de João Doria, Eduardo Leite tem indicado que poderá contestar a definição partidária, tirada em novembro de 2021, nas prévias. Leite defende que a convenção nacional do partido, em julho, é soberana e poderá alterar o candidato. Já os aliados de Doria se baseiam no estatuto tucano, reforçam que o candidato foi escolhido nas prévias pelos filiados e dizem que caberá à convenção nacional somente formalizar essa decisão. No meio jurídico, as avaliações são divergentes e indicam brechas para contestações.

Com histórico de atuação em campanhas presidenciais do PSDB desde 2002, o advogado Ricardo Penteado, especializado em direito eleitoral, diz que o que vale é a escolha da convenção. “Evidentemente que o nome do escolhido nas prévias terá que ser submetido à convenção. E pode acabar não sendo o nome escolhido, se assim definir a federação e a coligação que estará com o PSDB”, diz. “Nada é absolutamente imutável [até a convenção].”

Penteado avalia que mudar o candidato escolhido nas prévias é “esquisito” e “mostra a instabilidade vivida pelo partido”. “Mas isso não é uma impossibilidade jurídica, caso o nome escolhido durante a convenção, por meio do voto, seja diferente”, diz. “As prévias têm valor jurídico, mas não é um valor absoluto e pode não ser acolhido pelos partidos que compuserem com o PSDB. O partido pode justificar que mudou de estratégia eleitoral na convenção e alterar o candidato”, avalia.

O advogado pondera que não houve, até o momento, nenhuma contestação jurídica sobre a lisura do processo das prévias, mas que mesmo assim há uma possibilidade “política” de alterar o candidato. “A convenção é o órgão máximo do partido”, afirma Penteado. “Se as prévias tivessem o valor de definição do candidato, não seriam ‘prévias’. O que vale estatutariamente é a escolha da convenção”, reforça. Desde 2002, Penteado trabalhou na equipe jurídica de todas as campanhas presidenciais do PSDB no segundo turno. Na eleição de 2018, estava na equipe presidencial do então tucano Geraldo Alckmin e na estadual do ex-governador Márcio França (SP). Em 2020 trabalhou na campanha de Bruno Covas (PSDB) à Prefeitura de São Paulo e nestas eleições tem negociado a participação na pré-campanha de Felício Ramuth (PSD) ao governo paulista.

Com uma visão diferente, o advogado Arthur Rollo diz que de acordo com o estatuto do PSDB, a convenção apenas homologa as prévias. “Em matéria de representatividade, as prévias superam muito a convenção porque implicam em consulta direta a todos os filiados. Na convenção só votam os delegados, em quantidade bem menor”, diz Rollo. “Não pode a convenção mudar a posição democrática adotada pelo partido. Muito menos a Executiva nacional, de apenas 30 membros, pode mudar a opinião soberana da consulta direta aos filiados. A opinião da maioria já manifestada deve prevalecer.”

Na avaliação do advogado, para modificar a decisão das prévias é preciso que haja consenso dentro do partido, “sem dissidência alguma”. “A única forma de não dar problema é todos concordando”, afirma. “Prevalece o estatuto, regra específica do partido, que prevê a consulta a todos os filiados. Quem decide democraticamente os destinos do partido são os filiados. Se todos decidiram, não pode a minoria contrariar.”

O advogado lembra que o PSDB gastou cerca de R$ 10,4 milhões no processo das prévias, em novembro de 2021, e diz que “desrespeitar essa consulta seria jogar todo esse dinheiro público no lixo”. “Se o que vale é a convenção, como dizem alguns, não teria sentido ter gasto todo esse dinheiro público para nada”, diz.

Arthur Rollo cita ainda a carta divulgada na semana passada pelo presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, na qual o dirigente reafirma o apoio do partido à pré-candidatura de Doria. Depois desse gesto, o então governador paulista decidiu renunciar ao cargo em São Paulo para concorrer. “Se não cumprirem isso, cabe inclusive [a Doria] a indenização pela perda de uma chance”, diz. “O pior que pode acontecer é o PSDB ficar sem candidato nenhum a presidente, dependendo da briga que houver, e ambos os pré-candidatos e o partido saem perdendo. Todos saíram mais fracos depois dessas prévias, inclusive Leite”, avalia.

O Estatuto do PSDB diz que a convenção nacional é o “órgão supremo” da legenda e tem como atribuição “escolher os candidatos do partido aos cargos de presidente e vice-presidente da República, ou proclamá-los, quando houver eleição prévia para essa escolha”. A regra está no artigo número 58, inciso quatro, dentro das determinações partidárias sobre a convenção nacional. Em outro capítulo do estatuto, o PSDB afirma que “os candidatos vencedores em eleições prévias terão seus nomes homologados nas convenções convocadas para esse fim”. Essa outra regra está no artigo número 152. O artigo seguinte diz que o partido pode pedir o “cancelamento do candidato” à Justiça Eleitoral, até a data da eleição, apenas se for expulso ou se cometer um ato de infidelidade partidária, apoiando ou fazendo propaganda de candidato a cargo eletivo inscrito por outro partido não escolhido em coligação com o PSDB, ou, de qualquer forma, pedindo voto para seu nome, sem aval da sigla.

Valor Econômico