Eduardo “bananinha” Bolsonaro vira despachante de fazendeiros

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Foto: Reprodução

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) atuou junto à presidência do Incra, em Brasília, em defesa de fazendeiros que foram alvo, em 2014, de uma grande operação policial contra invasão de terras públicas de um projeto de assentamento da União em Itanhangá, a 491 km de Cuiabá (MT). A Operação Terra Prometida atingiu políticos na região e familiares de um importante líder do agronegócio e base de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional, o deputado federal Neri Geller, que foi ministro da Agricultura de 2014 a 2015 e hoje é vice-presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agricultura) na Câmara.

A investigação da PF (Polícia Federal) e do MPF (Ministério Público Federal), que teve o apoio do próprio Incra, concluiu que desde a criação do assentamento, em 1995, “foram transferidos ilegalmente mais de mil lotes para cerca de pouco mais de 80 fazendeiros e grupos familiares”, conforme descreve uma denúncia apresentada à Justiça Federal pelo MPF (Ministério Público Federal) em 2021. A operação prendeu mais de 50 pessoas e deu origem a 53 inquéritos e dezenas de ações penais e cíveis. Procurado por telefone celular, Eduardo Bolsonaro não respondeu os questionamentos da reportagem.

O assentamento é considerado um dos maiores da América Latina, com 115 mil hectares e 1.050 lotes, segundo o Incra (outras publicações oficiais falam em 1.149 lotes). Cada lote de 100 hectares no assentamento valeria de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões, segundo a denúncia do MPF em 2021.

“Atualmente as áreas do PA Itanhangá estão sobremaneira valorizadas, já que o assentamento se encontra localizado em região intensamente explorada pelo agronegócio, contando com lotes grandes, planos e com altos índices de produtividade, gerando a cobiça de um sem número de produtores rurais e de políticos locais, todos dispostos ao uso da força para estender seus domínios sobre as terras dantes voltadas à implementação da reforma agrária”, escreveu o MPF em janeiro de 2021. Do outro lado da disputa, um grupo de cerca de 260 famílias de trabalhadores rurais sem-terra acampado desde 2013 em um dos lotes do assentamento pede que o Incra promova a retirada dos fazendeiros dos lotes que foram identificados como objeto de invasão e que os terrenos sejam redistribuídos dentro do programa de reforma agrária.

Eduardo Bolsonaro surgiu no meio da disputa ao se reunir, no último dia 10 de março, com o comando do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Brasília ao lado do deputado estadual Gilberto Cattani (PL-MT), um ferrenho defensor do grupo de fazendeiros. Bolsonaro se reuniu com o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento, Giuseppe Vieira, com a procuradora chefe no Incra, Renata Carvalho, e com a diretora de Governança Fundiária, Eleusa Gutemberg. Segundo o Incra, o presidente do órgão, Geraldo Melo Filho, não participou porque teve que viajar por motivo pessoal (seu pai havia falecido quatro dias antes).

Porém, a assessoria de Cattani divulgou à imprensa que Melo Filho “entrou em contato com Cattani e garantiu prioridade no atendimento na demanda que veio de Mato Grosso”. Bolsonaro e Cattani estavam acompanhados do deputado estadual Gil Diniz (PL-SP), conhecido como “Carteiro Reaça”, ex-assessor de Bolsonaro. Indagado pela coluna sobre a “demanda” encaminhada pelos deputados, o Incra divulgou a pauta da reunião, que teria envolvido quatro itens: “obrigatoriedade para o cliente da reforma agrária estar no CADúnico; Marco temporal da regularização fundiária; PA [projeto de assentamento] Japuranã; PA Itanhangá e PA Itapurah”.

Bolsonaro e Cattani frequentemente trocam mensagens de apoio em redes sociais. O filho do presidente aparece em eventos realizados em Mato Grosso ao lado do deputado estadual, que é contrário ao “passaporte vacinal”, defende o armamento da população e se diz “patriota e conservador”. Em um vídeo divulgado no começo deste mês, o filho de Bolsonaro disse que Cattani “talvez vem para [deputado] federal”, que ele é “super simples, humilde” e que suas palestras são “excepcionais”. Cattani se filiou ao PL, mesmo partido dos Bolsonaros.

Em suas redes sociais, Cattani afirmou que, durante a reunião no Incra em Brasília, apresentou “o resultado da nossa audiência pública realizada em Itanhangá e cobrei providências. Estamos lutando pelos interesses dos assentados do Mato Grosso e do Brasil”.

Cattani, que é assentado da reforma agrária em outro município, já fez vários vídeos e postagens atacando as famílias sem terra acampadas em Itanhangá. Onze dias depois da audiência em Brasília, por exemplo, ele divulgou a fala de um produtor rural dizendo que “tomaram [governo anterior a Bolsonaro] as terras de nós” de uma “forma absurda”. O deputado disse que o Itanhangá foi “vilipendiado”.

Cattani disse que “pegou toda essa documentação”. “O Eduardo Bolsonaro nos atendeu com a maior boa vontade em Brasília, nos acompanhou no Incra, entreguei para ele um dossiê com essa história”, disse o deputado. Ele fez um “pedido de socorro” a Eduardo e seu pai, Jair, “nos ajudem”. “Nós estamos sabendo agora que a cada dia estão sendo protocolados vários inquéritos aonde [sic] as pessoas que estão lá no assentamento, Eduardo e presidente, não tem o direito de defesa, porque nem sabe, todo o processo está em segredo de Justiça.”

Cattani diz ainda no vídeo, se dirigindo “ao presidente”, que dentro do assentamento “nós temos um núcleo do MST que está lá só para tomar lotes das pessoas que foram assentadas”. O deputado chamou o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) de “crápulas” e que “agora estão invadindo os próprios assentamentos”. O deputado já havia feito a mesma acusação contra o MST em outras publicações.

Ocorre que o MST não atua na região, segundo a coordenação da entidade no Estado. Vídeos e fotografias do acampamento não mostram nenhuma bandeira do MST. “É uma fake news, é uma fala desnecessária e uma mentira deslavada do deputado. Ele historicamente [antes de ser deputado] já gostava de ficar fazendo fake news em nome do MST. Tudo que é de ruim, principalmente quando há conflito entre pequenos agricultores, ele coloca o MST no meio”, disse Idalice Nunes, liderança do MST em Mato Grosso.

O grupo de 260 famílias que vivem acampadas no assentamento foi organizado de forma independente, disse Fábio Bento Machado, presidente da Assoplan (Associação dos Pequenos Produtores Rurais Planalto), a entidade que representa os acampados em Itanhangá. Ele nega que os acampados queiram “tomar” terras e que estejam “invadindo” os lotes. Ele disse que as declarações e uma “visita-surpresa” de Cattani agravaram o ambiente de tensão no assentamento e que o Incra “se mantém inerte” desde a deflagração da operação da PF em 2014 porque “se trata de grandes latifundiários e políticos”.

“O clima na região está muito tenso, a situação é complicada. Eu estou no programa de proteção do governo. Há várias ameaças de morte. O Incra tem como resolver a situação dos acampados, é só fazer a reintegração dos lotes com problema e seguir o programa da reforma agrária, é isso que nós queremos e estamos aguardando”, disse Machado. Machado disse que a Assoplan e outros órgãos públicos que acompanham o assunto não participaram da “audiência” realizada em Itanhangá que deu origem ao “dossiê” encaminhado por Cattani e Eduardo Bolsonaro à presidência do Incra. “O Cattani apoia os latifundiários da região, isso é público e notório.”

Em sua rede social, Eduardo Bolsonaro escreveu, em 10 de março, que “acompanhou” os deputados Cattani e Diniz “no Incra levando demandas de assentados, uma autarquia que merece ser valoriza [sic] em virtude de seu ofício árduo. São eles que vão na ponta dar dignidade a pessoa que esperam [sic] as [sic] vezes décadas por uma titulação de terra”. O deputado Gil Diniz reproduziu, em sua rede social, a mensagem de Eduardo. Procurado por meio de sua assessoria, o deputado não deu retorno até o fechamento deste texto.

Em nota à coluna, o Incra afirmou que “aguarda trânsito em julgado com decisão judicial de reintegração” de posse no assentamento Itanhangá. O órgão se recusou a divulgar o número de lotes sobre os quais foi identificada irregularidade porque supostamente “poderia influenciar negativamente a instrução processual. Após ajuizamento das ações, o número se tornará público.”

“Os processos referentes aos lotes que foram objeto de investigação e que a Polícia Federal, através da autoridade policial, concluiu por indício criminal, administrativamente, foram todos instruídos e remetidos à Procuradoria Federal do Incra, com proposta de ação de reintegração de posse.

O litígio faz parte de ação da AGU [Advocacia Geral da União] através do ‘contencioso’, competindo à Autarquia Incra aguardar trânsito em julgado com decisão judicial de reintegração”, disse o órgão. Indagado sobre quando isso ocorrerá, o Incra reiterou: “Ocorrendo o trânsito em julgado o Incra, através de edital, selecionará famílias para serem reassentadas nos lotes”. Os critérios para seleção, segundo o órgão, serão os “estabelecidos no Artigos 19, 19-A e 20 da Lei 8.629/93”.

O Incra também se recusou a fornecer a íntegra do relatório e outros documentos entregues à autarquia por Eduardo Bolsonaro e Gilberto Cattani, sob o argumento de que o jornalista fez o mesmo pedido por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Disse que a resposta seguirá por aquele canal. O deputado Cattani disse à coluna, em áudios enviados por telefone, que o filho de Bolsonaro “ajudou a fazer” a agenda no comando do Incra.

Disse que pediu ao órgão “que defenda os produtores rurais, e não essa bandidagem do MST”. Leia mais sobre a entrevista neste texto à parte. A assessoria do deputado Neri Geller disse que ele “não foi alvo” da Operação Terra Prometida, em 2014, e que “naturalmente não há qualquer processo ou condenação em relação a isso”.

Na época, conforme a assessoria, ele “prontamente prestou esclarecimentos na Comissão de Ética da Câmara Federal e teve voto pelo arquivamento já que não constava qualquer denúncia ou prova que desabonasse sua conduta pública e pessoal”.

A assessoria disse ainda que foi solicitada à PF “documentação que sustentasse as acusações e que pudesse, sobremaneira, comprometer sua reputação, e em ofício datado de 27 de agosto de 2015 foi refutada qualquer possibilidade de participação de Neri Geller nos fatos”.

Uol