STF caiu em armadilha preparada por militares
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A crise entre as Forças Armadas e o Supremo Tribunal Federal (STF), gerada pela reação do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, à interpretação de fala do ministro Luís Roberto Barroso, empurrou a cúpula dos militares para o colo de Jair Bolsonaro, em movimento que pode ser considerado como uma armadilha contra a Corte, urdida por velhos generais e executada por jovens oficiais que assessoram o presidente da República no terceiro andar do Palácio do Planalto.
É assim que o professor titular da Faculdade de História da UFRJ Francisco Teixeira, interlocutor frequente de altos integrantes das Forças Armadas, descreve a mais nova turbulência, que, em sua opinião, repõe à mesa a carta do golpe por Bolsonaro. Em sua opinião, a crise é alimentada pela conivência dos partidos do Centrão e, sobretudo, pela rejeição do Alto Comando do Exército ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas. “A candidatura dele não está pacificada na cúpula militar”, diz.
Teixeira afirma que um grupo bem preparado de cerca de dez jovens oficiais, entre tenentes, tenentes-coronéis e coronéis, tem trabalhado sob a orientação do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, no sentido de enfraquecer o STF – Poder que tem sido um obstáculo aos arroubos de autoritarismo de Bolsonaro. O contraste e a distância entre uma ala militar, mais racional e institucional, e outra ideológica, responsável pela radicalização do bolsonarismo e liderada por seguidores do escritor Olavo de Carvalho, morto há três meses, fariam menos sentido hoje.
Os militares palacianos teriam montado sua própria estrutura em torno de um “gabinete de ódio”, aponta Teixeira, que já lecionou na Escola Superior de Guerra (ESG) e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme). Especialista em militarismo há quase 30 anos, o professor costuma travar conversas com uma dúzia de ex-alunos, formada por oficiais que orientou em dissertações de mestrado e teses de doutorado.
O professor afirma que a escalada da crise ganhou nova dimensão com o perdão de pena concedido por Bolsonaro, na quinta-feira, ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado na véspera pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão. O desafio do presidente, compara, “surgiu como uma explosão”, sem a entrada em cena de bombeiros que contivessem Bolsonaro.
Pelo contrário, foi comemorado no fim de semana por dezenas de oficiais que, embora não fardados, postaram em suas redes sociais fotos ao lado de Silveira, sentenciado pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício dos Poderes constitucionais.
Para Teixeira, a graça concedida ao deputado “foi notoriamente uma coisa fabricada” pelo grupo encabeçado por Ramos e passou à revelia do ministro da Justiça e dos políticos que deveriam aconselhar o presidente. “São fabricantes de maldades do gabinete do ódio, uma meia dúzia de coronéis e tenentes que representam hoje o que há de fascismo na instituição militar. É o puro-sangue da reação”, diz o professor, lembrando que os oficiais são muito bem formados. “Fizeram curso de pós-graduação na Eceme, do Estado-Maior, e de gerência e formação de pessoal da Fundação Getulio Vargas, simultaneamente. Saem com diploma duplo, todos fizeram esse curso”.
Antes tido como um general moderado, Paulo Sérgio de Oliveira seria um exemplo da inflexão na elite dos quarteis. No fim de semana, o ministro da Defesa reagiu a uma fala em que Barroso, ao participar de seminário, disse que as Forças Armadas estão sendo orientadas a atacar e a desacreditar o processo eleitoral brasileiro. Por meio de nota, em tom virulento, Oliveira classificou a declaração como “ofensa grave” e “sem provas” à instituição. Na mesma fala, porém, Barroso havia ressaltado que as Forças Armadas não estariam seguindo tais orientações.
Teixeira compara o caso ao episódio das “cartas falsas”, durante a campanha presidencial de 1921. Na ocasião, duas cartas atribuídas ao então presidenciável Artur Bernardes, com ofensas aos militares, foram publicadas no jornal “Correio da Manhã” com o objetivo de derrubar a candidatura de Bernardes e minar o poder civil, em favor do marechal Hermes da Fonseca.
Para o professor, a nota de Paulo Sérgio de Oliveira tornou o ambiente “mais complexo”. “Porque não tem mais discussão política. Ela cedeu lugar a uma situação em que cada um pode dizer à vontade o que acha o que o outro disse. Esse é um elemento fundamental da linguagem fascista. Do mesmo modo, na Alemanha se dizia: os judeus querem extinguir a raça ariana”, aponta.
Teixeira acrescenta que tal manifestação de um ministro da Defesa em confronto com um magistrado do Supremo “é totalmente deslocada”. “Em primeiro lugar, ele está precisando fazer um curso intensivo de interpretação de texto. Em segundo, a exigência de que Barroso apresente provas é afrontosa”, diz. O professor afirma que não cabe ao ministro “apresentar provas do que não foi dito”. “Foi afirmado o contrário. E, de todo modo, se tivesse havido uma afirmação de que algum comandante militar tivesse conspirado com o presidente por um golpe, isso deveria ser exigido pela PGR, não por ele. Ele não é autoridade jurídica na República. Ele não exige nada. Está totalmente deslocado da sua função. Na verdade, a melhor função para os militares é cuidar de suas tropas no silêncio dos quartéis”, diz.
Conhecedor do humor das Forças Armadas, Teixeira já foi menos pessimista, em crises anteriores, em relação a um eventual apoio a tentativa de golpe. Mas considera que houve uma mudança, gerada pela ascensão de Lula. “Eles estão convencidos de que uma vitória de Lula não será democrática e levaria o país à derrocada, com a implantação do bolivarianismo”, diz. Para o professor, 40% dos militares pensam assim, não formam uma maioria, mas são muito militantes e com atuação em redes sociais.
A nota do ministro da Defesa, afirma, tem como pano de fundo a série de denúncias que desgastam a imagem dos militares – das compras de picanha e botox a leite condensado, viagra e prótese peniana. Para Teixeira, porém, a reação de Oliveira serviu menos para desviar o foco dos escândalos do que para pôr o STF contra a parede. “É possível que o indulto pudesse ter sido uma cortina de fumaça. Mas não a nota. É uma tentativa de isolar a Corte e surtiu efeito”, diz. Prova disso, afirma, é que se deslanchou um movimento do Centrão para que ministros do STF não reagissem ao general: “O que está acontecendo é uma trampa, uma armadilha, em meio a uma grande operação abafa. Não é a qualidade da democracia que preocupa o Centrão”.