Influenciadora evangélica muda de opinião sobre Bolsonaro
Foto: BBC
A fé evangélica é central da vida de Tatiana Gonzaga, de 20 anos, que frequenta a Assembleia de Deus, em Santíssimo, no Rio de Janeiro. A mãe dela foi missionária, o pai era pastor e a irmã lidera o grupo de jovens da igreja. Influenciadora digital com mais de 300 mil seguidores no TikTok e quase 90 mil no Instagram, ela usa as redes sociais para falar de moda, fazer vídeos de humor e também desmistificar estigmas sobre evangélicos.
“As pessoas têm essa ideia de que evangélico tem que usar coque, saia abaixo do joelho, e não é assim”, diz ela. Tatiana não se esquiva de temas polêmicos e de se posicionar publicamente sobre política. Em 2018, planejava votar em Bolsonaro, ao saber que havia um candidato que se apresentava como cristão e tinha Deus no slogan de campanha, mas mudou de ideia depois que uma professora sugeriu que pesquisasse mais sobre o então candidato à Presidência.
A jovem conta que, ao procurar mais informações sobre Bolsonaro, ficou impactada por dois vídeos em particular: um em que ele sugere que mulheres não devem ganhar o mesmo salário que homens porque engravidam e outro em que ele declarou, numa palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, que quilombolas “não servem nem para procriar”.
“Não adianta você se dizer cristão e não fazer o bem. Eu vi que ele é uma pessoa que apoia causas que eu não apoio, um tipo de homem que rebaixa uma mulher por ser mulher, que é preconceituoso com outras pessoas de outras religiões”, diz.
“Daí eu percebi que não faz sentido votar em alguém pelo simples fato de ele se dizer cristão. Ele pode se dizer cristão e não seguir os preceitos, não agir como cristão.”
Tatiana diz que na eleição de 2022 pretende votar em Lula.
“De todos os candidatos que estão aí, Lula é o que mais se aproxima dos preceitos cristãos, que tem uma preocupação com o pobre.”
“Eu procuro um candidato que queira realmente mudar o quadro que está o país, porque literalmente virou um caos. As pessoas estão comprando osso para comer em casa, é desumano. Quero uma pessoa que fique indignada, porque muitas pessoas estão sendo realmente esquecidas por serem pretas e por serem pobres.”
A BBC News Brasil entrevistou Tatiana Gonzaga e outras evangélicas com diferentes opiniões políticas para o documentário
Tatiana se enquadra no perfil majoritário de evangélicos no Brasil. É jovem, mulher e negra. Segundo pesquisa Datafolha de 2020, 58% dos evangélicos são mulheres, 59% são pretos ou pardos e mais de 60% têm entre 14 e 44 anos.
É só entrar na casa de Tatiana para perceber três coisas: a união da família, a forte presença da fé evangélica e o estímulo ao pensamento crítico. “Lá na nossa Igreja, temos um grupo jovem e a gente é bem liberal. A gente discute bastante sobre assuntos polêmicos e cada um dá a sua opinião. É claro que tem aquelas divergências, mas com respeito”, conta.
“Sobre aborto, por exemplo, eu não posso simplesmente apontar o dedo na cara de uma menina que foi abusada sexualmente, que engravidou e que quer tirar aquela criança por conta de um trauma muito grande. Não posso dizer: ‘você não vai fazer isso porque você vai pro inferno’ ou dizer que ela precisa seguir o que eu acredito. Precisamos ter em conta os direitos humanos e chegar a um consenso.”
Segundo especialistas, mulheres como Tatiana terão papel decisivo na eleição presidencial. Em 2018, quase 70% dos evangélicos votaram em Jair Bolsonaro — apoio maciço que ajudou a alimentar a ideia de que seriam um grupo quase homogêneo, que vota em bloco. Naquele ano, os evangélicos definiram o resultado, dando 11 milhões de votos a mais a Bolsonaro na disputa com o candidato do PT, Fernando Haddad.
Mas, neste ano, pesquisas de intenção de voto mostram que a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa tem provocado rachas nesse eleitorado — homens evangélicos continuam com Bolsonaro, mas as mulheres estão praticamente divididas entre os dois candidatos.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada em 11 de maio mostra que 33% apoiam Bolsonaro, enquanto 31% pretendem votar no petista. Outras 27% não querem nem Lula nem Bolsonaro.
Como muitos eleitores, Luciene Pereira, de 49 anos, chegou a depositar as esperanças na chamada terceira via, após se decepcionar com a gestão de Bolsonaro na pandemia. Moradora de Salvador e frequentadora da Assembleia de Deus, ela votou no atual presidente em 2018 e, agora, procurava uma alternativa a ele e Lula.
“Como presidente de uma nação, Bolsonaro podia usar a mídia para dar um conforto às famílias que estavam perdendo seus entes queridos. Muitas vezes, a gente se sentia abandonado, tipo solto, como se não tivesse ninguém por nós. A gente sentia como se ele estivesse legislando contra nós brasileiros, ele sendo o nosso presidente.”
Mas Luciene diz que os candidatos da chamada terceira via não apresentaram propostas convincentes. Por isso, vai repetir o voto em Bolsonaro. “O que nos prende, o que nos move, é a família. E, de uma forma ou de outra, se é verdadeiro nele ou não, Bolsonaro fala de família. Você não vê nenhum outro candidato se posicionar em relação à família, entende?.”
A preocupação em “proteger a família” é, de fato, central na fala de todas as mulheres com quem a BBC News Brasil conversou, apesar de declararem voto em candidatos diferentes. A ideia de proteção à família não está necessariamente associada a uma oposição a direitos LGBT – vai muito além da chamada pauta da moralidade. Ao serem perguntadas sobre que tipo de proteção desejam, as mulheres entrevistadas enfatizaram desejo por mais creches, melhores escolas, acesso à saúde e controle da violência.
“Saúde e violência são temas que nos preocupam muito. O Brasil tem o Sistema Único de Saúde que é modelo no mundo. O que falta é aplicar bem as políticas públicas que a gente tem, com fiscalização e ter verba para isso”, defende Luciene, que é assistente social.