Servidores denunciam assédio moral no governo Bolsonaro
Foto: Igor Rodrigues/Afipea
O servidor público concursado Vitor Sarno, 54, afirma que teve sua depressão agravada após sofrer assédio institucional. Economista, ele atuava como analista ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) até fevereiro deste ano, quando foi demitido num processo que considera injusto.
Sarno apresentou queixa em canal de servidores do Ibama e ao assediômetro, ferramenta criada em 2019 para reunir denúncias contra assédio institucional no setor público que teriam ocorrido no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Hospedada no site da Arca (Articulação Nacional das Carreiras Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), entidade sem fins lucrativos, a plataforma já reuniu 1.200 relatos anônimos até maio.
A partir desses medos, inquietações e angústias de servidores públicos de vários setores, como Sarno, uma coletânea de textos foi reunida na obra “Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado” (Eduepb), lançada no início do mês.
O livro-denúncia, como o define o prefácio, reúne artigos de servidores públicos, professores, pesquisadores, advogados, promotores, antropólogos e gestores culturais, entre outros, contando histórias de perseguição dentro de órgãos públicos.
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São 806 páginas, divididas em 20 capítulos, de textos de profissionais como os juristas Deborah Duprat e Conrado Hübner Mendes (colunista da Folha), e também de professores universitários como Gabriela Spanghero Lotta, pesquisadora de administração pública e governo da FGV (Fundação Getulio Vargas), e Carla Teixeira, antropóloga da UnB (Universidade de Brasília), entre outros.
Dois dos capítulos trazem entrevistas com servidores públicos de vários setores, na condição de anonimato, e o assédio institucional é um diagnóstico comum na maioria dos relatos, de acordo com José Celso Cardoso Jr., presidente da Afipea (Associação dos Funcionários do Ipea).
O sigilo dos nomes e do local do trabalho acontecem, afirma Cardoso, para proteger a saúde física e psicológica dos servidores. Os anônimos narraram perseguições, ameaças, demissões e processos administrativos, que teriam acontecido de forma arbitrária, em especial a partir de 2019.
“Esse assédio, assim como o moral, é um conjunto de ameaças, agressões e constrangimentos. É a deslegitimação do servidor público em processo deliberado e consciente do governo de Jair Bolsonaro”. É assim que Cardoso, um dos organizadores dos textos do livro, define a atual situação do serviço púbico no Brasil.
Não é um assédio direcionado a um ou outro funcionário público, de acordo com Cardoso, o que seria caracterizado como assédio moral. A diferença é que o institucional, afirma ele, é praticado pelos altos escalões do atual governo contra diversos servidores públicos do próprio governo.
“É um ataque contra o coletivo de servidores, contra a saúde mental deles, contra as próprias organizações públicas e contra políticas públicas importantes. É um processo de desmonte do Estado, de desconstrução da Constituição de 1988, de ataques às garantias constitucionais e aos direitos sociais”, diz Cardoso, economista e funcionário concursado do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) desde 1997.
Sarno, o ex-analista do Ibama, conta que após a mudança de governo, em 2016, o trocaram de função no início do ano seguinte. Mas o novo chefe, ele diz, não lhe conferia tarefas, “nem mesmo para tirar um xerox”, e tampouco o integrava à equipe ou o incluía em grupos de troca de mensagens do trabalho. Isso foi causando-lhe um sentimento de rejeição e sua angústia aumentou.
Na época, ele também era diretor da Asibama-DF, associação de servidores federais do meio ambiente. “Fiquei na geladeira. Pedi uma reunião para discutir meu caso, mas o coordenador nunca tinha tempo, e eu não podia reportar-me a outra pessoa da equipe.”
A depressão e o assédio institucional pioraram em 2018, segundo Sarno, e o levaram a um processo de “fuga” que resultou em atrasos e faltas no trabalho. Os dias de ausência foram descontados de seu salário e ele contraiu empréstimos para pagar as contas.
Sarno relata que nem o setor de recursos humanos nem sua chefia o encaminham para serviço de saúde ou para perícia médica. Para ter um diagnóstico, ele buscou ajuda de um especialista por conta própria em 2019, mas já era tarde.
Ele acredita que foi denunciado pelas faltas e, nos anos seguintes, passou por julgamento que considera injusto, já que afirma os laudos médicos e as testemunhas que sua defesa apresentou foram desconsiderados.
“Fui julgado duas vezes pela mesma comissão que sugeriu a minha demissão já na primeira vez. Já estavam com a decisão tomada. Pode ter sido um movimento político, sim, infelizmente. E não aconteceu somente comigo.”
Questionados sobre os relatos, o governo federal e o Ibama não se manifestaram até a publicação desta reportagem. Assim que o fizerem, o texto será atualizado.
O livro cita ainda casos de ataques a setores como a saúde, mais especificamente no SUS (Sistema Único de Saúde) e no ministério, Funai (Fundação Nacional do Índio), Casa Rui Barbosa, Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), área da cultura, CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), esses dois últimos ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), entre outros.
Outros exemplos tratados ao longo do livro incluem declarações e atos normativos que questionam a legitimidade ou finalidade de determinadas organizações públicas, tais como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e Ibama.
Cardoso afirma que isso nunca aconteceu de forma sistemática, apenas em casos isolados. “Nesse sentido é um fenômeno novo, já que esse assédio acontece em escalada contra todas as áreas de atuação governamental, com exceção dos militares, que estão preservados, protegidos e valorizados.”
Esse comportamento destoa do padrão normal de um governo para Cardoso, e passa a ser chamado de assédio institucional porque é uma forma de agir patológica.
“[Acontecem] Ameaças de golpe todos os dias, isso está longe de ser normal. Tem uma implicação grave para o país e para a própria população, que está sofrendo com a falta de serviços públicos e com a baixa qualidade deles. São problemas que não são de hoje, mas que pioraram sobretudo no começo governo Bolsonaro.”