Bolsonaristas se mobilizam para prejudicar restaurante de Paola Carosella

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Foto: Divulgação

A cozinheira Paola Carosella foi o alvo mais recente de uma rede de mobilização bolsonarista, que derrubou as avaliações do seu restaurante Arturito no Google. Com o episódio, ela se juntou a um grupo de artistas e influenciadores que, ao se posicionarem contra a agenda política do presidente, sofreram tentativas de boicote vindas de apoiadores de Jair Bolsonaro.

É o caso do ator Danilo Gentili, um dos dissidentes da onda bolsonarista, que viu o Ministério da Justiça e Segurança Pública defender a exclusão de um de seus filmes de todas as plataformas de streaming – a orientação não foi acatada e, posteriormente, a decisão foi suspensa pela Justiça.

Em março deste ano, uma cena específica da produção “Como se tornar o pior aluno da escola” chamou a atenção dos apoiadores do presidente na internet. No longa, o humorista Fábio Porchat, que interpreta o personagem Cristiano, se insinua sexualmente para estudantes menores de idade — o que tanto Gentili quanto Porchat disseram ser uma crítica.

Além do parecer do Ministério da Justiça, que foi derrubado depois, a mobilização bolsonarista motivou até projeto de lei. Parlamentares da base do presidente da República apresentaram propostas para impedir que adolescentes participem de cenas como as do filme.

Protocolado pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ), um dos textos classifica como crime a atuação de criança ou adolescente em obras que afetem “sua dignidade sexual, mesmo que de modo implícito ou simulado”.

No ano anterior, em 2021, uma consulta pública sobre a Lei Paulo Gustavo, que estabelecia ações emergenciais voltadas ao setor cultural, também mobilizou redes bolsonaristas contra a liberação de recursos.

O boicote deu certo, com mais de 116 mil votos “não”, contra 88 mil votos favoráveis ao projeto. Na época, o secretário especial de Cultura pediu aos internautas que votassem contra a lei, mensagem endossada por Eduardo Bolsonaro. Segundo o filho do presidente, a lei jogava “na lata do lixo todo esforço de probidade e auditoria da atual gestão”. A proposta foi aprovada no Congresso, mas vetada por Bolsonaro — o veto ainda será analisado pelo Congresso

Já no final do ano passado, outra onda de internautas puxou votos em aplicativos de mensagens para que Bolsonaro fosse escolhido como personalidade do ano pela revista Time. Chamado de “líder controverso” pela publicação, o presidente recebeu 9 milhões de votos. A revista disse ainda que a escolha dos leitores identifica a pessoa ou grupo mais influente do ano “para o bem ou para o mal”.

As instruções para o voto eram dadas em grupos online. “Quando aparecer a foto do Bolsonaro, clique em ‘Yes’”, dizia um eleitor no WhatsApp. O próprio Jair Bolsonaro foi a público pedir apoio: “Quem não votou, eu peço que entre no site da Time e vote. Você vota se você aprova ou não”.

Perto do Natal de 2019, foi a vez do especial do Porta dos Fundos “A primeira tentação de Cristo” virar pauta bolsonarista. Um abaixo-assinado online contra a exibição do filme passou de dois milhões e quatrocentos mil assinaturas sob a justificativa que a produção ofende a comunidade cristã por mostrar Jesus como gay.

A sátira provocou indignação dos apoiadores do presidente, que pediram a censura da produção. Na véspera do feriado, a sede da Porta dos Fundos no Rio de Janeiro foi atingida com dois coquetéis-molotov. A Justiça chegou a tirar o filme do ar, mas em novembro de 2020, o STF suspendeu a determinação em defesa da liberdade de expressão.

Segundo o pesquisador Amaro Grassi, coordenador do grupo de pesquisa Inovação para Políticas Públicas, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a temperatura do debate nas redes influencia cada vez mais a disposição dos atores políticos em enfrentar determinadas pautas.

— Polêmicas muito grandes sensibilizam os parlamentares a silenciar uma agenda política ou a apoiar aquela que tem muito engajamento, mas isso acontece não só no Congresso. Acontece também na Justiça, que mantém um radar sobre a pressão da opinião pública na internet — explicou.

Para ele, a ação coordenada nas redes com finalidade política é uma forma de desviar a atenção pública dos temas que prejudicam o governo, como o preço da gasolina e a inflação. Ao invés de falar sobre esses assuntos, o bolsonarismo mobiliza os internautas em torno de polêmicas que agrupam a base de apoio do presidente.

Grassi também explicou que esses apoiadores respondem à estratégia de um grupo menor, que testa algumas questões no campo digital.

— Alguns temas funcionam, outros não. Mesmo assim, o nível de coesão dos bolsonaristas indica que existe uma cadeia de transmissão de mensagens para os apoiadores reforçarem certas ideias. A unificação da pauta em um determinado momento transmite para a base que aquele é o assunto, e daí a base responde reforçando a pauta — afirmou Grassi.

Ou seja, de acordo com ele, explorar polêmicas com influenciadores e artistas é uma estratégia em curso para desvirtuar o debate público, ao mesmo tempo em que funciona como um canal de comunicação do presidente com seus apoiadores.

— Quando se identifica uma aversão da base a algum comportamento do Bolsonaro, a tendência é que ele recue. Por isso, nesses últimos meses, a gente vê esse vaivém dele. Quando Bolsonaro vê que uma radicalização não se sustenta institucionalmente, ele volta atrás. Mas aí a base se desmobiliza, então ele sinaliza para os seus apoiadores novamente.

O Globo