PRF se torna mais violenta sob Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Protagonista de dois episódios de violência na semana passada, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) tem recebido uma atenção especial do presidente Jair Bolsonaro e teve as suas atribuições legais ampliadas pelo governo nos últimos anos.

Na terça-feira, agentes da PRF participaram da operação na Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio, que resultou em pelo menos 25 mortos – a segunda maior chacina já registrada no Estado. No dia seguinte, em Sergipe, uma viatura da corporação foi transformada em uma câmara de gás, levando à morte Genivaldo de Jesus Santos. Toda a ação foi gravada.

Desde 2019, o governo já editou duas portarias que mudaram as atribuições da corporação, que, segundo o artigo 144 da Constituição Federal, tem como função o “patrulhamento ostensivo das rodovias federais”.

A primeira delas foi editada pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, em outubro de 2019. O texto autorizava a atuação da PRF em “em operações de natureza ostensiva, investigativa, de inteligência ou mistas”. A medida gerou reação da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) e apontou que havia invasão das competências da PF. Inicialmente, a portaria foi suspensa, mas depois acabou validada pelo plenário do STF.

Em janeiro de 2021, o então ministro da Justiça, André Mendonça, publicou uma nova portaria, revogando a anterior. O texto de Mendonça, que hoje ocupa uma cadeira no Supremo, retirou o ponto mais polêmico do texto – a autorização para a PRF conduzir investigações -, mas continuou permitindo a participação em operações conjuntas e o cumprimento de mandados de busca e apreensão.

Segundo um interlocutor de Mendonça, além da pressão de outras forças policiais, a mudança aconteceu devido ao entendimento do ministro sobre como deve ser a atuação da PRF.

Apesar das portarias, a participação de policiais rodoviários na operação na comunidade no Rio foi questionada por autoridades. O procurador da República Eduardo Benones, que coordena o Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial, defendeu na semana passada que é preciso apurar se houve desvio de função. Cabe ao Ministério Público fiscalizar a atuação do órgão.

Nos últimos anos, a PRF teve o seu orçamento engordado e tem sido tratada por Bolsonaro com prioridade nas negociações pelo reajuste dos servidores este ano. Uma das ideias analisadas pela equipe econômica é garantir a reestruturação da carreira apenas para os policiais rodoviários federais, que teriam um aumento na ordem de 20%, ante os 5% prometidos aos demais integrantes do funcionalismo público.

Uma imagem da primeira-dama Michele Bolsonaro vestindo uma farda da PRF, durante evento em março, em Brasília, tem sido citada como um exemplo da proximidade do presidente com a corporação. Para se manter próximo ao poder, a PRF também tem se oferecido para atuar na segurança de ministros do governo, uma atividade que costuma enfrentar resistência de agentes da PF.

O professor Renato Sergio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que a cúpula da PRF sempre manteve relação próxima com os governos, mas que, nos últimos anos, o contato se deslocou do Ministério da Justiça para o Planalto.

Segundo ele, essa sempre foi uma “estratégia de sobrevivência organizacional” usada pela corporação para fazer frente à força política da Polícia Federal e conseguir angariar recursos.

Lima também destaca que uma série de características costuma agradar os governantes, como ser uma polícia “uniformizada, responsável pelo patrulhamento ostensivo, possuir a capacidade de manter a ordem e ter caráter interestadual”. Para ele, a PRF “ocupa um lugar estratégico em qualquer desenho de intervenção nacional em relação à segurança”.

O professor também conta que a corporação começou a ganhar destaque no cenário nacional a partir de 2010, quando passou a ser demandada a atuar em eventos de grande porte, como a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada do Rio (2016). Nesse período, a corporação investiu em tecnologia e se tornou uma das principais referências na área de inteligência.

Outro momento importante para a PRF foi a criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), ainda no governo Michel Temer, que deu início a uma integração dos órgãos e criou o arcabouço jurídico para que o órgão pudesse começar a participar das chamadas operações integradas.

O especialista, no entanto, alerta que essa proximidade com o Planalto tem gerado resultado não só no campo político, mas também na própria estrutura da PRF. Um exemplo recente foi a exclusão da disciplina sobre direitos humanos da grade dos cursos de formação dos policiais rodoviários. Até 2018, o currículo contava com até 30 horas-aula da matéria.

A alteração levou um grupo de professores da entidade a publicar um manifesto, em maio de 2021, para defender a importância da disciplina. “Uma gestão institucional que se alicerça em critérios e fundamentos técnicos não pode abdicar da valorização da temática direitos humanos em seu curso de formação para novos policiais”, escreveram.

Casos como o de Genivaldo, aponta o professor, podem ser explicados também pela falta de preparo dos agentes, que têm apenas quatro horas de treinamento no uso de gás lacrimogêneo em cursos de formação. Ele lembra que, recentemente, dois policiais rodoviários foram mortos em abordagem mal-sucedida a um homem em situação de rua, em Fortaleza.

Procurada, a PRF não se manifestou. No sábado, em vídeo institucional, a corporação disse ver “com indignação os fatos ocorridos na cidade de Umbaúba” e não compactuar “com as medidas adotadas durante abordagem ao senhor Genivaldo”.

Valor econômico