Serra se une a Aécio e quer insistir em candidatura tucana

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Foto: Antonio Brasiliano/VEJA

Em tratamento para a doença de Parkinson e passando por alguns dias críticos e outros melhores, o senador José Serra, 80 anos, participa a alguma distância das sacudidas que vêm abalando a posição no cenário político do PSDB, partido que ajudou a fundar em 1988: brigas internas, a escolha de João Doria como candidato à Presidência e sua posterior desistência, a perspectiva de ficar de fora da disputa e até uma aventada fusão com o MDB. Otimista, Serra, pré-candidato a deputado federal, diz que ainda acha possível o consenso em torno de um correligionário na convenção partidária (sem data marcada) e, se não, considera correto o apoio a algum nome que tenha chances de ganhar. Nesta entrevista — feita, a pedido dele, por escrito, em duas etapas —, o senador discorre sobre o momento atual, equívocos do passado (como o de não ter se oposto com mais veemência ao atual governo) e o futuro — torcendo para que não se limite a um embate entre Lula e Jair Bolsonaro.

O que aconteceu para o PSDB deixar de ser considerado uma opção ao PT no cenário nacional? Vou repetir aqui o que Aécio Neves já declarou: a divulgação daquela conversa dele com Joesley Batista, em 2017, foi nociva não apenas para o deputado e sua família, mas para o partido em seu conjunto. Aécio chegou perto de ganhar a eleição de 2014 e tínhamos a expectativa de que a votação seguinte seria o momento da virada. O episódio foi um banho de água fria. Todos sofremos e, sendo muito sincero, perdemos credibilidade junto à população. O que foi uma pena, porque Aécio foi inocentado e a denúncia, arquivada.

Qual o caminho para voltar a ser relevante? Mostrar nossa capacidade de apresentar e executar boas propostas para o país. Temos sido tímidos.

O PSDB se colocou em oposição ao governo Bolsonaro, mas votou a favor dele em várias ocasiões. O senhor concorda com essa atitude? Acho que toleramos demais. Ser oposição não significa torcer pelo quanto pior melhor e sair votando contra todas as propostas do governo. Mas fazer oposição é também questionar as atitudes descabidas e desarrazoadas que o presidente toma a todo instante. Devíamos ter sido mais explícitos na nossa discordância.

Apoiar o impeachment de Dilma Rous­seff acabou sendo um tiro no pé do PSDB, já que propiciou a ascensão da extrema direita? Não acho. Depois do impeachment, o partido ajudou o presidente Michel Temer a recolocar o país nos trilhos. A extrema direita emergiu por caminhos que, à época, eram imprevisíveis.

João Doria acertou ao desistir da candidatura à Presidência pelo PSDB? Quando as condições internas demonstraram certa insegurança, ele acertou ao privilegiar o coletivo em detrimento de aspirações próprias.

Por que as condições internas desfavoreceram a candidatura dele? Avalio que entre o processo das prévias, no fim do ano passado, e o momento atual, fatos ocorreram e o desenrolar deles levou Doria a uma reflexão e tomada de decisão. Isso não é nenhum demérito, nem para o partido, nem para ele. É do jogo democrático.

O ex-governador se disse traído pelo partido. Foi mesmo? Não tenho elementos para ratificar a questão. Creio que é de foro íntimo de João Doria.

“Respeito a opinião do meu amigo Aloysio Nunes (que votará em Lula). Eu externarei minha direção quando todos os atores estiverem em cena. Mas seria pouco provável seguir o Aloysio”

Eduardo Leite perdeu as prévias e mesmo assim cogitou ser candidato. Foi um desrespeito ao PSDB? Eduardo sempre foi muito decente e confirmou essa conduta ao permanecer no partido, rejeitando inclusive convites para ser candidato por outras siglas.

Esta pode ser a primeira eleição para presidente sem candidato próprio do PSDB desde a fundação do partido. Isso representa um baque muito forte? Eu defendo que o PSDB tenha candidatura própria e que a escolha final na convenção seja em torno dos nomes mais votados nas prévias, ou o próprio Doria ou Eduardo Leite. Mas o que o partido precisa buscar acima de tudo, e reconheço que está difícil, é uma alternativa que possa romper a polarização entre Lula e Jair Bolsonaro e que tenha espaço para chegar ao segundo turno e vencer.

A tendência, hoje, é uma aliança em torno de Simone Tebet, do MDB. O senhor acha viável? Se houver um entendimento interno de que apoiar Simone é o que nos permitirá sair do duelo entre Bolsonaro e Lula com chance de nos tornar competitivos, o PSDB e a senadora terão meu apoio.

Simone Tebet é uma boa candidata? Ela é uma personagem política séria, com formação sólida. Sempre se dedicou aos cargos que ocupou, demonstrando firmeza e coerência.

Como o senhor vê uma fusão de PSDB e MDB, como tem sido ventilado? Acho irrealista e precipitado. Neste momento, devemos focar nas próximas eleições e no destino do nosso país.

Dilma deu mais motivos para sofrer impeachment do que Bolsonaro, que já foi alvo de cerca de 150 pedidos? Impeachment se concretiza quando há duas vontades: a das ruas e a política. Bolsonaro pode ter dado motivos, mas isso precisa ser avaliado com cuidado e atenção. Há erros graves que ficaram evidentes, como a condução da pandemia. Outros ainda não têm provas concretas que justifiquem um afastamento do mandato.

A suspeita mais conhecida de irregularidades dos Bolsonaro é a de uso de “fantasmas” para desviar salários. O senhor foi acusado de prática parecida em 2016. Afinal, procede? Não. E é justamente por isso que digo que deve haver investigação. A acusação contra mim é tão absurda que beira a comédia, não fosse o desgaste político muito grande.

Alguns caciques tucanos, como Aloysio Nunes, declararam voto em Lula. Fernando Henrique Cardoso pode fazer o mesmo ainda no primeiro turno. O senhor também pensa nisso? Respeito a opinião do meu amigo Aloysio Nunes. Desconheço o que FHC vai declarar. Quanto a mim, externarei minha direção quando todos os atores estiverem em cena. Mas seria pouco provável seguir o Aloysio.

Se o PT buscar seu apoio, as portas estarão fechadas? Sou político e estamos em processo eleitoral polarizado. Não fecho as portas para ninguém que queira conversar sobre manutenção do estado democrático e projetos estruturantes para o país.

Quais as semelhanças e as diferenças entre Lula e Bolsonaro? Esta não é uma resposta fácil. Não me agradam os intensos e sucessivos confrontos na política. Gostaria que a grande diferença entre eles estivesse apenas nos times para os quais torcem, Corinthians e Palmeiras.

O que achou da ida de Geraldo Alckmin para o PSB e para o posto de vice de Lula, contra quem o senhor e ele próprio já disputaram eleições? O Geraldo avaliou sua história e posição dentro do partido e resolveu deixá-lo. Ele não me consultou, não conheço as suas razões. Achei ruim sua saída. Lamento a perda por ser um quadro importante, que sempre participou do processo eleitoral pelo PSDB.

Acredita que Alckmin pode tornar Lula mais palatável para o centro? Não. Lula, quando presidente, já era palatável para o Centrão.

Rodrigo Garcia ainda vai muito mal nas pesquisas em São Paulo, com Fernando Haddad, Márcio França e Tarcísio de Freitas na frente. O risco de o PSDB perder uma eleição para o Palácio dos Bandeirantes depois de quase três décadas é grande? Pesquisa é retrato de momento. Estamos apenas iniciando a campanha. Todos os três primeiros colocados estão no teto deles e o Rodrigo tem potencial grande para subir. Ninguém conhece o estado e seus municípios como ele.

Como ex-ministro das Relações Exteriores, qual avaliação faz do governo Bolsonaro à luz da diplomacia? Nem precisa ter sido chanceler para constatar que o Brasil piorou muito sua imagem no mundo. Os desvarios do ex-ministro Ernesto Araújo deixaram marcas e, por mais que o atual, Carlos França, se esforce, não será possível consertar facilmente o que foi feito nos dois primeiros anos de governo Bolsonaro.

E na Saúde, área que o senhor também comandou, houve crime na forma como o Planalto lidou com a pandemia? Não vou discutir se houve crime propriamente dito. O que mais me chocou foi a falta de capacidade do governo de utilizar o SUS e toda sua capilaridade em prol da população. Perdemos milhares de vidas por pura incapacidade de gestão.

“A divulgação da conversa entre Aécio e Joesley Batista foi nociva não apenas para o deputado e sua família, mas para o partido. O PSDB perdeu credibilidade junto à população”

O atual momento do país é o mais grave desde que o senhor voltou do exílio, em 1977? Não acho. Nossa jovem democracia está cada vez mais sólida. O cenário econômico, ainda que seja o pior dos últimos anos, felizmente não se compara ao que encontramos na redemocratização.

Tendo enfrentado a ditadura e passado anos no exílio, como o senhor vê a presença de tantos militares no governo? As ameaças ao resultado das eleições podem acabar em golpe? As condições são muito diferentes das daquela época. O regime militar do passado ensinou muito a todos, inclusive aos membros das Forças Armadas. Após a redemocratização, sempre constatei nas três Forças o comprometimento com a Constituição. Qualquer outra elucubração destoa da realidade e beira o populismo.

Mas tantos generais em um governo que frequentemente ataca as instituições não prejudica essa leitura? Pode ser, mas não a ponto de se repetir a realidade dos anos 70. O momento histórico é outro. As instituições estão sempre atentas e reagem a qualquer tentativa de rompimento com a democracia.

Como tem sido lidar com sua doença e limitações? É mais uma passagem da minha vida, sobre a qual não tenho controle. Mas tão logo tive o diagnóstico confirmado, iniciei o tratamento e me sinto muito bem. Melhorei muito.

Vai estar na campanha eleitoral? Planejo ser ativo nela. Sou pré-candidato a deputado federal e quero ver aprovados todos os quinze projetos meus que vieram do Senado e que agora tramitam na Câmara.

Aos 80 anos, olhando para trás, quais considera seus maiores erros e acertos? Maior acerto: ser torcedor do Palmeiras. Maior erro, resultado dos inúmeros compromissos: não ter ido mais vezes aos jogos do Verdão.

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