União Brasil lança Bivar para não aderir a ninguém
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
“Nossa ideia é ser um partido startup, com uma mudança de dentro para fora. Vamos lançar uma plataforma digital para os filiados se envolverem com as ações e eles terão direito de sair candidatos de acordo com a performance”, disse em julho de 2017 o advogado pernambucano Antônio de Rueda, à época presidente do nanico PSL.
Mal sabia Rueda que, poucos meses depois, a mudança viria de fora para dentro. A filiação do então deputado Jair Bolsonaro, em março de 2018, foi o marco que transformou o partido no primeiro “unicórnio” da política brasileira. No mundo da inovação, unicórnios são startups que superam US$ 1 bilhão em valor de mercado.
Numa analogia com a política nacional, o União Brasil, legenda que resultou da fusão entre PSL e DEM, receberá neste ano mais de R$ 1 bilhão dos fundos eleitoral e partidário, equivalente a 15% de tudo que será distribuído aos partidos.
O personagem por trás dessas cifras é o também pernambucano Luciano Caldas Bivar. Empresário, cartola, escritor, dirigente partidário e deputado federal, ele anunciou na semana passada sua segunda candidatura à Presidência da República. Aos 77 anos, acumula longa estrada na política, sempre tratada por ele com a mesma desenvoltura e senso de oportunidade dispensados ao mundo do futebol e dos negócios.
Bivar foi jogador de tênis no Sport Club do Recife, onde sua família ainda tem grande influência. Seguiu os passos do pai, Milton, e participou da política do clube – exerceu seis mandatos de presidente. O deputado é responsabilizado até hoje pelos fãs do rubro-negro por um rebaixamento e a perda de um inédito hexacampeonato, em 2001.
No mesmo período, pagou a um lobista para que um jogador do Sport fosse convocado para a Seleção Brasileira. Diante da polêmica causada pela confissão, feita com anos de atraso, Bivar disse com naturalidade: “Todo mundo faz isso”.
Até o casamento com Bolsonaro, a política partidária parecia relegada a segundo plano na vida do empresário, que fez fortuna no ramo de seguros, mas que também foi dono de uma transportadora e de casas noturnas em São Paulo, Buenos Aires e Recife, entre outros negócios. “Sou empreendedor por natureza”, disse à “ Folha de S.Paulo” em 1995, na abertura de uma boate.
Foi nesse mesmo período que ele deu duas de suas principais tacadas. Ainda em 1995, participou da fundação do PSL e, no ano seguinte, comprou a Excelsior Seguros por cerca de US$ 100 milhões. Com o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, a inflação, que atingira quase 3.000%, os índices de preços tiveram queda brusca e dezenas de bancos começaram a ter problemas de caixa em decorrência da redução do chamado “imposto inflacionário” – durante a hiperinflação, os bancos, além do Banco Central, ganhavam fortunas com a permanente e acentuada desvalorização da moeda em poder do público.
Bivar viu a oportunidade de ingressar no setor financeiro ao antever que bancos tradicionais do Nordeste, como o Mercantil de Pernambuco, o Banorte e o Econômico, entrariam em dificuldades já nos primeiros meses do Real. Assim, ampliou a atuação do Excelsior, cuja sede foi transferida do Rio para Recife.
Apesar do sucesso nos negócios, Bivar não costuma ser associado às virtudes atribuídas a fundadores de startups. Em vez de “focado” ou “obstinado”, é lembrado por outras características – uma pessoa de “bom trato”, “pragmática”, “excêntrica”, com grande senso de oportunidade e, sobretudo, um “bon vivant”. Passeia de iate nas praias do litoral sul de Pernambuco e passa temporadas em Miami.
Fotógrafos que já o retrataram em momentos de lazer contam que, vez ou outra, Bivar dirige-se aos interlocutores com jargões em inglês, como “thanks” ou “all right”. Normalmente, entretanto, é refratário ao contato com jornalistas e raramente responde a pedidos de entrevista.
“Ele dá muita liberdade a quem trabalha para tomar decisões. Delega e demonstra confiança”, resume Sérgio Bivar, o filho mais velho, que deixou o PSL por discordar da filiação de Bolsonaro e que levou com ele o grupo que estava promovendo o relançamento partido (a startup), que seria rebatizado de “Livres”.
Bivar foi batizado no mundo político no seu casamento, em 1973, quando teve entre os padrinhos o futuro vice-presidente da República Marco Maciel – à época deputado federal -, morto ano passado. Filiado ao PL, tentou sem sucesso candidaturas a vice-prefeito de Jaboatão dos Guararapes (1988), a prefeito do Recife (1992) e a senador (1994).
Mais de uma pessoa, entre as quais um deputado pernambucano, garante que muitas dessas candidaturas tinham objetivos alheios à vitória nas urnas. Atendiam, indiretamente, a outros interesses do empresário.
A atual candidatura ao Palácio do Planalto se enquadra na lógica que permeia a atuação política de Bivar ao longo dos anos. “Parte do União Brasil quer apoiar Bolsonaro, outra parte acena para conciliação com Lula mais à frente. Justamente para não se envolver no pleito, Bivar é candidato”, diz um deputado pernambucano. Desta maneira, ele mantém uma neutralidade que permite arranjos a partir da operação do fundo eleitoral bilionário.
Após a derrota de 1994, Bivar engrossou uma debandada do PL, que já começava a ser controlado por Valdemar Costa Neto. Em um anúncio pago na “Folha de S.Paulo”, intitulado “PL – partido ou farsa”, acusa o comando da legenda de fazer barganha no governo e um “domínio oportunista”.
A primeira vitória nas urnas veio na eleição seguinte, em 1998, quando chegou à Câmara dos Deputados e teve o primeiro contato com Bolsonaro. Apagado, o primeiro mandato foi marcado pela apresentação de uma PEC que propunha o estabelecimento da pena de morte no Brasil.
Bivar não tentou a reeleição e ressurgiu em 2006 como candidato à Presidência da República. Ficou em último lugar, com 0,06% dos votos. O carro-chefe da campanha era a criação de um imposto único, pauta que segue defendendo, ao lado do ex-secretário da Receita Federal de Bolsonaro Marcos Cintra. “Ele manteve o PSL atuante e funcionando mesmo em momentos dificílimos. Amargou uma carência muito grande de estrutura política e conseguiu sustentar o partido”, relembra Cintra.
Quando o cavalo de Bolsonaro passou selado, Bivar não titubeou em rifar o projeto do “Livres” para receber o capitão. “Ele viu potencial eleitoral diante da polarização. Dizia na época que Bolsonaro era o único a enxergar que havia uma insatisfação popular”, completa Cintra, que acabou demitido por Bolsonaro.
Bivar topou dividir o comando do partido com Bolsonaro, com a condição de que retomasse as rédeas após a eleição. A nova legenda tem suas raízes no rompimento com Bolsonaro, surgido após Bivar reivindicar a retomada do PSL, turbinado com 52 deputados federais.
Por trás da estratégia política de Bivar está Rueda – atual presidente interino do União Brasil. Responsável pelas articulações de bastidores, o advogado estreitou os laços com o presidenciável quando integrava a área jurídica do Sport Recife. Rueda é apontado como o responsável por promover Bivar a outro patamar da política nacional. A entrada de Bolsonaro no PSL, por exemplo, só saiu após articulação de Rueda com o deputado bolsonarista Fernando Francischini, pivô da última polêmica entre o presidente e o Judiciário. Procurado, Rueda não retornou.
Durante a negociação da fusão com o PSL, caciques do DEM como ACM Neto, Mendonça Filho, Davi Alcolumbre e Ronaldo Caiado imaginavam que conseguiriam assumir as rédeas do novo partido em pouco tempo. Mas a articulação de Bivar, que povoou o diretório nacional com parentes, ex-funcionários do Sport e funcionários de suas empresas, transferiu o poder interno para “anônimos” da política nacional.
O cofre da legenda está sob a tutela da advogada Maria Emília de Rueda, irmã de Rueda. Cristiano Bivar, um dos filhos, é um dos 12 vice-presidentes do partido – apesar de ser músico e não demonstrar interesse em política. Procurado, Luciano Bivar não se manifestou.