Proposta eleitoreira de Bolosonaro pode criar crise fiscal
Foto: Leo Pinheiro/Valor
A proposta do governo federal de reduzir PIS, Cofins e Cide sobre gasolina e etanol até 31 de dezembro deste ano, com compensação a Estados que zerarem tributação de ICMS sobre gás de cozinha e diesel no mesmo prazo, deve trazer impacto mínimo de 0,25% do PIB nos gastos do governo federal, considerando apenas os R$ 25 bilhões estimados em ressarcimento aos Estados por seis meses e sem incluir, portanto, efeito das renúncias fiscais envolvidas.
A nova proposta do governo federal para conter a inflação nos combustíveis pode inverter a trajetória de queda de gastos da União iniciada com a adoção do teto, traz alto custo fiscal e é considerada “improvisada” e um “estelionato eleitoral” por economistas.
Marcos Mendes, pesquisador do Insper e especialista em contas públicas, lembra que a proposta anunciada pelo governo federal na segunda-feira está integralmente condicionada à pré-aprovação do PLP 18/2022, que considera combustíveis, telecomunicações e energia elétrica como essenciais e reduz, de forma permanente, o ICMS desses setores para a alíquota padrão de cada Estado, de 17% ou 18%. Após aprovação na Câmara dos Deputados, o PLP 18 aguarda votação no Senado.
Caso aprovado o PLP 18, com a nova proposta anunciada ontem pelo governo federal, portanto, os Estados poderiam reduzir o ICMS especificamente sobre óleo diesel e gás de cozinha de 17% ou 18% para zero.
Nesse caso, os Estados que aderirem à proposta divulgada ontem ficariam com a tributação zerada do ICMS sobre esses dois derivados de petróleo de forma temporária, até o fim deste ano. O governo federal propõe o ressarcimento da perda de receitas especificamente para essa redução de ICMS de 17% (ou 18%) para zero em gás de cozinha e diesel.
Considerando somente os R$ 25 bilhões estimados em ressarcimento aos governos estaduais nessa perda de arrecadação com ICMS sobre óleo diesel e gás de cozinha, diz Mendes, o impacto na despesa primária é o equivalente a 0,25% do PIB. “O gasto vai para a casa dos 18,8% do PIB [considerando precatórios não pagos], invertendo a trajetória de queda iniciada com a adoção do teto”, aponta.
Caso o pacote todo seja aprovado, diz Mendes, abre-se também espaço para mais flexibilização na negociação da PEC que, segundo o que o governo federal propõe, deve discutir o ressarcimento aos Estados. As perdas com ICMS afetam recursos para a educação e saúde, diz Mendes, e haverá resistência dessas bancadas.
Ontem, destaca Mendes, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aparentemente já abriu brecha para essa discussão ao mencionar compensação também para os Estados que ficarem abaixo do “limite da essencialidade”. Nesse caso, diz Mendes, os Estados que ficarem abaixo dos 17% ou 18% estabelecidos no PLP 18.
O presidente Jair Bolsonaro, porém, lembra Mendes, mencionou apenas compensação para os Estados que zerarem o ICMS em gás de cozinha e diesel. Para o ex-assessor especial do antigo Ministério da Fazenda, a proposta foi feita e anunciada de forma “improvisada” e indica alto custo fiscal para um impacto apenas temporário e artificial na inflação.
Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), diz que a proposta divulgada ontem é “claramente um estelionato eleitoral”, com medidas que podem segurar parte da inflação apenas até o fim do ano, com volta de alta de preços em 2023. “Parece o Plano Cruzado”, lembra-se ele, referindo-se ao pacote econômico do governo José Sarney que, em 1986, ano em que aconteceram eleições gerais para governadores, senadores e deputados. O plano tinha como objetivo “inflação zero”, com congelamento de preços. As medidas do pacote de Sarney seguraram preços no decorrer de 1986, até as eleições, mas no ano seguinte a inflação voltou, recorda Appy.
As medidas divulgadas ontem por Bolsonaro têm efeito semelhante, diz Appy. “No fundo é isso que se está propondo. Vão segurar preços até dezembro deste ano e jogar um problemaço para o ano que vem, claramente com fins eleitoreiros, provavelmente inviabilizando a estratégia do Banco Central de cumprir a meta de inflação em 2023.”
A proposta anunciada ontem, aponta Appy, é uma forma de o governo federal pressionar o Senado para a aprovação do PLP 18. O grosso da conta ficará para os Estados, destaca ele, já que são os governos estaduais que sofrerão, em razão do PLP 18, a perda permanente e maior que a perda temporária do governo federal com o PIS e a Cofins.
Outro problema da medida anunciada ontem, diz o ex-secretário de política econômica, é que a redução de preços temporária pode no curto prazo estimular consumo, elevando o risco de desabastecimento e racionamento no óleo diesel.
O PLP 18, aponta Mendes, deve trazer R$ 84 bilhões de impacto anual aos Estados e, como se trata de uma mudança permanente, diz, irá afetar a situação fiscal dos Estados para o futuro, quando a arrecadação de ICMS não estará mais sob os efeitos atualmente mais favoráveis da alta dos preços de commodities.
As medidas, diz ele, podem contratar um desequilíbrio fiscal nos Estados com risco de a discussão sobre a compensação financeira prometida pelo governo federal gerar nova judicialização, de forma muito parecida com o que se vê em relação à Lei Kandir, pela qual a União passou a ressarcir os Estados pela perda da desoneração de ICMS sobre exportações. O cenário todo, diz Mendes, traz maior incerteza fiscal.
Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, destaca que as renúncias fiscais têm efeito grande nas receitas, mas têm efeito multiplicador relativamente baixo em termos de impacto de preços. A redução tende a não chegar na ponta, no preço ao consumidor, no mesmo nível, diz Barros. Isso, diz ele, já está acontecendo com o IPI e com o Imposto de importação, também reduzidos recentemente como medidas de combate à inflação e à redução de custos para a indústria.
Para Barros, a redução do ICMS sobre o diesel poderia até ser feita de forma emergencial, em razão da escalada atual de preços dos combustíveis, mas não zerando a alíquota de ICMS sobre o produto. Já a uniformização de alíquotas do ICMS e a rediscussão do imposto de forma mais permanente, diz ele, precisa ser debatida, mas de forma ampla, no âmbito de uma reforma tributária e fora do período eleitoral.