Esquerda lulista conseguiu consenso sobre programa de governo
Foto: Rodrigo Francisco/divulgação
A minuta do plano de governo que a chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB) vai lançar oficialmente na próxima terça-feira, em São Paulo, já está nas mãos dos dois pré-candidatos. Aprovado por unanimidade, nesta semana, pelos sete partidos que formam a coligação de apoio ao ex-presidente, o documento é fruto de um raro consenso entre legendas de esquerda, que flexibilizaram pontos de vista, sem abdicar de bandeiras históricas. E reforça o papel moderador do PSB nos debates internos da coligação.
Temas mais polêmicos ficaram fora, como a legalização do aborto; outros, considerados inexequíveis, como a proposta de desmatamento zero na Amazônia, foram abrandados. A questão ambiental, porém, foi a que mais recebeu contribuições.
Para quem participou da elaboração do plano — que servirá de base ao programa oficial a ser registrado pela chapa na Justiça Eleitoral —, o resultado reflete a disposição dos partidos aliados de superar divergências político-ideológicas em nome do objetivo comum.
“Se Bolsonaro tem algum mérito — o único —, é o de ter juntado as oposições para vencê-lo em outubro”, disse ao Correio Alexandre Navarro, vice-presidente da Fundação João Mangabeira, ligada ao PSB, e um dos representantes de Alckmin nos debates internos de elaboração do plano.
Acostumado com o papel de protagonista em suas relações históricas com aliados, o PT, desta vez, não foi o dono da palavra final. Ao contrário, a legenda iniciou os trabalhos. A Fundação Perseu Abramo (ligada ao partido) elaborou o texto-base das discussões. A partir daí, foram apresentadas 124 emendas, e a maioria acabou acatada em parte ou integralmente.
Ao PSB, a segunda legenda mais importante da base, coube o papel de zelar para que o conteúdo do documento mirasse mais o centro do espectro político e menos os interesses das alas mais à esquerda da aliança. “O PT é mais visceral; o PSB, mais pragmático, mas nós nem nos preocupamos muito com isso. Queríamos e buscamos o resultado, sem preponderância de nenhum partido”, explicou Navarro.
A opinião é compartilhada pela deputada federal Maria do Rosário (RS), representante do PT no grupo. “A presença do PSB, a candidatura do Geraldo Alckmin a vice-presidente, agrega o diálogo com esses segmentos. Está sendo muito importante. Eu, que sempre fui da ala mais à esquerda do PT, defendi o nome dele, defendi que a gente aceitasse essa aliança”, disse ao Correio.
O debate sobre a nova legislação trabalhista foi emblemático. O texto original proposto pelo PT defendia a “revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer e a construção de uma nova legislação trabalhista”. Essa era, também, uma bandeira eleitoral do PSol. Solidariedade e PSB, porém, defendiam o aprimoramento da lei, principalmente em relação às regras de proteção aos novos modelos de trabalho advindos da revolução da tecnologia digital, como a regulamentação dos contratos intermitentes e do trabalho em home office.
A saída foi buscar ajuda das centrais sindicais (em especial, CUT e Força), que elaboraram a proposta intermediária de “revisão”, aceita por todos, inclusive por Lula. Na terça-feira, em entrevista à Rádio Vitoriosa, de Uberlândia (MG), ele declarou ser necessária “uma revisão na reforma trabalhista e da Previdência”.
O programa terá várias contribuições do PSB, principalmente nas áreas de economia criativa e sustentabilidade, ciência e tecnologia, inovação e acessibilidade. A pedido de Alckmin, o programa de governo incluirá estímulos à competitividade tanto no setor público quanto na iniciativa privada. O pré-candidato também emplacou a proposta de fazer dos restaurantes populares uma política pública de âmbito nacional.
A diretriz de “valorização da atividade policial” foi outra contribuição da legenda, preocupada em reestabelecer o diálogo com as categorias policiais. A proposta veio acompanhada do compromisso de “implementar e aprimorar o Sistema Único de Segurança Pública, modernizando estratégias, instrumentos e mecanismos de governança e gestão”.
Em outro trecho do documento aprovado, as siglas definiram que “as políticas de segurança pública contemplarão ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres, juventude negra e população LGBTQIA “.
“Atrito aqui e acolá sempre haverá, é natural. Mas, para surpresa de todos, foi tudo muito tranquilo”, disse Navarro, satisfeito com o resultado alcançado.
“As reuniões têm sido muito harmoniosas, por mais que tenhamos atores mais centristas e setores mais à esquerda construindo o programa. Em poucas questões tivemos diferenças mais pronunciadas. A situação do país está tão grave que nós não temos o direito de procurar o dissenso”, comentou Maria do Rosário.
A questão ambiental foi um dos temas que mais receberam contribuições para o plano de governo da chapa Lula-Alckmin. Os sete partidos da coligação (PT-PSB-PV-PCdoB-Rede-Solidariedade-PSol) concordaram que os problemas nessa área são muito graves e que o documento deveria contemplar medidas de aplicação imediata. Por isso, incluíram a promessa de criar a Força Nacional Ambiental e adotar políticas de fortalecimento dos órgãos responsáveis pela fiscalização e controle de áreas de proteção e populações tradicionais, como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Funai (Fundação Nacional do Índio) e Fundação Palmares.
“O ataque ao desmatamento, à mineração, às ilegalidades tem de ser imediato, logo no início do governo. E as instituições devem voltar a cumprir com urgência suas funções de fiscalização”, apontou Alexandre Navarro, vice-presidente da Fundação João Mangabeira, ligada ao PSB. Ele afirmou que a proposta também inclui estímulos aos municípios que mais desmatam para que possam estancar a destruição.
Com o objetivo de combater a destruição da Floresta Amazônica, PSol e Rede defendiam a adoção da meta de desmatamento zero, considerada inexequível pelos partidos parceiros. Na última hora, para vencer o impasse, o grupo negociou uma solução alternativa: criou o conceito de “desmatamento líquido zero”, uma equação em que a meta a ser atingida subtrai as áreas de reflorestamento do total da área desmatada.
O PSB encontrou apoio para incluir no debate o mecanismo de compensação ambiental, nos moldes da legislação já adotada há anos no Distrito Federal. Na capital do país, se um empreendimento propuser a supressão de alguma área de vegetação, precisará compensar o desmate replantando até sete vezes mais árvores em áreas degradadas ou sensíveis, sob orientação dos órgãos de fiscalização locais. A ideia é ampliar esse conceito para a política ambiental nacional