“Faria Lima” teme Lula por teto de gastos e reforma trabalhista
Foto: Silvia Zamboni/Valor
Empresários e gestores da Faria Lima veem com preocupação a nova versão das diretrizes do programa de governo do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva divulgada ontem. O novo texto mantém a revogação do teto de gastos, ponto considerado sensível para o setor privado, e propõe discutir uma nova legislação trabalhista. Para o empresariado, o programa de Lula não traz discussões concretas sobre como seria a reforma tributária e o fortalecimento da indústria.
“No geral, acho que o programa econômico está com a mesma formulação do passado. O Brasil e o mundo mudaram. O ativismo dos bancos públicos, por exemplo, é um modelo que não deu certo”, diz Pedro Passos, acionista da Natura, que é apoiador da pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Segundo o empresário, há pontos positivos do plano – ele destaca o compromisso social e com a democracia e o meio ambiente. Passos ressalta, contudo, que a pauta ambiental deveria ter sido melhor explorada nessa revisão do texto e ter metas mais claras.
Outro ponto de alerta observado pelo setor privado é a indicação de uma nova legislação trabalhista e revogação do teto dos gastos. “É um retrocesso em conquistas da sociedade brasileira, como a estabilidade fiscal e monetária. É um convite para retomar o desastre econômico da era Dilma [Rousseff, ex-presidente]”, diz Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco de investimento BR Partners.
Bernardo Parnes, sócio-fundador da assessoria financeira Investment One Partners, vê como um “péssimo sinal para o mercado” a revogação do teto de gastos. Para Pedro Passos, é preciso que o pré-candidato do PT sinalize uma âncora fiscal mais clara. “Os pontos que tratam da reforma tributária são muito superficiais.”
Ex-presidente do Deutsche Bank para América Latina, Parnes também participou ativamente da privatização da mineradora Vale nos anos 1990 e vê com atenção os pontos nos quais o partido se opõe à privatização de empresas estatais, como a Petrobras e Eletrobras. “A Vale, assim como a Embraer, tem ‘golden share’ [dá poder de veto ao acionista]”, observa o executivo.
Ele observa, contudo, que o PT está mais flexível no discurso em relação ao seu último programa. Nos itens que tratam sobre a privatização, o pré-candidato do PT afirma que “se opõe” ao movimento. “Mas se opor dá margens à discussão e abrir para diálogo”, afirma o executivo.
Para os empresários e gestores da Faria Lima, a eventual gestão do ex-presidente não é vista como temerária. Para eles, Lula não precisa fazer uma nova carta ao povo brasileiro, como fez em 2002. O setor privado teme medidas intervencionistas na política de preços da Petrobras. No programa divulgado ontem, a chapa de Lula e Geraldo Alckmin (PSB) diz que a Petrobras terá um papel estratégico na exploração.
A política de preços da estatal tem sido alvo de críticas do governo Jair Bolsonaro e do Planalto. Para Passos, seria um retrocesso subsidiar combustíveis fósseis, mas ele defende, neste momento de crise, uma atenuação das cotações do combustível.
Os itens que tratam da reindustrialização também são vistos com cautela. Para Cleiton de Castro Marques, presidente da Biolab, uma das maiores farmacêuticas nacionais, é preciso deixar claro quais setores serão estratégicos para o governo. “Está mais do que claro a importância do setor farmacêutico para o país. No entanto, é preciso definir se esse setor [saúde] poderá ser mais competitivo em relação a outros países”, pontua o empresário.
De acordo com Marques, a Índia e a China são exemplos de países que fortaleceram suas indústrias farmacêuticas, deixando o Brasil para trás. “É preciso discutir quais os setores que são importantes para o país ou não, debater isenção fiscal e criar incentivos que possam estimular a produção nacional.”
Para Passos, da Natura, contudo, é preciso ter atenção em relação ao programa de reindustrialização. “Vale lembrar que indução setorial não funcionou. O mais importante é investir no fortalecimento das instituições.”