STF reduz drasticamente ações contra políticos

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Foto: Marcelo Cascal Jr./Agência Brasil

Quatro anos depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) restringir os casos de autoridades que devem ser julgados pela Corte, o chamado foro privilegiado, o número de ações e inquéritos nas gavetas dos ministros caiu 80%. No início de 2018, antes da decisão, eram 527 processos que ainda precisavam ser analisados, enquanto atualmente esse acervo é de 89, segundo um levantamento elaborado pelo tribunal a que o GLOBO teve acesso.

A queda significativa se deu porque, desde então, a Corte passou a julgar somente casos muito específicos de agentes públicos — como deputados, senadores e ministros de Estado. Para ser enviado ao STF, o processo precisa estar relacionado a um fato ocorrido durante o exercício do cargo atual e às funções desempenhadas. Ou seja, se um parlamentar é acusado hoje de algum crime cometido durante o período em que ainda não havia sido eleito, não caberá ao tribunal analisar, mas sim um magistrado de instância inferior.

A decisão foi tomada em maio de 2018, na análise de uma questão de ordem proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso. O processo envolvia um ex-deputado federal, que foi denunciado pelo Ministério Público por suposta compra de votos nas eleições municipais de 2008, quando foi eleito prefeito. Na ocasião, um dos principais argumentos usados para limitar esses tipos de julgamentos foi, justamente, que os casos acabavam sobrecarregando a Corte.

Antes desse julgamento, tramitavam no STF 432 inquéritos e 95 ações penais. Em agosto de 2018, três meses após a decisão, os números caíram para 255 e 58, respectivamente, uma queda imediata de aproximadamente 40%. Desde então, o total foi reduzindo ano a ano. Atualmente, são 68 inquéritos e 21 ações penais na Corte.

A redução teve reflexos no acervo total do Supremo, que inclui todos os tipos de processos que chegam à Corte. Segundo relatório de atividades do tribunal, antes da restrição de foro, em 2017, eram 45.425 processos em andamento, e atualmente há 20.196, uma queda de 55%.

Com isso, também diminuiu a quantidade de decisões nas ações penais e inquéritos. Nesses dados, as decisões englobam tanto o julgamento dos casos quanto despachos monocráticos, referindo-se a condenações, absolvições, arquivamentos e envios para outras instâncias. No ano de 2019, por exemplo, foram 91 decisões em ações penais e 230 em inquéritos. Em 2021, foram 41 e 105, respectivamente.

Estudiosos sobre o Supremo entendem que a tese da restrição do foro privilegiado de fato funcionou para o que ela se propunha, um esforço de racionalizar a atividade do tribunal.

— A profusão de ações penais mostra um grau de delinquência política muito acima do esperado quando essa competência foi projetada para o Supremo. E esse ajuste na tese tinha o caminho de deixar com o STF de fato a análise dos crimes que têm uma natureza política, o uso da condição parlamentar, e não o parlamentar criminoso —, aponta Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV Direito-SP e especialista em STF.

Pesquisadores observam, no entanto, que a redução do número de inquéritos e ações penais tramitando no Supremo não se deve exclusivamente à restrição adotada pela Corte. Há, por exemplo, a possibilidade de que houve redução no número de pedidos de investigações contra políticos por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras.

— Apesar de todo o estardalhaço que o governo faz em relação à Polícia Federal, a verdade é que o número de operações relativas à corrupção e lavagem de dinheiro reduziu de maneira muito significativa, e essa é outra razão pela qual o número de processos diminuiu —, diz Celso Vilardi, advogado e professor da FGV-SP.

Glezer observa que é preciso atentar para o destino dos casos que deixaram de correr no Supremo para tramitar em outras instâncias, para saber o desfecho desses processos.

— O que a gente perde um pouco nesse processo é a transparência dos dados. Mas esse é um custo razoável e que pode ser consertado — lembra.

O GLOBO solicitou o número de processos encaminhados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF, mas não obteve resposta.

O Globo