Presidente do Congresso critica mentiras de Bolsonaro a embaixadores
Foto: TSE
Os presidentes do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, reagiram imediatamente aos ataques proferidos pelo presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, durante reunião no Palácio da Alvorada com cerca de 70 embaixadores e representantes de nações estrangeiras.
“O Congresso Nacional, cuja composição foi eleita pelo atual e moderno sistema eleitoral, tem obrigação de afirmar à população que as urnas eletrônicas darão ao país o resultado fiel da vontade do povo, seja qual for”, disse Pacheco. “A Justiça Eleitoral está preparada e realizará eleições de forma limpa, transparente e auditável. Há um inaceitável negacionismo eleitoral por parte de personalidade pública importante em um país democrático”, afirmou Fachin, sem citar nominalmente Bolsonaro.
O Palácio do Planalto não informou quantos e quais embaixadores foram convidados. Em uma fala de cerca de 50 minutos, o presidente repetiu alegações falsas contra as urnas eletrônicas, insinuações de fraude em votações anteriores, colocou em dúvida a lisura das eleições e acusou os ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF) de conspirar pela vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de outubro.
Bolsonaro mais uma vez replicou argumentos que já vem utilizando há meses em suas “lives” nas redes sociais e em eventos Brasil afora. Mas, como tem sido regra, não apresentou provas.
O encontro, além ter ocorrido na residência oficial, teve transmissão ao vivo da TV Brasil, pública. Por ordem de Bolsonaro, só puderam acompanhar o evento veículos que se comprometessem a transmiti-lo em tempo real. A maior parte da imprensa foi barrada do lado de fora do Alvorada. Cerca de 90 minutos após o fim da reunião, Pacheco usou o Twitter para defender “a segurança das urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral”.
Ele defendeu ainda que os integrantes do Congresso Nacional têm “obrigação” de defender o sistema de votação pelo qual foram eleitos. Até o fechamento desta edição, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, não havia se pronunciado.
O ministro Fachin, por sua vez, rebateu Bolsonaro ao falar, minutos após a reunião no Alvorada, em um evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná.
O presidente do TSE classificou como “grave” a postura de Bolsonaro, que é candidato à reeleição e está atrás nas pesquisas eleitorais. “É muito grave a acusação de fraude e de má-fé a uma instituição, mais uma vez, sem prova alguma. Precisamos nos unir e não aceitar a razão de tanto ataque institucional e ataques pessoais.”
Fachin disse que “mais grave ainda é envolver a política internacional e os militares nessa contaminação”. E voltou a defender que as Forças Armadas são um órgão do Estado, e não de um governo. “É hora de dizer basta à desinformação e ao populismo autoritário que coloca em xeque a conquista da Constituição de 1988.”
Ele alertou ainda contra “sinais que atentam contra a independência dos Poderes e procuram abolir com violência física, simbólica ou verbal a pluralidade, a tolerância e a liberdade”.
Para ele, as falas de Bolsonaro “são mentiras, simples assim, ditas de modo nítido”. E “o objetivo é sequestrar a própria opinião pública e a estabilidade política, em meio a um debate desvirtuado e um clima comunicativo adoecido”.
“Vivemos um tempo intrincado, marcado pela naturalização do abuso da linguagem e pela falta de compromisso cívico, em que se deturpam, sistematicamente, fatos consolidados, semeando a antidemocracia, pretensamente justificada por um estado de coisas inventado, ancorado em pseudorrepresentações de elementos que afrontam, a toda evidência, a seriedade do sistema de justiça e a alta integridade dos pleitos nacionais.”
O TSE, por sua vez, rebateu em tempo real as acusações de Bolsonaro. Enquanto o presidente falava no Alvorada, a assessoria da corte enviava à imprensa respostas às “alegações” do presidente. Foram 20 tópicos, ao todo.
No Alvorada, Bolsonaro repetiu que o sistema eleitoral brasileiro “é vulnerável”. E afirmou que está tentando “antecipar um problema”, referindo-se a supostas fraudes nas eleições de outubro. Também voltou a atacar os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, além de Fachin.
Bolsonaro citou ainda uma investigação inconclusiva da Polícia Federal sobre um hacker que teria invadido o sistema eleitoral em 2018. E criticou Moraes por ter aberto um inquérito por vazamento de dados sigilosos, após uma “live” em que o presidente contestou o sistema eleitoral.
O TSE já reiterou, mais de uma vez, que este ataque hacker “não representou nenhum risco à integridade das eleições de 2018”. A corte eleitoral também rebateu a fala de Bolsonaro de que o hacker teria tido acesso a informações da Justiça Eleitoral, poderia excluir nomes de candidatos e que “logs” foram apagados. E apontou que a corregedoria da PF disse que o inquérito estava sob sigilo “pelo fato de ainda estar aberto”. Nos bastidores, integrantes do Ministério Público Eleitoral (MPE) compararam o ato de Bolsonaro ao caso do ex-deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), que acabou cassado pelo TSE por atacar as urnas eletrônicas em “live” transmitida no dia do primeiro turno das eleições de 2018. A decisão foi posteriormente confirmada pelo STF.
O MPE ainda estuda a possibilidade de ajuizar ação contra Bolsonaro pelo episódio de ontem. A dúvida é se os ataques ensejam um novo processo judicial ou se os fatos já estão no escopo do inquérito administrativo que tramita na Corregedoria-Geral Eleitoral desde o ano passado.
Segundo fontes do órgão, pelo menos dois artigos teriam sido desrespeitados pelo presidente. Um deles prevê que fatos sabidamente inverídicos sobre os processos de votação, apuração e totalização de votos estão sujeitos a responsabilização – tanto na esfera penal, quanto na eleitoral, por meio de ações de abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.
Outro ponto da resolução considera “propaganda antecipada passível de multa” qualquer manifestação de conteúdo eleitoral feita por meios proibidos durante a campanha, o que inclui a transmissão dos ataques em uma rede pública de televisão.