‘Bondades’ de Bolsonaro fazem Lula bombar
Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo
Uma das apostas do presidente Jair Bolsonaro (PL) para ganhar fôlego na corrida presidencial e reduzir a diferença nas pesquisas em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o possível impacto eleitoral do aumento do Auxílio Brasil, que passa a pagar um benefício de R$ 600 a partir de terça-feira, divide a opinião de analistas. O GLOBO ouviu dois cientistas políticos com visões diferentes sobre o tema para reunir os argumentos de cada posicionamento. Como mostrou O GLOBO nesta sexta-feira, o tema já é foco de preocupação para os principais pré-candidatos ao Planalto.
De um lado, o cálculo é que, embora o auxílio turbinado possa melhorar a avaliação do governo Bolsonaro e ampliar seus votos, não haveria tempo suficiente para reduzir a ampla vantagem do petista. Do outro, a aposta é que o pagamento do benefício pode levar a disputa para um segundo turno.
Por enquanto, o ex-presidente Lula continua sendo o preferido dos eleitores que recebem o Auxílio Brasil. O petista tem 53% das intenções de voto deste eleitorado, contra 26% de Bolsonaro, segundo o Datafolha. Na última pesquisa Genial/Quaest, Lula somou 52% dos votos contra 29% de Bolsonaro, no mesmo segmento. Em ambos os levantamentos, houve redução da vantagem de Lula fora da margem de erro na comparação com a pesquisa anterior.
O professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da empresa de pesquisas Quaest, Felipe Nunes, estima que os benefícios sociais deverão ter algum impacto na disputa e podem levar a eleição para o segundo turno:
— Os 40 bilhões que serão injetados na economia por meio dos benefícios sociais criados pelo governo deverão ter algum impacto na disputa, só não é possível dizer qual será o tamanho deste efeito. Geralmente, benefícios distribuídos diretamente no bolso de eleitores tendem a reduzir o ressentimento destes com o governo. A mera expectativa de que haverá benefícios sociais já começou a gerar efeito sobre as intenções de voto. A distância entre Lula e Bolsonaro nas pesquisas em julho era de 35 pontos entre os beneficiários do Auxílio. Em agosto, essa diferença caiu para 23 pontos (segundo a pesquisa Genial/Quaest). Portanto, estimo que esse efeito possa levar a eleição para o segundo turno.
Embora avalie que não há evidência suficiente sugerindo que os benefícios seriam capazes de produzir uma virada de Bolsonaro sobre Lula, Nunes chama atenção para o contingente que ainda pode pode mudar o voto, que chega a um terço do eleitorado:
— Há 33% de eleitores dispostos a mudar seu voto, sendo 27% dos eleitores de Bolsonaro e 21% dos eleitores do Lula. Ou seja, os benefícios podem mudar votos para garantir que a disputa seja definida no segundo turno, o que seria significativo dado que as pesquisas dos últimos meses mostraram boas chances de Lula vencer no primeiro turno.
Já o cientista político e sociólogo Alberto Carlos Almeida, da empresa de pesquisa e consultoria Brasilis, avalia que não há tempo suficiente para o auxílio turbinado do governo federal alterar o favoritismo do ex-presidente Lula na corrida presidencial. Ele defende que não há vinculação, para o eleitorado beneficiário do programa, entre Bolsonaro e a defesa do segmento mais pobre da população.
— Talvez o pagamento do auxílio seja suficiente para melhorar o desempenho de Bolsonaro, mas a distância de Lula em relação a Bolsonaro é significativa. E mais importante que isso é o fato de que a eleição está muito concentrada nos dois, o que significa que a vantagem de um sobre o outro pode levar a uma definição em primeiro turno — analisa Almeida. — O auxílio teria que melhorar abruptamente a avaliação ótima e boa do governo para mudar o cenário. Essa melhora, porém, não ocorre na mesma proporção das intenções de voto.
Integrantes da campanha de Jair Bolsonaro apostam, além do início do pagamento do novo valor do auxílio a partir de 9 de junho, na propaganda eleitoral na TV. Alberto Carlos Almeida não vê espaço para alterações no cenário, mesmo com a circulação das peças publicitárias.
— Não basta levar benefício para um eleitorado específico, tem que ser defensor desse eleitorado. (Explorar o aumento do auxílio na propaganda) vai cair em dissonância. A percepção é que o candidato diz que trabalhou para melhorar a vida desse eleitorado, mas esse eleitor não viu isso. Entra naquela ideia de que é coisa de político. No governo Lula, por exemplo, havia um contexto benigno da economia em que o Bolsa Família se inseriu, com queda da inflação e crescimento do país. A inflação é o que tem de mais importante para eleição e sustentabilidade de um presidente — conclui o cientista político.
Nunes, da Quaest, pontua que o maior desafio do presidente é evitar a percepção de que as medidas são eleitoreiras:
— Ele corre o risco de ameaçar o equilíbrio fiscal sem conseguir efeito eleitoral suficiente para vencer. É um risco que ele tem que correr, já que os benefícios se transformaram na “bala de prata” que o governo tem disponível neste momento.