Na região mais bolsonarista, pobreza contrasta com agro

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Foto: Silvia Frias/Folhapress

A alta da inflação também deixa marcas nos grandes centros, incluindo regiões de viés bolsonarista, como Sul e Centro-Oeste. Campo Grande (MS), por exemplo, registrou 31% de inflação acumulada de janeiro de 2019 a junho de 2022. É o maior índice entre 15 capitais, além do Distrito Federal, monitoradas pelo IBGE.

A cidade, que deu 71% dos votos a Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018, vê crescer os bolsões de pobreza na periferia. Sem emprego, Gleicy Garcia, 28, passou a fabricar produtos caseiros de limpeza para vender na Comunidade Esperança, grupo de barracos ao lado de um lixão desativado em Campo Grande.

Ela e o marido se mudaram para a comunidade há seis anos, após ficarem sem condições de comprar comida e pagar o aluguel. No barraco de madeira, eles vivem com seis crianças: o enteado de Gleicy, de 12 anos, e os filhos do casal, de 1, 3, 4, 6 e 9 anos de idade.

Para sobreviver, a família conta hoje com R$ 400 do Auxílio Brasil e R$ 53 do benefício estadual Vale Gás, além do faturamento incerto dos produtos de limpeza, os bicos feitos pelo marido e as escassas doações. A alimentação das crianças é garantida na escola e por meio de um projeto assistencial no bairro.

A vizinha Tânia Borges, 36, que vive com o marido e três filhos, deixou de comprar alguns itens, como queijo. Carne de primeira virou luxo e foi substituída pela moída ou por frango.

A produção de carne, uma das âncoras da economia de MS, detentor do quarto maior rebanho do país, é uma das responsáveis pelo desempenho das exportações que, de janeiro a maio, somaram US$ 3,4 bilhões, alta de 17%.

A contradição entre a riqueza da pecuária e a fome dos bolsões de pobreza no Centro-Oeste ficou simbolizada no estado vizinho de Mato Grosso, onde famílias pobres enfrentam filas para recolher ossos e restos de carcaças de boi doados por açougues em Cuiabá. Emblemática, a situação chegou ao debate eleitoral em MT.

Candidato à reeleição, o governador Mauro Mendes (União Brasil) acusou a imprensa de desvirtuar a realidade e disse em entrevista que os ossos são de qualidade e rendem “pratos deliciosos”.

A pobreza cresceu no Centro-Oeste e registrou um recorde atípico, mesmo com a alta das commodities durante a pandemia de coronavírus. Historicamente, de 7% a 8% da população da região vivem em situação de pobreza, percentual que chegou a 11% no ano passado, de acordo com levantamento do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social) com dados do IBGE.

Também houve escalada de preços em redutos bolsonaristas na região Sul. Curitiba, por exemplo, registrou a maior inflação entre as capitais pesquisadas no ano de 2021.

No acumulado entre janeiro de 2019 e junho deste ano, a cidade teve o terceiro maior índice, com 29,3%. Entre os estados da região Sul, o Paraná foi o que registrou maior crescimento da pobreza de 2020 para 2021, segundo o IMDS.

Em outubro do ano passado, o governador Ratinho Júnior (PSD) turbinou ações sociais e lançou um programa de transferência de renda com repasses de R$ 80 mensais a famílias mais pobres. Ele disputará a reeleição com apoio de Bolsonaro, que obteve 68% dos votos no estado no segundo turno de 2018.

Na Comunidade Esperança, em Campo Grande, José Antônio de Souza, 36, finaliza um barraco de madeira para mãe, que não tem mais condições de manter uma casa alugada. Na cozinha, trocou o frango por salsicha e diz que o salário só dá para comprar comida.

Desiludido, afirma que Bolsonaro “governa para os que têm dinheiro”, mas não pensa em dar uma nova chance ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —quer um candidato “que não passou pela Presidência”.

Tânia Borges, apesar de criticar o governo, diz que vai votar em Bolsonaro, pois “hoje está melhor que antes”. Gleicy ainda está em dúvida e se mostra preocupada com o Legislativo. “Não depende só de quem ganhar. Aprendi que tudo depende do Congresso. Tem que pensar muito, não dá para votar errado.”

Folha