Bolsonarismo prega mais armamentismo
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“Sou eu e não o Estado quem tem que defender a minha propriedade”, declarou o presidente do movimento Proarmas, Marcos Sborowski Pollon, em uma palestra dada a produtores rurais em Unaí (MG), em novembro de 2021. No evento, o atirador, advogado e pré-candidato a deputado federal (PL-MS) ensinou aos fazendeiros uma tática para ter mais armas e poder transitar com elas: abrir um clube de tiro dentro da fazenda.
Ah, mas o que isso tem a ver com a propriedade rural? Uai, eu subo um barranco, cinco horas de máquina no relógio, e monto um clube de tiro na minha propriedade. Aí eu posso ter um acervo muito mais extenso que todo mundo ali pode usar Marcos Pollon, presidente do Proarmas
“A legislação diz que, na legítima defesa e no desforço [defesa] imediato da propriedade, eu posso usar todos os meios disponíveis para conter a ameaça […] Então você fala: ‘eu tô indo treinar, o meu stand fica na fazenda'”, aconselhou Pollon.
A palestra em que Pollon recomendou o uso de armas para a defesa de propriedades do campo aconteceu no 1º Fórum de Segurança Alimentar e Proteção Rural de Unaí. Mas essa não foi a única ocasião na qual o líder do Proarmas discursou para produtores rurais.
Palestras com recomendações. A Agência Pública apurou que, entre setembro de 2021 e julho deste ano, pelo menos sete eventos tiveram formato semelhante: foram palestras sobre segurança e proteção no campo promovidas por sindicatos rurais com a participação do Proarmas. Uma delas aconteceu em evento apoiado pelo Governo Federal e duas foram financiadas pela Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho).
A Pública tentou contato com Pollon durante duas semanas por e-mail e telefone, mas não obteve resposta. A reportagem chegou a falar com responsáveis pela agenda do pré-candidato, que também não responderam ao pedido de entrevista.
Pode usar as armas para legítima defesa? Perguntado se as armas de uso restrito podem ser usadas pelos CACs (colecionadores de armas, atiradores e caçadores) em caso de suposta legítima defesa, o Exército Brasileiro respondeu à reportagem que não tem competência para esclarecer tal assunto. Mas completou que “a concessão do CR [certificado de registro de armas de fogo para CACs] pela Força Terrestre permite ao interessado empregá-la nas atividades de caça, tiro esportivo e para compor uma coleção.”
Porém, o artigo 5º do decreto presidencial 9846/2019 prevê, em seu parágrafo 3º, que os CACs “poderão portar uma arma de fogo de porte municiada, alimentada e carregada”, ou seja, pronta para o uso, no trajeto entre a residência ou local de guarda autorizado e o clube de caça ou tiro, por meio da apresentação do CR e da Guia de Tráfego, expedidos pelo Comando do Exército.
Por outro lado, o artigo 111 do decreto 10.030, de 30 de setembro de 2019, estabelece como infração administrativa “portar ou ceder arma de fogo constante de acervo de colecionador, atirador desportivo ou caçador para segurança pessoal, em desacordo com a legislação”.
O Exército afirma que fiscaliza possíveis usos indevidos de clubes de tiro e caça e que executa ações a fim de “evitar o cometimento de irregularidades com Produto Controlado pelo Exército [PCE]”.
Quem tiver interesse em construir um clube ou até se registrar como atirador esportivo, ou qualquer coisa, é muito fácil, é só ir em qualquer clube de tiro aqui da cidade e perguntar como é que faz, o pessoal vai ajudar vocês Marcos Pollon, presidente do Proarmas
“Bolsonaro ou sal”. Nas duas palestras sobre proteção rural, o advogado armamentista deu ainda declarações pela reeleição de Jair Bolsonaro. No fórum em Unaí, ele afirmou que qualquer um que vencer o atual presidente nas eleições de outubro irá desarmar totalmente a população.
Então, não tem segunda via, terceira via, ou a gente trabalha para reeleger o Bolsonaro ou nós estamos no sal Marcos Pollon, presidente do Proarmas
Noções de tiro. Em setembro do ano anterior, segundo matéria do jornal A Tribuna do Mato Grosso e imagens divulgadas em redes sociais, Marcos Pollon e André Pirajá —vice-presidente do Proarmas— falaram sobre a defesa da propriedade rural para associados da Aprosoja em Rondonópolis (MT).
Além das palestras, a programação incluiu para os inscritos aula de “noções de práticas de tiro” no Clube Atiro, localizado na zona rural da cidade, também de acordo com A Tribuna. Não há registros das falas dos líderes do movimento nesse primeiro encontro.
“Legítima Defesa Armada”. Com o anúncio, no final de maio deste ano, da pré-candidatura de Pollon a deputado federal pelo Mato Grosso do Sul, o presidente do Proarmas intensificou a agenda no estado. Somente no mês de julho, ele falou sobre segurança no campo e sobre legislação e controle de armas nos sindicatos rurais de Campo Grande, Sidrolândia, Maracaju, Ponta Porã e Chapadão do Sul.
Esta última teve como tema a “Legítima Defesa Armada” e foi realizada no sindicato rural da cidade no último dia 26. O tema foi o mesmo de uma palestra dada por Pollon no dia anterior (25), porém em um clube de tiro e caça localizado na zona rural de Costa Rica (MS), a 60 quilômetros de Chapadão do Sul. As agendas foram divulgadas nas redes sociais do pré-candidato.
Armas para advogados. Segundo dados da Receita Federal, Pollon fundou o Proarmas um ano após a assinatura do decreto, em junho de 2020, enquanto também presidia uma comissão OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul). Através dela, Pollon defendia o porte de armas para advogados e frequentava gabinetes do Congresso Nacional, como mostra o primeiro vídeo publicado em seu canal no YouTube.
Passados dois anos de sua criação, o líder armamentista afirma que o Proarmas é hoje o maior movimento de direita do Brasil, declaração que foi dada por ele em entrevista recente ao deputado federal Eduardo Bolsonaro. A organização conta, segundo ele, com cerca de 1,5 mil colaboradores em todos os estados e uma equipe jurídica de mais de 120 advogados.
Família de tropeiros. Em Dourados, embalado pelas lembranças da cidade natal, Pollon contou que seu bisavô era tropeiro de gado e levava bois e cavalos do pantanal de Mato Grosso do Sul até São Paulo. De acordo com o advogado, a família mantém hoje apenas uma fazenda em Sidrolândia (MS), a 182 quilômetros de Dourados, na qual cultivam soja e milho.
Como advogado, antes de fundar o Proarmas, ele afirma em suas falas que sempre atuou exclusivamente na defesa de produtores rurais e do agronegócio. Além disso, foi presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS, na gestão de 2016 a 2018.
“Então, sempre era comum a gente ter que lidar com reintegração de posse, ocupação de movimentos indígenas, ocupação de sem-terra, aquela coisa toda”, detalhou, durante o fórum de Unaí.
Donos de terras. Assim como Pollon, André Bedin Pirajá, o vice-presidente do Proarmas, também vem de uma família dona de terras. Liamara Inês Bedin, mãe de André, é sócia-administradora da Bedin Agropecuária, que, segundo a Receita Federal, tem R$ 8,6 milhões de capital e é voltada para a criação de gado para corte. Outra empresa da família, a Bedin Colonizadora e Construtora, é focada em empreendimentos imobiliários e tem patrimônio avaliado em R$ 5,3 milhões, também de acordo com a Receita Federal.
As duas empresas, que juntas integram o Grupo Bedin, têm sede em Itaúba (MT) e foram abertas no início dos anos 1980. O município foi fundado apenas em 1986, e de acordo com documento da Prefeitura, os irmãos Bedin foram os primeiros colonizadores, que lá adquiriram terras em 1973. Com o surgimento de Itaúba, os indígenas do povo Kawaiwete, que habitavam a região, foram “confinados em reservas especialmente destinadas à seu povo”, segundo informa o site oficial da prefeitura municipal.
Braço do “Proarmas”. O vice-líder da associação armamentista fundou, em janeiro deste ano, o grupo Produtores Rurais pela Liberdade. Em uma entrevista ao programa Boi em Pauta no último mês de abril, ele disse que o movimento é um “braço” do Proarmas. “Eu gosto de dizer que o Proarmas inclui o produtor rural, mas o Produtores Rurais pela Liberdade tem temas caros”, declarou.
A reportagem também procurou Pirajá através do grupo Proarmas para esclarecimentos, mas ele não respondeu.
A nova organização oferece cursos sobre manuseio de armas de fogo, em parceria com a empresa Jhony Tactical. O “braço” ruralista do Proarmas também elaborou uma cartilha sobre segurança no campo que é divulgada nas redes sociais de Pirajá. O material é um resumo dos conselhos que são dados aos produtores rurais pelos líderes do movimento.
Em uma feira agropecuária em Sinop (MT), cidade vizinha à que foi colonizada pelos antecedentes do vice-líder do Proarmas, foi ele quem representou o movimento e falou sobre “Liberdade e Segurança no Campo”. O evento foi promovido em abril pelo Sindicato Rural com patrocínio da Aprosoja. A Agência Pública, no entanto, não teve acesso ao conteúdo da palestra.