Candidatos pedem a deputados dinheiro do orçamento secreto
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Mais da metade dos parlamentares que estão concorrendo ao governo de seus Estados nas eleições deste ano fizeram solicitações para serem beneficiados por emendas do relator, conhecidas como Orçamento secreto. Levantamento feito pelo Valor com base em dados do Sistema de Indicação Orçamentária da Câmara dos Deputados revela pedidos de repasses de aproximadamente R$ 850 milhões. Parte das solicitações cadastrados no sistema ainda não foi liberada. Dos 33 parlamentares que concorrem à cadeira de governador, 17 estão na lista. São nove senadores e oito deputados.
A maioria declara apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas também há quem esteja ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e das senadoras Soraya Thronicke (União Brasil) e Simone Tebet (MDB).
O campeão de solicitações do Orçamento secreto é o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), que também é vice-presidente do Senado e candidato ao governo da Paraíba. De acordo com o levantamento, ele cadastrou quase R$ 127 milhões em emendas, grande parte delas tem como destino o Ministério da Saúde, para aquisição de equipamentos e incrementos no custeio dos serviços de atenção primária.
Apesar de seu partido ter lançado Tebet ao Planalto, Veneziano declara apoio a Lula. Ao comentar, mês passado, os escândalos de corrupção durante os governos petistas, o ex-presidente classificou o Orçamento secreto como “a maior excrecência da política”. Em outra oportunidade, disse que o mecanismo utilizado para liberação de recursos é a “fonte do maior esquema de corrupção da história do país”.
Outra apoiadora do ex-presidente a solicitar recursos do Orçamento secreto foi a deputada Marília Arraes (Solidariedade), que lidera as pesquisas para o governo de Pernambuco. Até maio deste ano, a parlamentar integrava a Mesa Diretora da Câmara como segunda secretária. De acordo com o levantamento, Marília cadastrou R$ 3,6 milhões em emendas do relator para compra de equipamentos agrícolas para associações de agricultores, prefeituras e centros sociais no interior do Estado. Oficialmente, Lula apoia o deputado Danilo Cabral (PSB) ao governo pernambucano, mas Arraes se associa à imagem do petista para avançar no pleito.
A assessoria da deputada informou que ela solicitou R$ 3,6 milhões para a Codevasf, mas que o pedido ainda não foi atendido. “Como parlamentar, uma das atribuições da deputada é a busca incessante por investimentos para Pernambuco, independentemente de correntes políticas”, diz a nota encaminhada.
Entre os bolsonaristas, o destaque vai para o senador Marcos Rogério (PL), candidato ao governo de Rondônia. Principal integrante da tropa de choque governista durante a CPI da Covid, ele cadastrou no sistema R$ 95,5 milhões em emendas do relator.
Outro defensor ferrenho do presidente na CPI, o senador Jorginho Mello (PL), que disputa o governo de Santa Catarina, apontou R$ 77,5 milhões. Seu adversário nas urnas, o senador Esperidião Amin (PP) – também bolsonarista – aparece como solicitante de R$ 32,5 milhões.
A emenda do relator, tecnicamente chamada de RP-9, tem esse nome pois sua distribuição é determinada pelo relator-geral do Orçamento. A destinação dos recursos dá-se por meio de negociações informais e sem critério definido para quem e para onde o dinheiro será encaminhado.
O volume de recursos distribuídos a partir da emenda – somente neste ano a previsão é de R$ 16,5 bilhões – fez dela a mais importante ferramenta de negociação política no Congresso. A falta de transparência, que deu origem ao nome Orçamento secreto, fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) chegasse a suspender os repasses das emendas.
Consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz avalia como legítimo que parlamentares busquem recursos para as bases, mas faz uma ressalva em relação aos critérios de distribuição. “O que se questiona é o critério de escolha e de quem tem a prerrogativa de indicar. São claramente recursos, em sua grande maioria, destinados a parlamentares da base de sustentação do governo”. Ele lembra que políticos de oposição contemplados geralmente têm vínculo institucional com a Mesa Diretora do Senado ou da Câmara.
Quando é questionado sobre o tema, Bolsonaro costuma dizer que se trata de uma questão interna do Congresso. Apesar disso, o presidente é o principal beneficiado pela ferramenta, que facilitou a aprovação rápida de pautas de interesse do governo.
Parlamentares que receberam os recursos defendem a legalidade dos repasses e rechaçam seu caráter secreto. “O valor que o senador Jorginho Mello tem em emendas de relator deste ano é destinado a retribuir e melhorar a vida do povo catarinense”, informou a assessoria do senador.
“Sou totalmente contra esse mecanismo, mas ele existe e temos que usar”, alegou o senador Izalci Lucas (PSDB), candidato ao governo do Distrito Federal.
Outro tucano, o deputado Pedro Cunha Lima, candidato ao governo da Paraíba, disse que “os recursos solicitados se destinam a 18 municípios paraibanos, para investimentos em áreas como infraestrutura, assistência social e atenção primária da saúde”. “Não há nada de secreto nesta informação, que é pública e transparente”, completou Lima.
A assessoria do deputado Major Vitor Hugo (PL), candidato ao governo de Goiás, informou que “não sabe do que se trata” os pouco mais de R$ 20 milhões cadastrados pelo parlamentar, que foi líder do governo Bolsonaro.
“Em nosso mandato, não há nada que seja secreto, seja atuação parlamentar e política, indicações de emendas ou qualquer ato ou atividade que se assemelhe com Orçamento secreto, tudo que fazemos é público, lícito, ilibado e de conhecimento do povo de Rondônia”, alegou o deputado Leo Moraes (Podemos), candidato ao governo de Rondônia.
“O senador Irajá esclarece que os R$ 100 milhões do Orçamento Federal foram destinados a 126 municípios do Tocantins, para atender demandas fundamentais da população”, informou a assessoria do senador, segundo com maior volume de emendas.
O senador Rodrigo Cunha (PSD), que concorre ao governo de Alagoas, ressaltou que todas as informações referentes ao exercício do seu mandato parlamentar estão à disposição para consulta nos sistemas de transparência das contas públicas.
Os senadores Veneziano Vital do Rêgo, Esperidião Amin, Marcio Bittar e Luiz Carlos Heinze não se pronunciaram sobre o assunto, assim como os deputados Capitão Wagner, Rose Modesto, Fabio Mitidieri e Mara Rocha.