Escolas militares fazem crianças portarem “armas”
Foto: Reprodução / Redes sociais
Imagens de crianças marchando e com simulacros de armas de fogo em mãos viralizaram nos últimos dias nas redes sociais. Os vídeos teriam sido gravados em uma escola pública do bairro Vendinha, em Padre Bernardo (GO), a 82km de Brasília.
Enquanto um homem dá instruções de ordem unida — comum dentro dos quartéis —, quem grava as imagens narra, incrédulo: “Crianças aprendendo a manusear armas na Vendinha”. Ainda segundo o locutor da filmagem, o curso teria sido promovido pela Guarda Mirim, dentro Escola Estadual Santa Bárbara.
O Metrópoles conversou com a direção do colégio. Segundo a coordenação, a unidade de ensino cedeu o espaço para a Guarda Mirim há aproximadamente seis meses. O projeto teria o apoio da prefeitura de Padre Bernardo.
De acordo com a direção, a proposta inicial era proporcionar disciplina, autocontrole, valores cívicos e morais, com princípios militares. No entanto, a coordenação alegou que não teria conhecimento das atividades com simulacros de fuzis de assalto.
A Guarda Mirim atende a crianças de toda região do bairro de Vendinha. A partir da divulgação das imagens do treinamento, a direção da escola anunciou que pretende rever a parceria.
Após ser questionada pelo Metrópoles, a gestão do estabelecimento educacional admitiu que o uso de armas, mesmo que falsas, é “desnecessário” e “pode alimentar pensamentos violentos entre crianças e adolescentes”.
Segundo a Secretaria de Educação de Goiás, o vídeo mostra uma dinâmica da Guarda Mirim, mas a gravação não é recente e essas atividades não são mais desenvolvidas na escola. O projeto recebeu autorização para ocupar o pátio do colégio aos domingos, por um período de duas horas.
“Esse projeto foi apresentado à gestão da escola, aos estudantes e aos pais como ação de promoção de boas noções de educação, cidadania e civismo, com direcionamento para carreiras militares”, argumentou a pasta.
Ainda de acordo com o órgão público, a participação de alunos teria se dado a partir da manifestação de interesse dos próprios estudantes, com a anuência dos respectivos responsáveis. “Que, inclusive, fizeram a inscrição se responsabilizando pelo acompanhamento de seu filho”, destacou a secretaria.
A reportagem também entrou em contato com o secretário municipal Elkson Barbosa. O gestor alegou que a parceria com a Guarda Mirim ainda estaria em fase de avaliação. O projeto apresentou um pedido de apoio para a aquisição de fardas, botinas e coturnos. Antes de ocupar a escola, a Guarda Mirim oferecia as aulas na quadra coberta da secretaria do distrito.
“Em se tratando de crianças e adolescentes, acho que a realização desse tipo de atividade é desnecessária”, afirmou.
A Guarda Mirim é coordenada pelo sargento da reserva da Aeronáutica Hélio Pereira Pinto, 65 anos. Em 1992, o militar lançou projeto similar em Trombas (GO), fomentando “honestidade, patriotismo, educação militar, respeito à bandeira, civismo combate contra incêndio, primeiros-socorros, segurança e cuidados domésticos”.
As réplicas de armas de grosso calibre passaram a integrar as atividades quando o projeto migrou para a Vendinha, há cerca de quatro meses. “O simulacro é como se fosse um cerimonial. Usar a arma como o soldado usa no quartel e fazer todas aquelas alegorias, digamos assim”, disse o militar, negando que a atividade seja um estímulo ao uso de armas verdadeiras.
O oficial também ressaltou que o projeto conta com apoio dos pais. “A grande maioria dos marginais nunca nem pegou em arma e, quando chega a uma certa idade, pega a arma e vai fazer coisa errada. Nesse caso, não há estímulo. Há um incentivo para ser um bom cidadão, para ser um militar das Forças Armadas ou mesmo da polícia no futuro”, argumentou.