Brasil tem recorde histórico de pesquisas eleitorais

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Foto: O Globo

Independentemente do resultado das urnas, a eleição de 2022 já registrou um recorde – o de pesquisas eleitorais. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que a Corte já registrou 2.130 pesquisas de intenção de voto desde o início do ano.

O número, que constava no site do TSE na noite de sexta-feira (23), já é 37% maior do que o de 2018, quando foram protocolados 1.554 registros, tanto para a presidência da República como para os cargos locais. Só as primeiras representam 39% do total – foram 829 até a última sexta-feira.

O levantamento foi feito pela equipe da coluna a partir dos registros do TSE. Pelas regras do tribunal, mesmo que sejam realizados pelo mesmo pesquisador e no mesmo formulário, pesquisas nacionais têm que ser registradas separadamente dos estaduais. É o mesmo critério utilizado em 2018, o que permite a comparação.

Essa multiplicação de levantamentos de intenção de voto está relacionada a três novidades: o surgimento de novas empresas, a disseminação de pesquisas feitas por telefone e a divulgação de levantamentos encomendados por instituições financeiras.

Segundo os registros do TSE, já são 304 pesquisas feitas por telefone nesta eleição. Os dados de 2018 não permitem o mesmo tipo de tabulação, mas os executivos do setor afirmam que, embora essas pesquisas não sejam novidade, não era comum registrá-las no TSE até 2020. Em geral, elas eram feitas apenas para consumo interno dos clientes dos institutos.

Segundo o cientista político e presidente do conselho científico do Ipespe, Antonio Lavareda, na origem desse movimento está o barateamento das tecnologias. “Esse foi o principal fator da multiplicação de institutos fazendo pesquisas nos Estados Unidos. O mesmo vem acontecendo no Brasil.”

Outro fator que impulsionou as pesquisas por telefone foi o imperativo do distanciamento social na pandemia, que teve início naquele ano de eleições municipais.

A maior parte dos institutos mescla pesquisas presenciais com telefônicas ou virtuais, conforme a ocasião e a necessidade. Hoje, entre os principais institutos, predomina o primeiro modelo – é o caso, por exemplo, dos levantamentos registrados pelo Ipec, Datafolha e pela Quaest.

Há, ainda, empresas que fazem só pesquisas por telefone, como o Ipespe, o Real Big Data e o Futura Inteligência.

Desde as eleições passadas, formou-se um intenso debate sobre a precisão destes levantamentos.

Entre as ressalvas estão o fato de que os setores menos assistidos da sociedade podem ficar sub representados, seja pela falta de acesso a telefones ou pela dificuldade de atender a uma pesquisa extensa em meio às obrigações domésticas ou de trabalho, especialmente entre os informais.

Os executivos de institutos que priorizam levantamentos presenciais costumam argumentar ainda que as consultas telefônicas são muito mais demoradas e trabalhosas. Quem está no telefone precisa ouvir a locução de todas as opções do formulário e repeti-las, o que prejudica a coleta das respostas Já no modelo físico, os entrevistados manuseiam uma espécie de disco com os candidatos e demais respostas e fazem sua escolha na hora, na frente do pesquisador.

Já os defensores das pequisas por telefone ou pela internet lembra que os gastos de um levantamento presencial são muito altos e que esse modelo já se tornou obsoleto nos Estados Unidos e na Europa.

Outro fator que impulsionou o boom foi o surgimento de 104 levantamentos feitos por pagos pelos bancos ou gestoras de recursos mais conhecidas, como a Genial, que contrata a Quaest, o Modal (Futura Inteligência), o BTG Pactual (Idea) ou a XP (Ipespe). São instituições que sempre fizeram suas próprias pesquisas, mas não as divulgavam e nem as registravam no TSE.

Segundo pessoas do setor ouvidas pela equipe da coluna, a mudança se deve a um esforço de marketing dessas instituições, já que os nomes dos contratantes costumam ser citados no material de divulgação e em reportagens sobre as pesquisas.

Esse movimento ajuda a compor um cenário mais diversificado e colocar mais informações à disposição do público, mas também gera controvérsias em razão do temor de que os levantamentos sofram algum tipo de restrição em razão do conflito de interesses.

Alguns casos já se tornaram públicos. Em agosto de 2021, por exemplo, a divulgação de uma pesquisa que apontava um aumento da vantagem de Lula sobre Jair Bolsonaro fez um sócio da corretora XP reclamar internamente por WhatsApp e questionar a metodologia da pesquisa.

Em junho passado, outra pesquisa da XP mostrando que mais eleitores viam honestidade em Lula (35%) do que os que viam essa característica em Bolsonaro (30%), desencadeou uma onda de ataques de seguidores do presidente em redes sociais e a pressão da própria campanha à reeleição contra a divulgação desse tipo de dado. Depois disso, a divulgação das pesquisas, que era semanal, passou a ser mensal.

Mas se a multiplicação de pesquisas fornece muito mais informação ao público, ela também tem um efeito colateral: a sua transformação em alvos de ataques das principais campanhas.

Nesta semana, por exemplo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que seria preciso tomar medidas legais contra “institutos de pesquisas que erram demasiado ou intencionalmente para prejudicar qualquer candidatura”. Referia-se indiretamente aos levantamentos que mostram Lula bem à frente de Jair Bolsonaro, o que obviamente não agrada aos correligionários do presidente da República.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, também chegou a defender o fechamento do Ipec após as eleições, em caso de vitória de Bolsonaro – o instituto reforçou o favoritismo de Lula e apontou a chance do petista levar a disputa já no primeiro turno.

Nos últimos dias, pesquisadores do Datafolha também foram hostilizados e agredidos nas ruas por seguidores do presidente.

Em setembro do ano passado, a Câmara aprovou o projeto de lei do novo Código Eleitoral proposto por Margarete Coelho (PP-PI), aliada de Lira, proibindo a divulgação de pesquisas 48 horas antes do pleito.

O novo Código, porém, não entrou em vigor. Ficou parado no Senado depois que o TSE alertou o Congresso sobre os riscos do projeto.

Os números traduzem o impacto dos levantamentos no no interesse do eleitorado: no Google são feitas 1,3 milhão de buscas por termos ligados às pesquisas eleitorais por mês.

Desde janeiro, elas já levaram à publicação de 1,6 milhão de análises em veículos de imprensa – de jornais impressos a rádios e sites. Para que se tenha uma ideia do que isso representa, Ciro Gomes, o terceiro nas pesquisas, tem 960 mil buscas mensais. Bolsonaro e Lula tem bem mais do que isso.

A explicação para tamanho interesse, na opinião do advogado especializado em direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida, são ânimos “mais exaltados” por conta da polarização política.

“Desde que sejam sérias, é bom para o Brasil ter mais pesquisas. Mas há um risco de que a população confie em institutos que não tenham apresentado histórico bom em eleições passadas e que, naturalmente, estariam tendendo a escolha do eleitor para situações que não correspondem à verdade”, alerta. Para isso, segundo ele, é preciso valorizar os institutos mais renomados e dar transparência a quem financia as pesquisas.

O Globo