Moraes mantém processos contra excessos bolsonaristas
Foto: Gabriela Biló /Folhapress
Mesmo após o término do período eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) e atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mantém o padrão de decisões de bloqueio de páginas adotado no pleito, recebe o respaldo de setores do Judiciário e do Ministério Público Federal e é também criticado por supostamente censurar bolsonaristas.
Moraes tem tomado as decisões contra apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) em ações no TSE e no inquérito das milícias digitais relatado por ele no Supremo.
Determinou também medidas para que órgãos do Executivo, caso da PRF (Polícia Rodoviária Federal), adotem providências contra os manifestantes que realizam atos antidemocráticos pelo país desde a confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No caso dos bloqueios das contas em redes sociais dos deputados bolsonaristas Coronel Tadeu (PL-SP), Major Vitor Hugo (PL-GO), Carla Zambelli (PL-SP) e do parlamentar eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), a decisão de Moraes foi pelo TSE.
Já o economista Marcos Cintra, vice de Soraya Thronicke (União Brasil) na disputa presidencial, teve a conta suspensa via inquérito das milícias digitais do STF.
A explicação dada por pessoas do entorno de Moraes é que, quando se trata de ataques a procedimentos relacionados às urnas e às eleições, como aquelas divulgadas com base na live do canal argentino que apontou suposta fraude nas eleições, a responsabilidade pela aplicação de medidas é do TSE.
Por outro lado, quando a suspeita é da atuação no financiamento ou disseminação de informações falsas contra as instituições, o inquérito das milícias digitais é apontado como o mais apropriado.
No fim da tarde da segunda-feira (7), por exemplo, foi via inquérito das milícias digitais que Moraes ordenou que as Polícias Civis, as Militares, a Polícia Federal e a PRF informem em 48 horas ao STF a identificação de todos os veículos e caminhões que participaram tanto dos bloqueios nas rodovias como nos protestos em frente aos quartéis das Forças Armadas.
O inquérito das milícias digitais foi pensado como um anteparo para as investidas golpistas de Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais. Ele foi instaurado pela delegada federal Denisse Ribeiro, por ordem de Moraes, e agora é conduzido por Fabio Shor.
O inquérito chegou a ser usado no caso da acusação sem provas, feita pela campanha de Bolsonaro, sobre suposta fraude nas inserções eleitorais em rádios. Moraes entendeu a tese bolsonarista como uma forma de tumultuar o segundo turno e enviou a suspeita para a investigação da PF.
O entendimento dos investigadores é que esse caso —assim como a live com ataques às urnas e os atos antidemocráticos— são eventos praticados por uma suposta organização criminosa especializada em ataques às instituições e disseminação de notícias falsas e desinformação.
Entre integrantes do Judiciário, há uma maioria que apoia o rigor exercido por Moraes nas decisões contra qualquer tipo de ataque ao sistema eleitoral ou disseminação de desinformação que possa colocar em xeque a lisura das eleições.
O entendimento é que, mesmo após a eleição e a derrota de Bolsonaro, os apoiadores mais radicais do atual presidente ainda mantêm o discurso golpista e de ataque ao STF e ao TSE.
Embora sejam consideradas medidas extremas, o bloqueio de contas de bolsonaristas nas redes sociais e a imposição de multas altas em caso de novas publicações são classificados como os únicos caminhos para evitar que as investidas contra as instituições e o resultado das eleições ganhem mais adeptos.
Integrantes do Judiciário citam como exemplo o caso da última sexta (4), quando um canal argentino realizou uma live para disseminar informações falsas sobre supostas fraudes nas eleições.
Pouco tempo após a divulgação do conteúdo, grupos bolsonaristas passaram a replicar o material e convocar novas manifestações para contestar o resultado do pleito.
O argumento dos integrantes do Judiciário é que, se esses canais e conteúdos não forem bloqueados, irão replicar cada vez mais os ataques de forma a manter o clima de desconfiança que impulsiona os apoiadores de Bolsonaro a saírem às ruas.
Há, porém, críticos do ministro que apontam a falta de transparência nas decisões, principalmente as tomadas no TSE.
Esses críticos afirmam que, como se trata de casos excepcionais, é necessário que o ministro dê a maior transparência possível para evitar contestações; e também que o TSE explique em seguida as suspeitas levantadas.
Outro ponto que precisa ser criticado, afirmam, é o fato de as decisões —como a que bloqueou os canais do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra— terem sido tomadas de ofício, sem que o Ministério Público ou a Polícia Federal tenham solicitado as medidas.
Representantes do Ministério Público Federal ouvidos pela Folha avaliam que Moraes atua no vácuo de autoridades como o ministro da Justiça, Anderson Torres, a quem a PRF (Polícia Rodoviária Federal) é subordinada, e o próprio procurador-geral Augusto Aras.
A ação da PRF mais efetiva contra os bloqueios e interdições de rodovias ocorreu somente a partir de uma decisão de Moraes na noite da segunda-feira (31), quando os protestos dos bolsonaristas já completavam 24 horas. Reportagem da Folha mostrou que o efetivo de agentes nas estradas foi reforçado na terça (1º).
A decisão de Moraes, que impôs multa e ameaça de prisão do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, em caso de desobediência, foi confirmada pelo plenário do STF por unanimidade, um importante respaldo ao colega.
Na quinta (3), presidindo a sessão plenária do TSE, Moraes manteve o tom contra apoiadores de Bolsonaro. Disse que a maioria dos eleitores aceitou democraticamente o resultado das urnas, mas que uma parcela o rejeitava “criminosamente”.
“Aqueles que criminosamente estão praticando atos antidemocráticos serão tratados como criminosos”, afirmou.
Para os integrantes do Ministério Público Federal consultados pela Folha, o ambiente de desinformação persiste mesmo após o fim da eleição —e isso é um forte argumento a favor do ministro.
Eles avaliam que Moraes deve prosseguir até que ocorra um reequilíbrio institucional, o que acreditam ocorrer no próximo governo.
Coordenador-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o advogado Luiz Fernando Pereira concorda que a desinformação não cessou após o término das eleições, mas tal cenário não permite a tomada de decisões como a que foi imposta a Marcos Cintra. Para Pereira, houve cerceamento à liberdade de expressão.
“É a desinformação sobre a confiabilidade do sistema eletrônico de votação que está interditada; alegar, por exemplo, que existe sala secreta no TSE é uma notícia falsa”, disse. “Mas a crítica, o questionamento por discordar do sistema é legítimo de ser feito.”
Para o advogado, apesar do ambiente de desinformação e dos protestos de bolsonaristas perdurarem, a democracia não está sob risco a ponto de exigir decisões judiciais excepcionais.
“A proteção ao Estado democrático de Direito foi feita. Estamos, agora, discutindo a transição e essas manifestações, de radicais, isoladas, tendem a diminuir.”
O tema também divide políticos. Líder do PSOL na Câmara, a deputada Sâmia Bomfim (SP) defende Moraes.
“As eleições foram novamente afetadas pelas fake news, prejudicando candidaturas e desinformando eleitores. Portanto, é fundamental que se tome medidas exemplares para coibir os responsáveis por esses crimes. Espero também que em breve possamos avançar numa legislação que proteja o país das fake news.”
Entre os bolsonaristas, as decisões de Moraes de suspender contas que coloquem em dúvida o resultado das eleições são vistas como tentativa de censura e intimidação.
O deputado Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou que as decisões do ministro são um “flagrante abuso de poder que tem ganhado cada vez mais projeção” e que elas estão “fugindo do controle”.
“Está indo longe demais. As pessoas, ainda que possam ter qualquer tipo de exagero nos questionamentos ou não tenham fundamento os questionamentos, elas têm direito de fazer questionamentos.”
“O TSE não está respondendo, está calando, está censurando, impedindo que as pessoas se manifestem”, continua. “Daqui a pouco não serão apenas nós deputados, daqui a pouco até jornalistas [serão bloqueados] sobre qualquer fato que Alexandre de Moraes julgue que é o certo. Isso é uma conduta de um ditador.”