STF coíbe ataques ao resultado da eleição

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Foto: Gabriela Biló/Folhapress

Após o segundo turno da eleição presidencial, o Judiciário já deu diferentes decisões de bloqueio de contas em redes sociais e derrubadas de grupos de WhatsApp e Telegram.

Entre os alvos mais recentes estiveram a deputada Carla Zambelli (PL-SP), os deputados federais eleitos Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO), além do economista Marcos Cintra (União Brasil-SP), que foi secretário da Receita Federal no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Tais decisões se inserem em um contexto de manifestações extremistas e antidemocráticas que questionam o resultado da eleição e pedem golpe.

Além disso, também há uma campanha constante de disseminação de afirmações falsas e teorias conspiratórias sem embasamento de que teria havido fraude no pleito deste ano.

Apesar deste cenário, também há críticas por parte de especialistas, como no caso de Cintra. Ele foi alvo de decisão do presidente do TSE e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das milícias digitais no Supremo, mas a avaliação é a de que a decisão não fundamenta qual seria sua ligação com a organização criminosa investigada.

Cintra fez uma série de tuítes reverberando informações não verificadas de questionamentos das urnas com base em uma live divulgada em canal argentino na última sexta-feira (4).

Já a decisão quanto à conta de Zambelli partiu do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), depois de a deputada fazer postagens de incentivo aos movimentos de cunho golpista.

Nikolas e Gayer, que também disseminaram o vídeo do canal argentino, disseram por meio de perfis não afetados por suspensão que as decisões também partiram do TSE.


Qual base a Justiça Eleitoral tem usado para remover conteúdos, contas e grupos? A dez dias do segundo turno o TSE aprovou uma nova resolução que ampliou seus poderes de modo inédito. Ela afirma que o TSE pode, “em decisão fundamentada”, determinar a imediata remoção de conteúdos das redes sociais considerados “inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Com isso, o TSE passou a poder agir de ofício, ou seja, sem ser provocado por candidaturas ou Ministério Público Eleitoral, para lidar com desinformação sobre as urnas, por exemplo.

A resolução do TSE também permite a suspensão temporária de perfis, contas ou canais, nos casos em que haja “produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral”.

O TSE pode remover conteúdo após o segundo turno? Apesar de o segundo turno da eleição já ter passado, o entendimento de especialistas é que o tribunal ainda pode tomar decisões com base na resolução.

Marcelo Weick, advogado eleitoral e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), entende que o marco que tem sido considerado é a diplomação dos eleitos, ato que ocorre em dezembro. “É a certificação do término do processo eleitoral como um todo, e garantir ao candidato a aptidão pra ele tomar posse”, explica.

Há também quem faça uma avaliação mais ampliada e entende que essa possibilidade permanece mesmo após a diplomação, como é o caso do Carlos Affonso Souza, diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade). “Acredito que o TSE pode decidir sobre os casos enquanto os alegados crimes e infrações não venham a prescrever”, afirma ele.

Atuação proativa do TSE é adequada? As íntegras das decisões seguem sob sigilo, o que dificulta a análise sobre a fundamentação de cada uma delas. Ainda assim, de modo geral, especialistas entendem que as medidas tomadas pelo Judiciário são apropriadas frente ao cenário de intensa campanha de desinformação sobre as urnas e de ameaça à integridade do processo eleitoral.

Para Paulo Rená, que é codiretor do Aqualtune Lab, ONG integrante da Coalizão Direitos na Rede, a atuação proativa do TSE é também reflexo da falta de moderação feita pelas redes sociais, que, apesar de terem assinado compromissos com o tribunal de combate à desinformação, não atuaram de forma tão intensa na remoção de conteúdo falso contra as urnas.

Clara Iglesias Keller, pesquisadora no Centro de Ciências Sociais de Berlim, diz acreditar que, apenas dentro dos próximos meses, será possível ter uma análise apropriada sobre as decisões, mas destaca a atuação do tribunal.

“Nessas eleições o TSE foi a nossa única barreira institucional contra a desinformação”, diz ela, que destaca que a desinformação é um complexo problema social. “Os debates legislativos não caminharam a tempo e o tribunal se viu diante de um problema cujas raízes e efeitos estão muito além das suas competências.”

Quando os ataques às urnas e defesa de golpe ultrapassam os limites da liberdade de expressão? Weick (UFPB) avalia que as decisões mais recentes têm tido preocupação em estancar ataques coordenados, dentro de um ecossistema de disseminação massiva de desinformação. Por isso avalia que é preciso considerar esse contexto nas decisões, dado que não são postagens isoladas.

“Você constrói ardilosamente um documento falso, manipulado, em que você coloca informações completamente descontextualizadas, sem rigor científico-acadêmico adequado”, diz. “E a partir daí você começa a projetar uma série de comentários, de personalidades fazendo essa projeção, você catapulta essa desinformação.”

De acordo com o procurador Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, proibir pessoas de lamentar nas ruas um resultado eleitoral, sem armas, ameaças ou violências, “seria tão impróprio quanto proibi-las de comemorá-lo”.

Ele faz a ressalva contudo que “se a manifestação, inclusive pela internet, tiver por objetivo incentivar a prática de crimes, entre eles os da Lei dos Crimes contra o Estado democrático de Direito, então ela já não terá proteção legal”.

Quais as críticas à decisão de suspensão da conta de Cintra? Cintra não teve a conta no Twitter bloqueada com base na resolução do TSE. Ele foi incluído no inquérito das milícias digitais que tramita no STF. Apesar disso, não é possível depreender quais os elementos que permitiram a ligação do economista com a organização criminosa investigada. Essa é a avaliação tanto de Souza quanto de Weick e Rená, consultados pela reportagem com base na decisão.

Nela, Moraes afirma que Marcos Cintra utiliza as redes sociais para atacar as instituições democráticas e o próprio Estado democrático de Direito. E aponta que suas ações podem configurar crimes eleitorais.

“E as urnas, TSE? Tenho razões para não concordar com Bolsonaro… falta de preparo e de cultura, baixa capacidade de liderança, e comportamento inadequado para presidir um país como o Brasil. Mas as dúvidas que ele levanta sobre as urnas merecem respostas. Verifiquei os dados do TSE e não vejo explicação para o JB ter zero votos em centenas de urnas. Ex. Roraima, e em São Paulo, como em Franca, Osasco e Guarulhos”, foi um dos trechos dos sete tuítes publicados por Cintra.

Moraes ainda cita que o inquérito foi instaurado devido a indícios e significativas provas apontando “a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político” com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, de modo semelhante ao identificado no inquérito das fake news.

Folha