“Patriotismo” de empresário bolsonarista custa R$ 480 mi
Foto: Reprodução
A empresa de Vittorio Medioli, prefeito de Betim (MG) que defendeu a separação do Nordeste do Brasil após a derrota de seu aliado Jair Bolsonaro (PL) nas eleições, já assinou contratos com o atual governo federal que somam mais de R$ 480 milhões.
Medioli, que após a repercussão de suas afirmações separatistas disse na verdade ser contra a divisão territorial, é sócio da concessionária Deva Veículos, que desde o início da gestão Bolsonaro em 2019 já recebeu pagamentos de R$ 230 milhões referentes aos contratos com a administração federal.
Grande parte do valor já reservado no Orçamento da União (empenho, na linguagem técnica) para repasse à Deva, R$ 123 milhões, tem como origem as chamadas emendas do relator.
As emendas individuais do presidente da Câmara dos deputados, Arthur Lira (PP-AL), renderam empenhos de R$ 7,9 milhões à Deva. Trata-se do parlamentar que mais direcionou emendas a contratos com a empresa.
Quase a totalidade dos pagamentos resulta de licitações ganhas pela concessionária para entrega de caminhões de vários tipos à estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Só em 2021 a Deva ganhou licitações para fechar contratos com a estatal que somam R$ 354 milhões. Em 2020, os valores com a Codevasf chegaram a R$ 98 milhões, e em 2019, cerca de R$ 15 milhões.
As concorrências públicas ganhas pela Deva ocorreram por meio de uma forma simplificada de licitação que é realizada de maneira online, chamada pregão eletrônico.
Os 34 lotes de pregões que a concessionária disputou e venceu em 2021 tiveram, em média, apenas a Deva e um outro participante, o que revela uma baixíssima competitividade nessas licitações.
Em 9 dos 34 lotes de pregões que venceu, só a concessionária se apresentou para dar lances.
Em alguns desses pregões a Deva não deu desconto ou deu desconto menor que 1% em relação aos preços de referência das licitações.
O caso que mais chama a atenção é o do maior lote vencido pela Deva, para entrega de 110 caminhões de lixo para a superintendência da Codevasf em Alagoas, no valor de R$ 52 milhões.
Nessa disputa o preço máximo aceitável indicado pela Codevasf era de R$ 474.498,18 por veículo.
Nesse pregão apenas a concessionária se apresentou, como informou o jornal O Estado de S. Paulo em maio, e acabou levando o contrato pelo montante de R$ 474 mil, ou seja, deu um desconto de apenas 0,1% em relação ao valor máximo.
Contratos da Deva com outros órgão federais na atual administração, como o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), chegaram ao total de R$ 14 milhões.
Ainda na gestão Bolsonaro, a empresa soma empenhos de R$ 330 milhões. Depois das emendas de relator, a principal origem dessa verba são as indicações feitas pela bancada do Tocantins (R$ 65 milhões em emendas), seguida pela de Alagoas (R$ 42 milhões).
Mais de R$ 210 milhões dos contratos da Deva com a Codevasf em 2021 referem-se a pregões para entregas a estados nordestinos (Alagoas, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte).
Em texto publicado no jornal O Tempo no último dia 6, Medioli comparou a região Nordeste com aquelas em que Bolsonaro venceu, e arrematou: “O separatismo, presente em outros momentos da história brasileira, não seria, à primeira vista, a solução mais adequada, mas, nesse caso, a vontade popular, por meio de plebiscitos, seria talvez a única solução para resgatar a legitimidade ameaçada”.
No dia seguinte, escreveu outro artigo dizendo que não havia sido claro sobre o tema. “Mostro, com os números das urnas, os motivos dessas divergências, porém reforço meu pensamento de condenar toda e qualquer possibilidade de separações”, escreveu Medioli no último dia 7.
A Folha procurou Vittorio Medioli e a Deva Veículos por meio das assessorias de imprensa da Prefeitura de Betim e do grupo Sada, do qual a Deva é integrante e Medioli é fundador presidente.
Quanto ao primeiro texto de Medioli sobre a separação do Nordeste, o grupo Sada afirmou por meio de nota que “respeitosamente, entendemos que se tratou de um artigo infeliz, devidamente retratado, que não expressa, de forma alguma, o pensamento real de Vittorio Medioli”.
Segundo a nota, “a Deva venceu alguns desses pregões (não todos) porque ofereceu as melhores condições, o melhor preço e, também, a concordância com todos os termos dos contratos”.
De acordo com a nota, a Deva participou como concessionária exclusiva da marca Iveco e modelos de outras marcas também estavam habilitados. “Está longe de qualquer realidade todo o apontamento que ao menos sugira direcionamento ou distorção”, disse.
Em relação ao pregão em que deu desconto de apenas 0,1%, a Deva afirmou que o preço referencial era muito baixo em relação ao mercado, o que afugentou outros concorrentes. “Arrematamos tendo a clareza de que estávamos sacrificando parcialmente nossa margem de lucratividade”, completou.
A Codevasf afirmou que suas licitações cumprem a lei e “a competitividade dos pregões é determinada por circunstâncias de mercado, sobre as quais a Codevasf não exerce influência”.