Dono do PL confessa ao STF pressão de Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Depois de afirmar publicamente que o relatório encomendado pelo PL sobre a segurança das urnas eletrônicas apontou falhas em 250 mil e que pediria a revisão da apuração dessas urnas, Valdemar Costa Neto procurou nos bastidores ministros do Supremo e do TSE para dizer que acredita na higidez do sistema eleitoral e que só está tomando tal iniciativa por que o presidente Jair Bolsonaro exige.

Segundo o presidente do PL afirmou a esses magistrados na segunda-feira, em conversas que visavam a produzir uma espécie de blindagem particular contra represálias dos dois tribunais, ele está sob forte pressão do presidente da República.

Recluso e em silêncio desde o final da apuração que decretou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro vem acompanhando as manifestações nas portas dos quartéis que pedem intervenção militar e contestam o resultado da eleição presidencial.

Vinte e três dias após ser derrotado nas urnas por uma margem de 2,1 milhões de votos, Bolsonaro ainda não desistiu de tumultuar a transição, e agora aposta suas fichas no relatório encomendado pelo PL a uma consultoria chamada Instituto Voto Legal.

Segundo Valdemar disse em um vídeo gravado neste final de semana, o relatório traria informações de que 250 mil urnas de modelos mais antigos não têm número de identificação. Ao todo, 577 mil urnas foram usadas no pleito deste ano.

“Nada de ter nova eleição, não vamos propor nada disso, não queremos tumultuar a vida do país. Mas tem umas urnas que têm que ser revistas”, afirmou ele. “São as urnas de 2020 para baixo, são as urnas antigas. Todas têm o mesmo número de patrimônio”, disse, ao antecipar que seria essa a conclusão do relatório – especialistas em engenharia da computação, no entanto, observam que, apesar de haver “bugs” na identificação das urnas, há no sistema informações como o município, a zona e a seção eleitoral, o que permite rastrear onde cada aparelho foi usado.

“Essas urnas não podem ser consideradas. Agora vamos ver o que o TSE vai propor, o que ele vai decidir”.

A declaração elevou a irritação dos ministros do Supremo e do TSE com Valdemar, que já tinha declarado há 14 dias, em uma entrevista coletiva, que só reconheceria o resultado da eleição depois do relatório das Forças Armadas.

Após a péssima repercussão do episódio não só entre nas cortes superiores como também no meio político, Valdemar enviou mensagens aos ministros dizendo que havia sido mal compreendido e que não tinha a intenção de contestar o resultado das urnas.

A alguns deles, disse ainda que não teve alternativa porque havia cerca de 50 parlamentares fiéis a Bolsonaro na coletiva que tinham ido lá para pressioná-lo.

Na tarde de ontem, segundo relatos de seus interlocutores, Valdemar repetiu o mesmo argumento, atribuindo a pressão ao próprio presidente da República.

E ainda tentou recorrer a um vídeo que circulou nas redes bolsonaristas em que um caminhão do TRE de São Paulo é carregado com urnas.

O tal vídeo, segundo os bolsonaristas, seria a prova de que as urnas foram adulteradas. Mas o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) esclareceu que se tratavam de urnas não utilizadas nesta eleição e que haviam sofrido “baixa patrimonial”. Isso porque o TRE-SP recebeu urnas novas no início do início do ano – informação confirmada também pelo TSE.

Embora os integrantes do Supremo entendam que Valdemar está sob pressão, o argumento dele para fazer as declarações que fez não colou. Para os ministros, está valendo o que Bolsonaro disse no último dia 1º ao visitá-los: “acabou”.

Depois disso, porém, Bolsonaro parece ter mudado de ideia. Quem o visita sai convencido de que ele pretende manter enquanto puder o discurso de que foi injustiçado por uma fraude, e o relatório do Instituto Voto Legal (IVL) é sua nova forma de conseguir isso.

Para o presidente da República, o documento também é uma forma de manter mobilizada a incansável militância bolsonarista, que segue obstruindo rodovias e acampando na frente de quartéis em protestos golpistas por todo o País, sob a ameaça de impedir a posse de Lula.

O próprio presidente do IVL, o engenheiro Carlos Rocha, faz mistério sobre o teor do documento. “Trata-se de um relatório técnico completo”, disse à equipe da coluna.

“Já entregamos ao PL documentos que somam mais de 200 páginas. Este relatório complementa os documentos já entregues. O trabalho do IVL é confidencial até o partido divulgar.”

Valdemar, portanto, tenta se equilibrar entre a pressão de Bolsonaro e a dos ministros do TSE, que já o cobraram mais de uma vez nos bastidores pela postura dúbia.

Em setembro deste ano, depois que vieram à tona duas páginas desse mesmo relatório contestando a segurança do sistema eleitoral, Valdemar Costa Neto enviou um ofício ao TSE tentando se dissociar do caso e dizendo que o documento era de “responsabilidade” do IVL e dos técnicos que o assinaram.

Mas o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, não engoliu essa versão.

Em um despacho cobrando mais informações, o ministro frisou que o PL contratou o trabalho do engenheiro Carlos Rocha e validou o relatório, ao decidir remetê-lo formalmente ao TSE; que Valdemar e o vice-presidente da sigla, Capitão Augusto, são apontados como “participantes” da empreitada, compondo a coordenação geral do relatório; e que o documento consta com a assinatura de Rocha, descrito como “representante do Partido Liberal, para a fiscalização no TSE”.

Na véspera do primeiro turno, Valdemar e Rocha visitaram a sala de totalização de votos de TSE ao lado de Alexandre de Moraes, que abriu as portas do espaço para representantes dos candidatos à Presidência da República.

Durante a visita, que durou cerca de 10 minutos, Rocha passeou pela “sala secreta” do TSE – que de secreta, como se viu, não tem nada – e deixou um recado aos servidores que cuidam da área de tecnologia da informação: “Boas energias para vocês”.

Pelo que se viu até aqui, não é exatamente esse tipo de energia que o relatório do engenheiro vai trazer.

O Globo