Ministro bolsonarista do STF pende para Lula
Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Dois únicos indicados ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro, os ministros Nunes Marques e André Mendonça deverão assumir posturas distintas a partir de 2023, quando Luiz Inácio Lula da Silva voltará ao Palácio do Planalto. A expectativa dentro e fora da Corte é que o primeiro se abra para um diálogo mais fluído com o futuro governo, enquanto Mendonça tende a manter uma posição mais distanciada, semelhante à que adota hoje. Ambos já foram procurados por integrantes da transição.
André Mendonça conversou com o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, com quem tem proximidade. Bottini participou do governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Nunes Marques, por sua vez, falou com o senador eleito Flávio Dino, um dos principais nomes da equipe de transição e cotado para o Ministério da Justiça. Mendonça e Nunes Marques têm pela frente, respectivamente, 26 e 25 anos de Supremo, o que torna inviável qualquer tentativa de estreitamento de diálogo sem que estejam presentes —o novo governo busca iniciar os trabalhos num ambiente harmônico com os demais Poderes.
Aliados de Lula que estiveram com Nunes Marques relataram ao GLOBO, na condição de anonimato, que sentiram o magistrado disposto a manter um canal aberto com o Executivo. De acordo com esses interlocutores, o ministrou se mostrou à vontade nas conversas. Ex-desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Nunes Marques historicamente tem boa interlocução com políticos, sobretudo do Centrão. Boa parte desse grupo, conhecido pelo pragmatismo, trabalhou em favor da indicação do ministro ao STF, a primeira feita por Bolsonaro, em outubro de 2020.
Membros da Corte ouvidos reservadamente acreditam que, sem Bolsonaro na Presidência, Nunes Marques poderá diminuir seu isolamento no tribunal. Diferentes episódios evidenciaram essa condição do ministro ao longo dos últimos dois anos. Num dos mais emblemáticos, ele derrubou a decisão do plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cassou o deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR) por fake news contra as urnas eletrônicas. A liminar do magistrado, porém, caiu em seguida por um julgamento feito no plenário virtual.
Internamente, a expectativa em torno de André Mendonça é diferente. Com perfil reservado, o ex-ministro da Justiça e ex-advogado geral da União deve seguir na mesma linha que vem adotando até agora. Durante a visita de Lula fao STF, no último dia 9, chamou a atenção de alguns integrantes do tribunal a postura contida do segundo indicado por Bolsonaro com o petista. Mendonça chegou ao Supremo como uma promessa do atual presidente de indicar um nome “terrivelmente evangélico” à Corte. Em virtude da orientação religiosa do ex-AGU, a primeira dama, Michelle Bolsonaro, que é evangélica, articulou ativamente para que ele fosse aprovado pelo Senado.
Nos julgamentos, Mendonça costuma expor um entendimento menos restritivo nas ações que questionam o alcance da liberdade de expressão, posicionamento que, segundo interlocutores do ministro, não deve mudar. Em casos polêmicos, alguns relatados por Alexandre de Moraes, envolvendo redes sociais e remoções de conteúdos, ele tem votado contra o colega e, na maioria das vezes, sai derrotado. Em agosto, por exemplo, o ministro pediu vista em 20 recursos contra decisões de Moraes nos inquéritos que investigam disseminação de “fake news” e participação em atos antidemocráticos cometidos por apoiadores de Bolsonaro.
As gavetas de Nunes Marques e André Mendonça guardam casos importantes a serem julgados. Entre eles, nove ações que questionam os decretos armamentistas do governo Bolsonaro, paralisadas por um pedido de vista de Nunes Marques que dura mais de um ano. Mendonça relata, por exemplo, um recurso ao processo que discute a prisão após condenação em segunda instância e poderá dar um voto decisivo para voltar a permitir a execução antecipada de pena.