Presidente do STF quer que Congresso resolva orçamento secreto

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Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A ação que discute a constitucionalidade do chamado “orçamento secreto” já está pronta para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, quer dar tempo para que o Congresso Nacional possa fazer política. Para ela, o cenário ideal é que, até o fim do ano, o próprio Poder Legislativo encontre uma solução para dar transparência às emendas de relator, o que dispensaria o tribunal de arbitrar sobre a questão.

Esse tem sido o tom do diálogo institucional entre a ministra, que é relatora do caso, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo fontes próximas a ambos, eles têm se empenhado pessoalmente em chegar a um acordo. O decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, também tem participado dessa interlocução.

Há uma percepção comum de que o “orçamento secreto” deva ser sepultado antes do fim do ano para que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva assuma em 1º de janeiro já com o tema pacificado, facilitando a programação dos gastos públicos.

Tem ganhado força, nas últimas semanas, a hipótese de o Congresso aprovar uma Lei de Responsabilidade Social – nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – para sanar as disfuncionalidades do modelo atual de distribuição de emendas. A norma fixaria, entre outros pontos, diretrizes técnicas para a execução de obras e serviços públicos, com orientações mais objetivas para a destinação dos recursos, evitando fraudes e outros tipos de burla.

Há cerca de dez dias, em evento promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em Nova York, Gilmar defendeu abertamente essa possibilidade. “Não basta gastar bilhões de reais com obras indicadas por emendas parlamentares individuais que aumentem as disfunções da alocação de recursos orçamentários”, criticou o ministro. De acordo com o decano, é “chocante” que o Brasil, pioneiro na LRF, ainda não tenha feito o mesmo no âmbito social.

No Senado, o projeto mais avançado nesse sentido é o de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Apresentado em 2020, chegou a entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na semana passada, mas não foi votado por falta de quórum. A relatoria é da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que integra a equipe de transição de Lula e é cotada para assumir o Ministério de Desenvolvimento Social (hoje Cidadania).

Contudo, Supremo e Congresso veem outra proposta como mais adequada para resolver o atual problema – um projeto do senador Alexandre Silveira (PSD-MG), apresentado em agosto e ainda em fase embrionária. Além de ser de autoria de um aliado de Pacheco, amigo do presidente do Senado há mais de 20 anos, o texto contou com a colaboração de Gilmar, entre outros juristas, segundo o próprio parlamentar relata na justificação do texto.

O projeto, que ainda não começou a tramitar, estabelece critérios para elaboração, financiamento, implementação e execução de políticas públicas, com prioridade a áreas vulneráveis, buscando a melhoria de índices sociais e econômicos e da prestação de serviços como saúde, educação e saneamento básico, fixando “regras de execução orçamentária simplificada”.

Conforme mostrou reportagem do Valor em setembro, a plataforma virtual criada pelo Congresso para esmiuçar os detalhes do “orçamento secreto” – condição imposta pelo plenário do STF, em decisão liminar, como condição para liberar a execução das emendas de relator – ainda tem mecanismos insuficientes de transparência.

A principal falha é a permissão para que “usuários externos” possam solicitar as emendas. Isso abre margem para que um deputado ou senador possa driblar as regras e omitir seu nome, terceirizando o momento do cadastro para alguém sem cargo no Poder Legislativo, que atuaria como uma espécie de “laranja”.

Tais brechas têm sido relatadas à Rosa por parlamentares de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Porém, a ministra não se manifestou a respeito. Seu último despacho no caso foi assinado em 14 de setembro, quando, às vésperas de assumir a presidência da Corte e passar boa parte do seu acervo para o ministro Luiz Fux, declarou que permaneceria como relatora desse caso.

Se as negociações com o Congresso não avançarem, ela deve pautar o processo para julgamento definitivo em plenário. Nesse cenário, a tendência é de que os ministros não derrubem as emendas de relator, mas estabeleçam um modelo mais rígido de transparência na distribuição desses recursos.

Nas ações que tramitam na Corte, partidos como Psol, Cidadania e PSB afirmam que as emendas foram usadas pelo presidente Jair Bolsonaro para ampliar a sua base de apoio no Congresso, o que ele nega. Um ano atrás, Rosa chegou a conceder liminar para suspender os pagamentos, por entender que o “segredo injustificado” sobre a destinação dos recursos era inconstitucional. Ela só voltou atrás quando Pacheco oficializou a implementação do sistema de transparência. Agora, o que está pendente de julgamento é o mérito das ações.

Na equipe de transição do governo eleito, o destino do “orçamento secreto” também tem sido discutido. No início do mês, ao sair da reunião entre a equipe de Lula e os ministros do STF, o ex-governador do Maranhão Flávio Dino (PSB), cotado para ser ministro da Justiça, defendeu as emendas como medida de combate às desigualdades regionais, mas disse ser imprescindível uma “repactuação” do modelo.

Valor Econômico