Cacique Raoni sonhou que Lula vencia Bolsonaro
Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo
Tudo teve um significado forte. Nada era apenas a formalidade. Os que subiram a rampa representam os que têm estado apartados do Brasil por tempo demais. O Rolls-Royce significava que o presidente Lula não se atemorizou com as ameaças dos extremistas. O passar em revista as tropas que emocionou Lula era símbolo de que as Forças Armadas estavam ali se submetendo ao novo comandante em chefe. E ele só é o comandante temporariamente e por delegação do povo brasileiro. Uma posse diferente de todas as outras, que teve como trilha sonora no momento mais importante o nosso imenso Villa-Lobos.
O cacique Raoni e o presidente Lula se encontraram na sexta-feira. Tiveram uma conversa olho no olho. Raoni disse que sonhou com Lula. Sonhou que ele enfrentava Bolsonario e vencia. Ele foi levado por Joênia Wapichana, na reunião em que ela foi convidada para ir para a Funai. No final da conversa, Raoni disse: “Lula, se você quiser eu passo a faixa”. Lula riu e disse que conversaria com o cerimonial.
Os indígenas, há 523 anos sob ataque, estavam na rampa na figura do mais icônico de seus representantes. O cacique Raoni foi diretamente atacado em um discurso de Bolsonaro na ONU, perdeu a mulher durante a pandemia, esteve muito doente, mas estava ali forte representando os primeiros povos do Brasil que agora terão o Ministério dos Povos Originários.
Nesse ponto da sua vida política, o ápice de uma longa trajetória, o presidente Lula aumentou o tamanho do desafio. Prometeu combater a fome e a pobreza, mas também convocou toda a sociedade brasileira para derrotar a desigualdade, aquela que “separa os brasileiros em grupos que não se reconhecem”. Ele ressaltou, em lágrimas, imagens dessa velha chaga brasileira como o “a fila dos ossos e a fila pelos helicópteros e jatinhos”.
Foi uma posse emocionante, plena de significados, com discursos fortes. Na economia, ele revisitou a velha agenda do PT, com partes que já envelheceram ou que se aplicadas podem trair sua agenda social, por ser inflacionária. Na política, o destaque mais importante é a defesa intransigente da democracia.
A Esplanada desde cedo estava em clima de euforia. Cheguei cedo, passando por vários controles da segurança reforçada. Se o ambiente era tenso nas barreiras do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a entrada no Congresso parecia um oásis. Atravessado o Congresso se chegava à frente do Palácio do Planalto, em que a multidão vermelha se aproximava cantando e aplaudindo e sendo refrescada pelos jatos d’água. Uma cidade da qual se falava, no seu início, que era fria, sem esquinas e sem povo teve um dia de euforia popular. Em qualquer posse há sempre o povo, mas essa comemoração parecia, para quem estava na Praça dos Três Poderes e na Esplanada, com um patamar maior de alegria.