Novo Congresso é desafio gigante para Lula
Foto: Adriano Machado/ O Antagonista
Primeiro de fevereiro de 2003. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), único concorrente, é eleito presidente da Câmara para o biênio 2003-2004, com 434 votos. No Senado, também com apenas um candidato, José Sarney (PMDB-MA) receberia a incumbência de comandar aquela Casa nos dois primeiros anos do governo Lula.
Entre os cargos mais importantes do Parlamento, a presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara ficou com o petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP). Sua equivalente no Senado foi para Edison Lobão (PMDB-MA).
Na área econômica, a poderosa Comissão de Finanças e Tributação (CFT) coube ao deputado Eliseu Resende (PFL-RJ). Já a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) seria comandada pelo senador Ramez Tebet (PMDB-MS). A Comissão Mista de Orçamento ficou com o senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM).
Há vinte anos, a distribuição dos principais cargos diretivos no Legislativo refletia o peso de cada partido. De um lado, o PMDB tinha 25 senadores, quase o dobro do PT (13). Já o PT era o maior partido da Câmara, com 91 deputados, seguido do oposicionista PFL (76) e do PMDB (70).
Lula teve um amplo grau de liberdade para conduzir e aprovar projetos importantes no seu primeiro ano de governo, como a reforma da Previdência e uma minirreforma tributária, acompanhada da desvinculação de recursos do Orçamento. Isso foi possível porque o PT comandava a Câmara e a comissão por onde tramitam todas as propostas legislativas (CCJ), enquanto no Senado o aliado José Sarney e seu PMDB tinham amplo controle dos postos-chave por onde eram discutidas as matérias econômicas.
Duas décadas depois, a configuração do Congresso mudou bastante. Na Câmara, 13 partidos sobreviveram à cláusula de desempenho: PL (com 99 deputados), a federação PT-PV-PCdoB (com 81 no total), União Brasil (59), PP (47), MDB e PSD (42 cada), Republicanos (40), PSDB-Cidadania (18), PDT (17), PSB (14), Psol-Rede (14), Podemos (12) e Avante (7).
No Senado, a distribuição das cadeiras, sujeita ainda à conclusão de negociações para mudanças de siglas, é a seguinte: PSD (com 15 senadores), PL (14), MDB e União Brasil (10 cada), PT (8), PP (6), Podemos (5), PSDB, PDT e Republicanos (3 cada), PSB (2), PSC (1) e Rede (1).
De acordo com os regimentos internos, os cargos da Mesa Diretora e as presidências das Comissões permanentes devem seguir a regra da proporcionalidade, na qual a distribuição de postos se dá de acordo com o tamanho das bancadas, com os maiores partidos tendo a primazia da escolha das melhores posições.
Porém, admite-se a criação de blocos de partidos, que subvertem a ordem de classificação ao somar os parlamentares das siglas integrantes, abrindo também a possibilidade de realização de acordos de divisão de postos dentro de cada agrupamento.
O PT bem que tentou formar um superbloco de partidos para isolar o PL bolsonarista na Câmara e, assim, garantir para si as principais comissões. No entanto, as elevadas condições pedidas pelo União Brasil, em termos de controle de estatais, travaram as ambições petistas.
Arthur Lira (PP-AL), por sua vez, tratou de costurar um blocão para acomodar forças em torno da sua reeleição, do PL de Bolsonaro ao PT de Lula. E coordena uma complexa negociação entre as lideranças desses partidos para acomodar os interesses. O PT almeja a CCJ.
Lira é quem soube aproveitar melhor o desarranjo político ocorrido após a Lava-Jato e o impeachment de Dilma Rousseff. Com a queda de figuras tradicionais da direita e da esquerda – presas ou derrotadas em 2018 – ele lançou as bases para se eleger presidente da Câmara em 2020. Com o orçamento secreto, esse poder se multiplicou.
Diferentemente de 2003, quando o PT tinha a maior bancada, a presidência da Câmara e a CCJ, Lula agora precisará de Lira para governar. Sabemos o quão fisiológico é o Centrão, mas até agora Lira não apresentou sua fatura: não tem ministério na Esplanada e o orçamento secreto foi travado pelo Supremo.
Pelo contrário. Nem bem o governo de Lula começou e o atual presidente da Câmara já tem uma lista de recebíveis: o reconhecimento imediato da vitória de Lula, isolando Jair Bolsonaro, o repúdio aos atos de 8 de janeiro e a aprovação da PEC da Transição. Tudo indica que o preço de Lira será cobrado a prazo, com juros e correção monetária. No fim, a conta pode sair salgada.
No Senado as perspectivas também não são das melhores para o petista. Lula precisou desfalcar sua base de apoio, deslocando senadores importantes para compor seu ministério. Sem Wellington Dias, Flávio Dino, Camilo Santana e Renan Filho, o petista não perde votos no Plenário, dado que seus suplentes seguem a mesma linha dos titulares. Mas seu capital político desidrata, pois trocou políticos experientes por novatos. E com apenas 8 senadores, o PT dificilmente controlará as comissões mais relevantes no Senado.
Tudo isso, no cenário mais positivo de reeleição do aliado Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ocorre que, representando o bolsonarismo e o antipetismo, Rogério Marinho (PL-RN) conta com traições e deserções na votação secreta pelo comando do Senado. Se isso acontecer, o horizonte legislativo de Lula ficaria ainda mais turvo.
Em entrevista publicada pelo Valor na sexta-feira, 27, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se mostrou bastante otimista em aprovar na Câmara dos Deputados o novo marco fiscal e a primeira rodada da reforma tributária, a que simplifica a cobrança de impostos sobre o consumo, até abril. Na sequência, trabalharia para passar no Congresso um novo modelo de tributação sobre a renda até o fim do ano.
É papel de todo ministro da Fazenda demonstrar confiança com a aprovação de sua agenda. Levando em consideração a atual composição do Congresso e a complexidade das reformas que pretende apresentar, parece que falta realismo no cronograma de Haddad.