Pesquisa do Senado diz que brasileiros rejeitam armas
Foto: Arquivo/Agência Brasil
Pauta colocada no centro do debate, especialmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, o armamentismo deve seguir dividindo opiniões mesmo com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no comando do Executivo. Isso porque os aliados do ex-chefe do Executivo eleitos para cargos no parlamento devem empenhar-se em trazer as pautas de costume e da flexibilização do porte de armas para o Congresso Nacional.
Segundo o levantamento Panorama Político 2023, realizado pelo DataSenado logo após as eleições de 2022, 60% dos entrevistados discordam da afirmação de que o maior acesso à posse de armas pode aumentar a segurança no Brasil — principal argumento utilizado pelos armamentistas. Em 2021, o mesmo estudo constatou que o índice de contrários à liberação do armamento era maior, de 69%. O estudo, que é realizado desde 2019, aponta para uma ampliação do percentual de brasileiros que endossam a tese de que ampliar o acesso pode ajudar na diminuição da violência, em 2021 eram 28%, subindo para 37% em 2022.
Essa mudança na percepção do entendimento da relação entre armamento e segurança pública tem grande influência política. É o que avalia o coordenador do Instituto de Pesquisa DataSenado, Marcos Ruben de Oliveira. “A maior identificação do brasileiro com o segmento político levou as pessoas a abraçar de forma mais clara a opinião dos seus representantes. Antigamente, falar em posse de arma era como falar em violência, em agressão. Nesses últimos tempos, várias pessoas defenderam essa bandeira e argumentaram que não é algo ruim. Houve maior aceitação social no sentido de ouvirem outras pessoas falando, outras pessoas concordando com a ideia. Encontrou-se um eco no próprio discurso”, analisa.
A pesquisa do DataSenado reforça esse entendimento de Oliveira. No levantamento, observa-se que nas regiões do país como Sul, Centro-Oeste e Sudeste, onde Bolsonaro obteve os melhores desempenhos eleitorais, a adesão à tese armamentista é maior que na região Nordeste, onde o presidente Lula obteve sua maior vitória percentual.
Fagner Dias, especialista em economia do crime e gestão de segurança pública, complementa que o trabalho político de divulgação da redução de mortes violentas intencionais (MVI), durante o governo Bolsonaro — dados amplamente divulgados por ele e suas equipes —, pode ter influenciado na percepção de segurança. “Esses dados podem ter passado a sensação de que a liberação das armas foi a responsável por estes índices de redução na criminalidade, influenciando na resposta da pesquisa”, explica. “Os dados criam, sim, uma pulga atrás da orelha de quem sempre foi contra a liberação de armas, apesar de outros pesquisadores já terem apontado outros motivos responsáveis pela redução da criminalidade no período.”
Os especialistas também avaliam que, após os debates mais técnicos a serem priorizados pelo Congresso Nacional, como a reforma tributária, por exemplo, o tema do armamento deve voltar à tona. “Essa pauta vai retornar ao Congresso. O que o Executivo poderia ou pode fazer em relação à discussão ele está fazendo, mas é uma das principais pautas da direita e, com certeza, vai voltar ao debate. A pesquisa revela que o tema está sendo mais controverso, está sendo mais debatido. Provavelmente no segundo semestre ou no próximo ano, a questão dos costumes vai retornar”, projeta Oliveira.
Dias chama a atenção para os riscos de se levar adiante a flexibilização das armas na sociedade. “Supondo que, de fato, as armas tenham causado uma redução inicial nas MVI, a presença de armas em uma sociedade psicologicamente afetada com altos níveis de estresse social, depressão, entre outros, tende a aumentar o número de suicídios e atitudes violentas emocionais quando se tem à disponibilidade uma arma”, alerta. O especialista acredita que, com uma análise mais ampla, é possível optar por outras políticas de segurança pública que podem ter um efeito melhor na redução de crimes.
Um dos possíveis efeitos da ampliação do armamento apontado por analistas é o aumento dos casos de violência doméstica. A pesquisa questionou se os entrevistados acreditavam nessa possibilidade. Entre as mulheres, 70% afirmaram que existe essa correlação. Entre o público masculino, apenas 49% dos entrevistados disseram concordar. Sem o recorte de gênero, 60% dos ouvidos concordaram que as armas contribuem para o aumento da violência.
Outro dado que merece destaque é que a ampla maioria dos brasileiros, 71%, concorda com a afirmação de que “a violência doméstica e familiar contra a mulher aumentou nos últimos 12 meses”, uma percepção por si só alarmante.
Muitos entrevistados indicaram não observar que exista alguma correlação entre o aumento na circulação de armas e a ampliação da violência contra a mulher. Entre os homens, a maioria absoluta, 64%, reconhece a escalada da violência doméstica, o que também acontece quando são analisados outros recortes populacionais, como renda familiar, escolaridade, idade, ocupação ou raça, todos sem apresentar grandes divergências.