BC pode comprovar hoje que continua bolsonarista
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decide hoje a nova taxa de juros — ou a velha, conforme as apostas praticamente unânimes “duzmercáduz”. Há muito tempo inexiste razão para manter taxas reais “pornográficas” (by Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp), entre 7% e 8%, com a Selic a 13,75%. Mas se diz por aí que ceder aos fatos seria, ora vejam!, ceder à pressão de Lula. A manutenção da taxa, e é o mais provável, é que vai concorrer para desmoralizar a autonomia do BC e para provar que autônomo não é. Já há até quem esteja ensaiando um discurso nativista — na linha “a Amazônia é nossa e os juros cavalares também — porque sumidades mundiais, como os professores Joseph Stiglitz, Jeffrey Sachs e James Galbraith, evidenciaram a inexistência de fundamento teórico que justifique números que o primeiro classificou de “chocantes”, capazes, afirmou, de “matar a economia brasileira”. Pior: as opiniões críticas à política de juros foram proferidas num seminário promovido pelo BNDES. Mais um pouco, esses entusiasmados defensores do BC sairão às ruas com cartazes “Go home”.
Não podendo tachar o trio de, sei lá, “populista de esquerda”, resta malhar Lula e culpá-lo pelos juros lunares. Afinal, quem mandou, lá em novembro, começar já a governar o desgoverno de Bolsonaro, propondo a PEC da Transição? Teria demonstrado descompromisso com a dívida, e o BC, coitado!, vítima das circunstâncias — e do “populista de esquerda”, claro! — teve de mantar a contragosto a taxa em 13,75%. Tudo falso, burro e insustentável. Como já cobrei aqui, apontem um só marco teórico que justifique juros brutais para combater uma inflação que não é de demanda.
A criação de empregos, mesmo com a informalidade pornográfica (olhem a palavra aí de novo), já deu sinais de desaceleração. A indústria automobilística está parada. O varejo está abrindo o bico. O crédito já secou porque os bancos vão optar por ainda menos risco. O crescimento, que “Uzmercáduz” anteveem por meio do Boletim Focus, pode ficar abaixo de 1%. Ademais, o mundo está em desalinho, com três bancos quebrados nos EUA — o que levou o governo daquele país a tranquilizar os correntistas na linha “está tudo garantido” para evitar que instituições médias caminhem para o buraco. E há o caso do Credit Suisse, que vai consumir o correspondente a um terço do PIB da Suíça. É a mão visível do Estado tentando consertar as porcarias feitas pela suposta mão invisível… É certo que há bandidagem nessa história. De todo modo, o que se passa por lá, obviamente, repercute também aqui. Só para lembrar: há juros negativos nos Estados Unidos, na União Europeia e no Reino Unido, por exemplo. Nos três casos, a inflação é maior do que a brasileira, onde a taxa real está, insista-se, entre 7% e 8% — a maior do mundo, de longe!
“Ah, mas não é só a inflação… O problema é a trajetória da dívida”… O argumento está de tal sorte desmoralizado que se passou a operar, agora, no terreno da crença, da birra e, por que não dizer?, do antipetismo mais rombudo. Chega-se ao despropósito de atribuir ao presidente a responsabilidade pela manutenção da Selic em 13,75% em fevereiro. A decisão foi anunciada no dia 1º daquele mês. Sua primeira crítica ao BC é do dia 2. “Ah, naquele caso, houve a PEC da Transição e a fala de Lula sobre a responsabilidade social…” Que coisa! Tanta ciência dos números não resistiu à afirmação do então futuro chefe do Executivo sobre a responsabilidade social? Aliás, com outras palavras, ela está garantida na Constituição e na Lei Complementar 179, que deu a tal autonomia ao BC, a saber: “Art. 1º O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços. Parágrafo único.
Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.” O BC não cumpre, em suma, nem o conteúdo do caput nem o do parágrafo. Não assegura a estabilidade dos preços por meio dos juros altos porque inúteis para debelar uma inflação que não é de demanda. E, com a taxa abusiva, derrubam-se a atividade econômica e o emprego. Inexiste lobby mais poderoso do que esse, capaz até de inverter a ordem dos fatos, transformando consequência em causa só para justificar um ponto de vista. Lula reagiu à decisão do BC de manter os juros em 13,75%, não foi o BC que reagiu às suas críticas.
E, como ficou evidente no primeiro comunicado de fevereiro, a turminha do banco resolveu dar um pito no suposto descuido do governo com a questão fiscal, como se a PEC da Responsabilidade Orçamentária, como chamo, representasse um crime de lesa economia e apontasse para uma dívida fora do controle, o que é pura mistificação.
A aposta por aí é que o Copom vai manter a pornografia dos 13,75%, mas acenando com alguma decência — uma possível queda — na próxima rodada, quem sabe atrelando tal possibilidade ao novo marco fiscal. E há quem cobre, adicionalmente, o silêncio do mandatário, o que embute, então, a perspectiva de um BC também punitivista… É o fim da picada! “Ah, não esperem que o BC vá contrariar a quase unanimidade do que dizem ‘Uzmercádus'” É sério? É a essa a forma que a autonomia assumiu por aqui? Ou ainda: “Não esperem que o Copom vá ceder a Lula, a Joseph Stiglitz, a Jeffrey Sachs e a James Galbraith e baixar a Selic…” É essa a forma que a autonomia assumiu por aqui? No fim das contas, pedem que não esperemos que o comitê ceda aos fatos. Se estes não estão de acordo com o Banco Central, pior para os fatos. Aí já não se trata mais de autonomia. Na melhor das hipóteses, é ideologia. Na pior… PS: Ontem, num jornal, num erro de digitação, que eu também já cometi aqui, escreveu-se “Comitê de POLÍCIA Monetária”. Há erros que elucidam. A etimologia nos ensina que as palavras “política” e “polícia” têm a mesma raiz. O processo civilizatório as distanciou. A incivilidade as tem reaproximado em várias áreas. Tempos difíceis.