Prefeito de SP se diz candidato do bolsonarismo

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Foto: Carol Carquejeiro/Valor

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), dá como certo o apoio do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, para disputar a reeleição em 2024. Nunes diz ter respaldo dos diretórios municipal e estadual da legenda e busca bolsonaristas que migraram para a sigla. O PL participa da gestão Nunes, e o prefeito sinaliza que o partido poderá indicar um vice.

Nunes assumiu definitivamente o cargo em 16 de maio de 2021, após a morte de Bruno Covas (PSDB), reeleito meses antes com críticas a Bolsonaro. O atual prefeito, porém, tem se cercado de ex-integrantes da gestão e da campanha do ex-presidente. Recentemente, esteve com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Buscou ainda o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.

O prefeito concorre pela preferência do PL com Eduardo Bolsonaro e o deputado federal Ricardo Salles, que se apresentaram como pré-candidatos. Ele evita se vincular ao radicalismo. Em 2022, Bolsonaro e Tarcísio foram derrotados na capital.

O maior adversário de Nunes até agora é o líder do Psol na Câmara, Guilherme Boulos, que tem aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Coordenador do MTST, Boulos articula-se desde 2022.

Por duas semanas, o MTST protesta em frente à prefeitura cobrando o cumprimento de um acordo feito por Covas. Nunes disse que não efetivaria o acordo nem cederia a “invasores”.

A prefeitura vive situação financeira inédita, com recorde de orçamento, de R$ 96 bilhões, e R$ 31 bilhões em caixa. Ao mesmo tempo, tem 32 mil pessoas em situação de rua, cracolândia, alagamentos, problemas de zeladoria, ruas esburacadas e falta de insumos em postos de saúde.

A seguir, trechos da entrevista de Nunes ao Valor:

Valor: O senhor tem buscado bolsonaristas. Está com o marqueteiro da campanha de Bolsonaro, nomeou bolsonarista que atuou na campanha dele, reuniu-se com PL, PP e Republicanos, com Eduardo. Quer ser o candidato de Bolsonaro?

Ricardo Nunes: Duda Lima [marqueteiro de Bolsonaro] foi contratado pelo MDB nacional para fazer pesquisa sobre os principais problemas da cidade e a questão eleitoral. Apresentamos a pesquisa para presidentes de partidos e para vereadores da base. Gostaria muito de ter o Duda Lima na minha campanha ano que vem.

Valor: Busca aliança com o PL?

Nunes: O PL está no governo. Minha relação com o PL antecede a filiação de Bolsonaro, antecede essa gestão. O PL estará comigo. Não teria motivo para não estar na próxima gestão. Os dirigentes do PL são os mesmos desde 2017. Valdemar [Costa Neto] continua presidente.

Valor: Mas o PL hoje é diferente, com protagonismo de Bolsonaro. A escolha do candidato em São Paulo passará por ele…

Nunes: Evidente. O que estou dizendo é que quero manter a relação que já tinha com o PL.

Valor: Poderá migrar para o PL?

Nunes: Nunca teve essa conversa. No meu partido [MDB] eu dou as cartas. Sou o presidente [municipal]. Para que vou para outro? Não faz sentido.

Valor: O PL indicará seu vice?

Nunes: O PL disse: ‘nós devemos estar juntos e queremos indicar a vice’. Se continuarmos juntos, tem o pleito deles. O Republicanos disse que quer a vice e citou a deputada Maria Rosas. O que eles estão dizendo: não faça compromissos agora sobre a vice. Lá na frente a gente decide. Meu desejo é consolidar uma grande aliança de centro. Sou de centro.

Valor: Avalia que a pré-candidatura de Salles será mantida?

Nunes: Acho que não. É legítimo pleitear, mas tenho relação com PL mais próxima e sólida, mesmo ele sendo deputado do PL. O PL não tem motivo para não estar junto.

No meu partido [MDB] eu dou as cartas. Sou o presidente [municipal]. Para que vou para outro? Não faz sentido”
Valor: Quando Covas foi reeleito, atacou obscurantismo e negacionismo de Bolsonaro. O senhor tem se aproximado do bolsonarismo. Acha que Covas aprovaria?

Nunes: Sou o prefeito que tornou São Paulo a capital mundial da vacina. Querer me associar a negacionismo não cola. Nunca tinha falado com Eduardo Bolsonaro. Sou prefeito e preciso ter relação com todos. O ministro da Justiça, Flávio Dino, me ligou e fiquei surpreso de ver que muito do que ele defende eu também defendo.

Valor: Dialogar é diferente de fazer aliança e indicar a vice…

Nunes: Vou falar que eu não quero o PL? Não, de jeito nenhum.

Valor: O bolsonarismo também, com pautas de extrema-direita?

Nunes: Eu não vou negar apoios. De jeito nenhum. E vou continuar sendo o que sempre fui.

Valor: E o papel do PSDB?

Nunes: Eles querem também indicar o vice. Na capital eles têm peso forte. Mas vamos ver quem estará junto. O [Guilherme] Boulos está colocado. Em 2022, Lula optou, na eleição para presidente, pelo candidato à prefeitura [Lula lançou Boulos com apoio do PT]. Preciso fortalecer minha candidatura. E sobre Eduardo Bolsonaro, ele esteve aqui para falar sobre emendas dele. Veio com a Sonaira [Fernandes], secretária estadual. Tinha impressão de ser uma pessoa ríspida, mas é muito afável. Conversamos sobre reforma tributária. Apesar de ser uma PEC de autoria do presidente do MDB, a cidade vai ser prejudicada, vamos perder receita.

Valor: Que proposta o senhor defende para a reforma tributária?

Nunes: A melhor PEC é a 46, porque divide os tributos federais, estaduais e municipais. A PEC 45 cria o IVA. Com isso, a gente perde o ISS. Seria uma perda de R$ 10 bilhões por ano. Estou falando com todos da bancada de São Paulo, até com Rosângela Moro [deputada federa, pelo União Brasil]. Falei com o ministro [Alexandre] Padilha.

Valor: O MTST protesta na porta da prefeitura cobrando o cumprimento de acordo feito com Bruno Covas. Por que não foi cumprido?

Nunes: Em 2013 eles invadiram uma área do lado da represa Guarapiranga. Em 2019, Bruno fez um decreto de interesse social. Em 2021, venceu o prazo do decreto e Bruno não o efetivou. Eles estão falando para cumprir o acordo. Mas você consegue me imaginar fazendo acordo com Boulos?

Valor: Mas Covas fez o acordo…

Nunes: A Secretaria do Verde diz que é área de interesse para recuperação da vegetação suprimida.

Valor: Por que não dá para fazer acordo com Boulos?

Nunes: Não vou refazer o decreto porque precisamos pactuar um modus operandi. Se as áreas vão ser invadidas e as pessoas acharem que a prefeitura vai desapropriar, a gente vai estar incentivando a invasão. O que eu falei para eles? Tirem daqui essas barracas, não vamos desapropriar a área invadida. Se apresentarem uma área e deixarem que a Secretaria de Habitação dê atendimento, eu topo. Ou a gente vai gerar uma cultura de invasão e não pode ser assim.

Valor: A prefeitura está com o caixa recheado, mas parte da população avalia que a cidade está abandonada. Em janeiro, só 9% consideravam a gestão boa ou ótima, segundo pesquisa Ipec. Nos últimos dias, bairros ficaram alagados…

Nunes: [interrompe] Em qual cidade?

Valor: São Paulo, prefeito. Bairros ficaram alagados, uma senhora de 88 anos morreu afogada…

Nunes: [interrompe] Você está comparando com outros anos?

Valor: Dados do Portal da Transparência e que a gestão enviou ao Tribunal de Contas do Município mostram que só 4% da verba de combate à enchente foi usada no primeiro trimestre. Em 2022, o governo deixou de gastar 25% da verba. Três piscinões de 14 prometidos foram entregues. Como explica a dificuldade em ações de prevenção?

Nunes: No ano passado empenhei R$ 8,9 bilhões. Não é razoável dizer que a cidade não está trabalhando. Questão de enchente, investi R$ 1,7 bilhão em contenção de encosta, microdrenagem. Neste ano vou investir R$ 1,5 bilhão. A administração não tem dificuldade. O que temos são empecilhos por conta dos órgãos de controle. Neste ano, o volume de chuva foi 50% maior do que o esperado e poderia ter acontecido algo muito grave.

Valor: O senhor determinou a retirada das barracas de pessoas em situação de rua. A secretária de Direitos Humanos diz que não há vagas suficientes para acolhimento nem para moradia provisória. Albergues têm problemas de limpeza e infraestrutura. O que pretende fazer para atender essa população?

Nunes: Não tem nada de bom nesse governo? Gente! Não temos política de tirar barraca, temos política de dar dignidade para as pessoas. Temos que defender que tenha local para acolher. Quem defende a barraca ou quer usar isso politicamente para se promover ou não tem humanidade. Se a pessoa monta barraca num local de uso comum, vai prejudicar o direito do outro. Tem que ter uma cidade civilizada. Temos feito investimentos para atender as pessoas em situação de rua. O Vila Reencontro [moradia provisória] é muito bacana, as pessoas têm dignidade. Aluguei 3,5 mil vagas em hoteis para famílias, temos 22 mil vagas nos abrigos, 5 mil no programa do Bolsa Trabalho.

Valor: Manterá a orientação de retirar as barracas e pertences?

Nunes: Se o pedestre que tiver que ir para a rua para caminhar, não vou deixar ficar a barraca atrapalhando o trajeto. É da minha responsabilidade cuidar da ordem.

Valor: O que pode falar sobre ações na cracolândia? Tem previsão de quando poderá solucionar?

Nunes: Em 2016 eram 4 mil usuários. Hoje são mil – 50% estão lá há 5 anos e 39%, há mais de 10 anos, segundo a Unifesp. Ampliamos serviços, combatemos o tráfico. Esses mil agora têm outro processo, é mais difícil de tratar. Dizem que defendo a internação involuntária. Eu defendo a vida! Se a família precisa de ajuda para tratar o parente ou se o médico analisa que a pessoa precisa de tratamento, o Estado tem obrigação de dar o atendimento. Quando você vê o nível de demência de pessoas lá, percebe que não vão se convencer sozinhas de que precisam de ajuda.

Valor: Que formato o senhor imagina para essa fase?

Nunes: Lançamos o Centro de Serviços de Cuidados Prolongados. Temos 39 pessoas lá há 60 dias sem nenhuma desistência. Aparentemente tá dando certo, ainda em período de teste. Dando certo, a gente amplia. O fato de termos estancado o crescimento da cracolândia significa avançar muito.

Valor: O Plano Diretor está sendo debatido e há críticas sobre a possibilidade de criar mais vagas de garagem perto do transporte coletivo. Quais pontos acha possível mudar?

Nunes: Ninguém falou comigo de alteração. Teve muita discussão, o Ministério Público quer governar, parou [a discussão]. Não creio que deva ter muitas mudanças.

Valor: O que o senhor considera a marca da sua gestão? O eleitor está sendo justo ao avaliar o senhor?

Nunes: Eu faço uma pesquisa mensal, com o Ipespe, e ela mostra uma avaliação bastante positiva. Em fevereiro tive 31% de ótimo e bom, 30% de ruim e 37% de regular. Eu acho sim que a população é justa, a avaliação é ótima. Estamos num nível de desenvolvimento muito grande, teve muito avanço. Estamos tendo muita obra na periferia. A cidade não é essa que vocês estavam pensando, é uma cidade melhor. Eu deixei a cidade com a saúde financeira em ordem.

Valor: O senhor mudou de ideia em relação à tarifa zero?

Nunes: Não, eu só não vou fazer nada que seja irresponsável. Não tem como eu falar agora se é viável ou não. A questão financeira está se estudando. Um estudo indica o aumento de passageiros, ou seja, vou ter de aumentar o número de ônibus e a estrutura. Quero dar um transporte gratuito com qualidade.

Valor: Uma concessão que vem sendo muito contestada é a do serviço funerário, em que preços aumentaram até 400%. Que medidas estão sendo tomadas para evitar abuso?

Nunes: A grande confusão é que os planos tinham um nome e passaram para outro nome. O edital da concessão é muito claro: as subsidiárias devem manter os preços, que estão congelados desde 2019, e dar 25% de desconto no enterro social. Eles não podem aumentar o preço dos pacotes porque faz parte da cláusula de quem ganhou a concessão.

Valor: Se as concessionárias então estiverem cobrando mais, elas vão ter que responder por isso?

Nunes: Sim, mas não estão. Muito difícil ter tido um aumento abusivo. Eu cuidei disso pessoalmente.

Valor Econômico