Bolsonaro terá que lutar para recuperar força na direita
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Com a volta de Jair Messias Bolsonaro ao Brasil, recomeça uma disputa em suspenso ainda antes de sua partida para os Estados Unidos e que diz respeito à liderança do campo da direita no qual o ex-presidente reinou por quatro anos e que lhe rendeu nas últimas eleições mais de 57 milhões de votos.
O futuro desse espectro, de forma geral, e de Bolsonaro, em particular, ainda depende de uma série de variáveis como a própria Justiça, mas algo já se move em fatias desse eleitorado em torno de nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, há uma incógnita sobre o novo Bolsonaro, que retorna ao país “menor” do que quando saiu e fragilizado por uma série de investigações. Ele pode ser considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – há 16 ações em curso por ataques ao sistema eleitoral e às urnas -, possibilidade admitida por aliados, e até sofrer eventual condenação em crimes como o investigado no atual escândalo das joias ou mesmo a intentona bolsonarista de 8 de janeiro.
Desgastado em razão dos 90 dias que passou nos Estados Unidos, o ex-presidente se absteve dos assuntos nacionais, e também da liderança de sua base de extrema direita, desde a derrota no segundo turno, em 30 de outubro. Para o cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo (USP), Bolsonaro “terá muitas explicações para dar”, uma delas sobre o motivo de ter abandonado o Brasil antes de concluir seu mandato. “Da mesma forma como ainda não explicou o 8 de janeiro, já que ele estimulou os acampamentos na porta dos quartéis. O genocídio Yanomami. E agora ainda tem o episódio das joias de alto valor”, ressalta.
Moisés conta que ainda não vê com clareza o papel que ele poderá ocupar na oposição. “O presidente Lula, mesmo com erros iniciais, já tem um diferencial em relação ao governo Bolsonaro. Difícil imaginar que o ex-presidente poderá apresentar uma alternativa a isso”, afirma.
Apesar de ter dito no desembarque em Brasília que rejeita o rótulo de “líder da oposição”, esse papel é o único que cabe a Bolsonaro na tentativa de salvar o seu capital político e é o que espera o seu partido. Integrantes do PL – que tem a maior bancada na Câmara dos Deputados – falaram em “viagens pelo Brasil” e esperam que o ex-capitão seja um importante cabo-eleitoral nas eleições municipais.
Esta é a primeira vez desde 1988 que Bolsonaro, 68 anos, não terá um cargo político – e público, já que, antes, foi integrante do Exército. Esse é um fator determinante para os rivais do ex-presidente no campo da direita, pontua Odilon Caldeira Neto, pesquisador do Observatório da Extrema Direita e professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Notadamente, Sergio Moro e Tarcísio de Freitas, que estão em “ação” no exercício de seus respectivos mandatos.
“Provavelmente haverá uma fragmentação do campo da direita e aí veremos os limites de Bolsonaro. Os acenos de Moro e de Tarcísio mostram que há uma disputa nesse campo. Bolsonaro tem uma dimensão antissistema. Moro e Tarcísio não tiveram essa dimensão nas eleições, mas agora começam a acenar para esse lado”, ressalta Caldeira Neto.
Ministros de Bolsonaro, Moro e Tarcísio disputaram as suas primeiras eleições em outubro passado. O primeiro recém iniciou o mandato de oito anos no Senado e, após um período de baixa, teve uma espécie de renascimento nas redes sociais ao polemizar recentemente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, para isso, o ex-juiz da Lava Jato contou virtualmente com apoio expressivo da base de extrema direita bolsonarista.
Apesar do pequeno número de correligionários que recepcionaram Bolsonaro presencialmente em Brasília na quinta-feira, levantamento realizado pela Escola de Comunicação Digital (ECMI) da Fundação Getulio Vargas mostrou que sua volta ao Brasil gerou mais repercussão nas redes do que as primeiras 24 horas do escândalo da joias – revelado no início de março pelo jornal “O Estado de S.Paulo”.
Sua base continua mobilizada, apesar de ao longo de quinta-feira (30) o anúncio do arcabouço fiscal feito pelo governo Lula ter superado as interações sobre a volta do ex-presidente, conforme monitoramento do consórcio Genial/Quaest (ver infográfico).
O embate entre Moro e Lula, que trocaram acusações após operação da Polícia Federal para prender membros da maior organização criminosa do país que estariam planejando o sequestro do ex-juiz, chamou a atenção de quem pesquisa política nas redes pela volume das interações. “Com menor volume de menções em relação aos outros casos, o episódio foi protagonizado pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, que mobilizou sua base em prol do senador”, observou o balanço da escola da FGV.
Interações virtuais à parte, no Legislativo Moro terá menor capacidade de ação do que Tarcísio, que tem projeção digital muito tímida – da mesma forma que outro governador cotado nesse campo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais – mas tem nas mãos um Executivo forte. “Nesse caso, Tarcísio pode ter êxito e se contrastar com uma série de coisas que Bolsonaro deixou de fazer”, diz José Álvaro Moisés.
O que ninguém questiona é que o ex-presidente ainda detém de um capital político considerável e que sua figura continuará a ter relevância mesmo em caso de condenação ou se ficar inelegível. Um herdeiro também poderia vir do círculo familiar, como mostram especulações em torno da ex-primeira-dama Michelle ou mesmo de algum dos filhos.
O professor Odilon Caldeira Neto frisa um outro aspecto do ex-presidente. “Importa tanto o que Bolsonaro quer fazer quanto os limites que serão dados a ele. Ele terá ampla liberdade para continuar professando práticas antidemocráticas? É preciso ver como o governo Lula e as instituições vão se comportar”, disse. “Esse Bolsonaro que precisamos lidar ainda é um mistério”.