Regulamentação do lobysmo chega ao Senado
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Discutida há quase 40 anos no Legislativo, a regulação do lobby no Brasil avança no Congresso. Após ser aprovado na Câmara em novembro do ano passado, o projeto de lei para regulamentar a atividade agora tramita no Senado, onde deve sofrer alterações. O texto divide especialistas: enquanto alguns celebram a perspectiva de aprovação de uma legislação para o setor, outros alertam que aprimoramentos devem ser feitos para garantir mais transparência e segurança jurídica na relação entre entes públicos e privados. Relator da proposta, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) anunciou que fará duas audiências públicas para debater pontos conflituosos.
Atualmente, já existe algum tipo de regulamentação do lobby em pelo menos 40 países, como Estados Unidos, Alemanha, Chile e Austrália. Leis para disciplinar a atividade são recomendadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, contudo, desde a primeira iniciativa legislativa — apresentada em 1984 pelo então senador Marco Maciel (PE), na época filiado ao PDS —, ao menos 15 propostas tentaram criar uma legislação para o setor, sem sucesso.
O lobby é uma prática realizada por diferentes setores, como empresas, associações e pessoas físicas, para influenciar a aprovação de demandas de interesse desses grupos. Lobistas geralmente agem no Legislativo, Executivo e Judiciário, para reivindicar mudanças em leis, atos administrativos, regras de contratos, além de pleitear a implementação de políticas públicas.
Nos Estados Unidos, primeiro país a regular o lobby, há proibição vitalícia de membros do Congresso exercerem a atividade. No Chile, entre as medidas implementadas, está a determinação para que reuniões com lobistas sejam registradas, constando quem compareceu, local e assunto tratado, sob pena de multa por omissão de informações. Já na Austrália é obrigatória a manutenção de um registro com o nome dos que realizam a atividade. O país também exige um período de quarentena para ex-agentes públicos passarem a trabalhar no ramo.
O projeto aprovado na Câmara obriga a divulgação de encontros com lobistas, além de criar uma quarentena para ex-agente públicos que queiram exercer a atividade.
— O Brasil acabou ficando atrasado por conta de um estigma das pessoas acharem que quando se fala em lobby é corrupção. Na verdade, é a representação de interesse legítimos de segmentos da sociedade — diz o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que foi o relator da proposta na Câmara.
Especialistas apontam, porém, que será necessário aprimorar alguns pontos do projeto para garantir transparência e isonomia entre lobistas.
Segundo o advogado Flavio Britto, especializado na área, falta por exemplo estabelecer medidas mais concretas de redução de assimetrias entre atores envolvidos, como o dever de conceder audiência a grupo de interesse contrário com representatividade adequada. Isso poderia ser resolvido, de acordo com ele, com a divulgação prévia das audiências com os lobistas, informando data, local e assunto tratado. No Chile, a legislação prevê a necessidade de igualdade de tratamento em audiências de grupos opostos sobre o mesmo assunto.
Para Britto, também falta definir o limite de valor para brindes e para a chamada “hospitalidade legítima”, definida no texto aprovado como “a oferta de serviço ou pagamento de despesas com transporte, alimentação, hospedagem, cursos, seminários, congressos, eventos e feiras, no todo ou em parte, por agente privado para agente público”.
— A falta de clareza nesses pontos faz com que uma lei boa se torne quase um convite para uma lei que não vai pegar — avalia Britto, ressaltando ainda que a proposta não prevê a extensão das regras para estados e municípios.
Esse é um dos pontos no radar do relator no Senado, Izalci Lucas. Segundo ele, ao menos 13 instituições que debatem o lobby vão participar das audiências públicas sobre o projeto. Além disso, ele pretende convidar representantes de estados e municípios para a discussão.
— A ideia é fazer um projeto que seja realmente nacional, por isso precisamos ouvir todo mundo. Para tirar essa atividade do submundo precisamos aprimorar o texto no Senado — disse Izalci.
Outra lacuna apontada por especialistas é a falta de precisão, no projeto aprovado, sobre quais autoridades deverão publicar as agendas com lobistas, e da obrigatoriedade para que essa divulgação seja feita com antecedência. O texto enviado ao Senado prevê apenas que as agendas com lobistas deverão ser divulgadas no Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo (e-Agendas).
Professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rodrigo Brandão aponta ainda que falta ao projeto um diálogo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), principal mecanismo que regulamenta o direito de acesso dos cidadãos aos dados da administração pública.
— Sem aprimorar esses pontos a lei pode perder a oportunidade de proteger grupos mais frágeis, com menos acesso direto ao poder — aponta Brandão.
Ao GLOBO, a Controladoria Geral da União (CGU) afirmou que já iniciou diálogo junto ao Senado e se dispôs a atuar ativamente nos debates. “A regulamentação do lobby tem papel importante no que diz respeito à promoção da integridade (prevalência do interesse público sobre os interesses privados)”, disse o órgão em nota.
Presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), que reúne lobistas, Carolina Venuto elogia a proposta aprovada na Câmara. Ela defende a importância da aprovação da lei para tirar a atividade de um limbo jurídico.
— É preciso uma lei para criar regras que vão desde códigos de conduta até a definição de eventuais infrações de ambos os lados. Para além da transparência, regras claras aplicáveis a todo mundo democratizam a atividade — defende Venuto.