Bolsonarista do BC sinaliza manutenção de juros sabotadores
Foto: Adriano Machado/Reuters
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que, entre os problemas que geram juros altos no Brasil, está o alto volume do chamado crédito direcionado, aquelas linhas de empréstimos que têm taxas menores — geralmente por conta de subsídios.
Para explicar esse fenômeno, ele recorreu ao argumento da “meia-entrada no cinema”.
“No crédito direcionado, a gente pode fazer a análise do cinema que vende a meia-entrada. Se eu vendo muita meia-entrada e quero ter o mesmo lucro, a entrada inteira eu tenho que subir o preço. O crédito funciona um pouco assim”, afirmou o presidente do Banco Central.
Atualmente em 13,75% ao ano, a taxa básica de juros, fixada pelo BC para conter a inflação, é a maior em mais de seis anos e, também, representa a taxa mais elevada do mundo em termos reais (descontada a inflação estimada para os próximos 12 meses).
O chamado crédito direcionado, no Brasil, é formado por linhas de empréstimos para habitação, para a produção rural e, também, aquelas concedidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao setor produtivo. Em sua maioria, é concedido por bancos públicos.
Em evento promovido pela Esfera Brasil na semana passada, Campos Neto comparou o volume total do crédito no país a um “tubo” para explicar porque a concessão de empréstimos, com juros menores, afetam o patamar da taxa Selic – atualmente em 13,75% ao ano, o maior em mais de seis anos.
“Se um pedaço do tubo está imobilizado [crédito direcionado, com juro mais baixo], eu tenho que aumentar a pressão no outro [subindo mais a taxa total]. Quando você tem muito crédito subsidiado, a sua potência de influenciar com o juro diminui. Então tem que ter um juro mais alto do que você teria”, declarou.
De acordo com Campos Neto, o crédito direcionado representa 42% do volume total de crédito no Brasil, patamar elevado na comparação internacional.
Estimativas do BC, que consideram apenas os dados internacionais disponíveis para países parecidos, como Colômbia, China, Coreia do Sul, México e Peru, mostram, fora o Brasil, o maior percentual de crédito direcionado é do México, com 26%.
A instituição informou, também, que a maioria dos outros países possui percentual abaixo de 5%.
“Por não ser uma forma prevalente de crédito, os países em geral não possuem estatísticas específicas sobre crédito direcionado. Assim, a comparação entre países não é fácil”, divulgou o BC.
As linhas de crédito direcionado, em sua maioria, são concedidas por bancos públicos.
O crédito para investimentos das empresas é realizado, em grande parte, por meio de operações diretas e repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Os financiamentos habitacionais são, em sua maioria, concedidos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), sendo a principal instituição financiadora a Caixa Econômica Federal (CEF).
O crédito rural é especialidade do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que tem o Banco do Brasil como principal agente financiador.
O novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, tem indicado que a instituição aumentará o seu volume de empréstimos.
“Esse banco esteve historicamente e vai voltar. Aquele banco acanhado acabou. Ele vai debater, vai investir e vai impulsionar o crescimento do país”, afirmou ele, em março.
Mercadante também falou em reduzir juros para alguns tipos de operação, algo defendido também pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Neste mês, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, informou que elevou o patamar de faturamento bruto anual, de R$ 600 milhões para R$ 1,3 bilhão de faturamento, para empresas participaram do Programa de Financiamento às Exportações (Proex) na modalidade financiamento.
O governo lembrou que o Proex tem por finalidade viabilizar a concessão de financiamentos à exportação com encargos financeiros compatíveis com os praticados no mercado internacional. Na modalidade de financiamento, o Tesouro Nacional concede o financiamento diretamente.
Tarciana Medeiros, nova presidente do Banco do Brasil, definiu como prioridade o fomento ao crédito — em especial o rural, mas de forma criteriosa —, apoio à agricultura familiar, ao empreendedorismo, à transformação digital, entre outras.
Roberto Campos Neto, presidente do BC, afirmou na semana passada que é importante debater as causas para os juros altos no Brasil e disse que irá ao Congresso Nacional quantas vezes for chamado.
A previsão é que ele participe de audiências públicas ainda neste mês de abril no Legislativo.
Segundo ele, as soluções para o crédito subsidiado, envolvendo vários projetos, são “meritórias no curto prazo”. Mas reafirmou que, no longo prazo, elas implicam em taxas de juros básicas, como a Selic, atualmente em 13,75% ao ano, mais elevadas.
Além do crédito subsidiado, o Banco Central também tem avaliado que o problema dos juros altos está relacionado com o aumento da demanda na economia, ou seja, dos gastos.
Entre os fatores, está o aumento das despesas do próprio governo para bancar programas sociais e despesas com serviços públicos, como saúde e educação.
“Eu acho que o problema dos juros é um problema de todos nós, é um problema do Banco Central, é um problema do governo, é um problema das pessoas. A gente tem de trabalhar juntos para resolver. Mas a gente precisa dar explicações e não ficar apontando o dedo [para o Banco Central]”, disse Campos Neto, na última semana.
O presidente do BC tem sido reiteradamente cobrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e por integrantes da área econômica, a reduzir a taxa de juros para estimular o crescimento da economia com geração de empregos.
Para tentar melhorar as contas públicas e tentar ajudar o Banco Central a reduzir os juros, a equipe econômica anunciou um pacote em janeiro, focado no aumento de receitas.
E mais recentemente o arcabouço fiscal, novas regras para as contas públicas. Ambas as iniciativas foram elogiadas pelo Banco Central.