Dispara transfobia no Congresso
Foto: Divulgação/ Câmara
Ao ser condenado na semana passada por injúria racial contra a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), Nikolas Ferreira (PL-MG) foi punido, pela primeira vez, por transfobia. No início do mês, o deputado já havia sido denunciado ou se tornado réu em três processos pelo mesmo crime. Em deles, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) o denunciou por ter exposto uma aluna transexual de 14 anos pelo uso de um banheiro escolar.
Entre os dez políticos que respondem a ações do tipo, segundo levantamento feito pelo GLOBO, ele é o mais citado em processos: são oito, no total. A análise identificou 32 ações e inquéritos motivados por discursos preconceituosos de políticos contra este grupo da comunidade LGBTQIAP+ ou ofensas destinadas a colegas parlamentares por conta de sua identidade de gênero.
A amostragem levou em conta investigações já instauradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Ministérios Públicos, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Eleitorais nos estados do Rio, São Paulo e Minas.
Apenas no discurso que fez na tribuna da Câmara em 8 de março, quando colocou uma peruca para dizer que “se sentia mulher”, Nikolas Ferreira foi alvo de cinco queixas-crime no Supremo e de um pedido de cassação por parte do governo Lula.
Antes mesmo de ser eleito para a Câmara dos Deputados, o apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro já havia se tornado réu em duas ações movidas por Salabert por ter se referido a ela com pronomes masculinos em duas ocasiões. Em 2020, quando ambos ainda eram vereadores em Belo Horizonte, Nikolas disse em entrevista:
— Eu ainda irei chamá-la de ele. Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é.
Por essa declaração, o deputado foi condenado em primeira instância na quarta-feira passada: “A negativa de reconhecimento da identidade de gênero configura, portanto, ato ilícito passível de responsabilização por dano moral”, diz trecho da decisão do Tribunal de Justiça de Minas.
Oposição a Nikolas nos tempos da Câmara Municipal, a vereadora Iza Lourença (PSOL) é autora do pedido de investigação do MP referente ao vídeo da aluna transexual de 14 anos, recentemente acatado pela Justiça mineira. Ela também representou no MP contra o suplente de Nikolas, Uner Agusto (PRTB), que, no último dia 18, teve o mandato cassado por fraude de cota de gênero; e contra Flávia Borja (PP) que, no início do mês, afirmou que transexuais não eram bem-vindos em BH. Lourença destacou o tempo perdido do mandato para judicializar essas questões:
— A agenda bolsonarista é exclusivamente combater a esquerda e a diversidade sexual de gênero no Brasil. Isso faz com que eles tenham PLs que atacam as mulheres e que boa parte do nosso tempo tenhamos que nos defender.
No Rio, a primeira vereadora transexual do estado e única mulher na Câmara Municipal de Niterói, Benny Briolly (PSOL) encabeça algumas dessas ações. Nos últimos dois anos, ela foi alvo de ataques constantes, alguns em plenário, por parte do deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB) e do vereador Douglas Gomes (PL), que chegou a ser condenado em segunda instância por chamá-la de homem. Amorim responde criminalmente a um processo por tê-la chamado de “belzebu” e “aberração da natureza”.
Briolly afirmou que após a sentença de Gomes, conseguiu aprovar uma resolução que classifica a transfobia como quebra de decoro, medida que tenta instaurar em outras Casas Legislativas com mandatos parceiros. A vereadora também relatou a perseguição diária, aliviada pela medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que garante sua escolta.
— Em dois anos de mandato, mudei de casa quatro vezes, recebi 21 ameaças de morte e tenho quatro inquéritos de investigação.
Primeira e única política transexual de Araraquara (SP), a vereadora Filipa Brunelli (PT), em dois anos, acionou mais de 30 pessoas na Justiça. Desde 2020, quando assumiu seu mandato, vive em medo constante:
—Além das responsabilidades enquanto legisladora, tenho que proteger a minha vida, que se tornou basicamente isso: acionar o Poder Judiciário o tempo inteiro.
Apesar de não sofrer ataques diretos na Assembleia do Rio, Dani Balbi é citada em ação recente do MP pelo dia em que a votação de um projeto de lei de sua autoria, que prevê punição mais rígida para casos de preconceito por questões de gênero, virou palco de discurso transfóbicos por parte da bancada do PL, iniciada pelo deputado estadual Thiago Gagliasso. O MP investiga a atuação dos parlamentares.
Atualmente, na Procuradoria-Geral da República há uma notícia-crime protocolada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) contra Bolsonaro. Segundo ela, o ex-presidente tratava com “desdém e desrespeito a existência de pessoas com orientação sexual e identidade de gênero distintas do padrão heteronormativo”.
Ao longo de seu mandato, em várias ocasiões, Bolsonaro proferiu falas transfóbicas.
— O que nós queremos é que o Joãozinho seja Joãozinho a vida toda. A Mariazinha seja Maria a vida toda, que constitua família, que seu caráter não seja deturpado em sala de aula — afirmou no ano passado em Imperatriz (MA).
Principais casos
Nikolas Ferreira (PL-MG)
Deputado foi condenado por injúria racial contra Duda Salabert (PDT-MG, já é réu em outro processo e tornou-se investigado por divulgar vídeo de aluna trans em banheiro escolar.
Jair Bolsonaro (PL-RJ)
Alvo de uma ação da deputada Erika Hilton (PSOL_SP) por discursos transfóbicos; parlamentar alega que ex-presidente não tem respeito pela diversidade sexual.
Rodrigo Amorim (PTB-RJ)
Deputado é réu por violência de gênero contra a vereadora de Niterói (RJ) Benny Briolly por tê-la chamado de “belzebu” e “aberração da natureza”.
Flávia Borja (PP-MG)
Citada em denúncia do MP por ter dito, no plenário da Câmara de BH: “Deus fez homem e mulher, e o que passar disso não é bem-vindo”.
Douglas Gomes (PL-RJ)
Vereador de Niterói foi condenado a prestar serviços comunitários por se referir à colega Benny Briolly com pronomes masculinos.
Normando José Duarte (PSD-MG)
Réu em processo de indenização por dano moral/direito de imagem pelo episódio em que se referiu à vereadora Titia Chibata como “senhor”, em discurso na Câmara de Pompéu.
Clarissa Tércio (PP-PE)
Condenada em primeira instância pela Justiça a pagar R$ 10 mil por transfobia e uso indevido de imagem por ter publicado fotos do ensaio de gravidez de um casal transexual.
Thiago Gagliasso (PL-RJ)
Deputado é citado em ação do MPE do Rio por discurso transfóbico proferido em sessão sobre projeto de Dani Balbi.
Uner Augusto (PRTB-MG)
Citado em denúncia ao MP por declarações transfóbicas no plenário da Câmara Municipal de BH; suplente de Nikolas Ferreira, ele teve o mandato cassado por fraude à cota de gênero.
Eder Borges (PP-PR)
Vereador de Curitiba é citado em ação do MP por ter criticado uma publicação da prefeitura pelo Dia da Visibilidade Trans em 2021.