UFRJ previa golpismo nas redes desde 2013
Foto: Fabio Rossi
Com 30 pesquisadores de olhos grudados nas telas e ferramentas de inteligência artificial que operam incessantemente, o NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio (UFRJ), se tornou uma referência na investigação sobre a desinformação na internet. Criado em 2013, no calor das discussões sobre o uso de redes sociais nas manifestações de junho, o núcleo de pesquisa completa agora dez anos no centro de outro turbilhão: o debate sobre o PL das Fake News.
Fundado e liderado pela doutora em Ciência da Informação pela UFRJ Rose Marie Santini, o grupo tem se dedicado a investigar as implicações de propagandas, fake news e automação de conteúdos presentes, principalmente, nas gigantes da internet, como Google, Facebook e Twitter. Segundo ela, ao longo da última década, o mercado das redes sociais no Brasil cresceu em ritmo vertiginoso. Com os brasileiros liderando rankings de tempo gasto on-line, o país se tornou um dos principais focos para essas plataformas.
Essa realidade digital trouxe implicações, na avaliação de Santini, que reforçam a necessidade de criar um novo marco regulatório capaz de garantir uma internet mais segura:
— Hoje está claro como as plataformas passaram a ser uma nova esfera pública, usadas em 80% do conteúdo de campanhas políticas, por exemplo. A gente percebeu que esse uso poderia até comprometer eleições e de fato passou a ser urgente fazer essa regulamentação e adequá-las como um meio de comunicação que deve responder, como todos os outros, com responsabilidade e transparência.
PL das Fake News: Deputados da bancada evangélica compartilham desinformação contra o projeto nas redes
Através de relatórios, levantamentos e publicações acadêmicas, o NetLab vem apontando falhas nas estruturas das big techs. Os pesquisadores vêm relatando que essas redes possuem ecossistemas que favorecem a disseminação de discursos de ódio, desinformação, negacionismo climático e contra vacinas, além de extremismo de direita. Em um dos levantamentos, o laboratório apontou que houve uma onda de desinformação durante o lançamento das novas vacinas bivalentes contra a Covid-19.
Engajados em torno da discussão do PL 2630, projeto em tramitação na Câmara que prevê uma regulação das redes sociais, o grupo divulgou recentemente um relatório que mostra como o Google lançou ofensiva contra a proposta, apelidada de PL das Fake News. Apesar de a plataforma alegar que não promove qualquer enviesamento em suas buscas, na última semana a empresa publicou um link em sua página, com o título “O PL das fake news pode piorar sua internet”.
Pesquisa do NetLab apontou que o termo “PL 2630” na plataforma mostrava preferencialmente entre os primeiros resultados links com o título “PL da Censura” — forma como bolsonaristas contrários ao projeto vêm chamando a proposta. Além disso, estavam entre os mais bem ranqueados sites propagadores de desinformação.
Para explorar o oceano de fake news e conteúdos maliciosos, os pesquisadores desenvolveram dispositivos como robôs e algoritmos que fazem varreduras constantes nas mídias sociais.
Apenas nos últimos dois anos no Twitter, por exemplo, o grupo coletou dados de 1,07 bilhão de tuítes entre 2,6 milhões de perfis analisados. No WhatsApp, são 802 grupos monitorados, com mais de 153 milhões de mensagens.
Em publicidade na Meta (dona do Facebook) já foram mais de um milhão de anúncios analisados. No total, o NetLab armazena mais de 50 terabytes de dados — o que equivale a baixar mais de dez milhões de arquivos de música, por exemplo.
Em um reconhecimento do trabalho do NetLab, Santini será a única pesquisadora da América Latina convidada pelo Nobel para avaliar pesquisas sobre desinformação que receberão prêmios e financiamentos.
No ano passado a expertise do núcleo despertou o interesse do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com quem foi feita parceria para combater a desinformação no período eleitoral e buscar mecanismos para dar transparência na publicidade on-line dos candidatos. Porém, diz Santini, como as plataformas ainda não são reguladas, em muitos casos a lei eleitoral foi desrespeitada com anúncios irregulares e falta de transparência.
Para ilustrar a falta de regulação do setor, a pesquisadora faz uma analogia hipotética com farmácias. Segundo ela, o atual cenário seria como se só existissem cinco redes de drogarias, que vendessem remédios verdadeiros de laboratórios confiáveis e outros falsos.
— Se alguém reclamar, a farmácia diz que não tem nada a ver com isso, porque quem produziu o remédio falso foi outro — compara Santini, apontando uma solução. — Mas se posso regulamentar o intermediário, eu vou desestimular o produtor de remédio falso a produzir, porque ele não vai mais ter onde vender.