Acusados pela Lava Jato poderão usar mensagens da Vaza Jato

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Foto: Divulgação – 19.ago.20/Polícia Federal

Uma decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), sediado em Brasília, abriu caminho para que as mensagens hackeadas dos integrantes da Lava Jato, episódio que ficou conhecido como Vaza Jato, sejam acessadas por todos os processados da operação para o uso em suas defesas jurídicas.

Em uma ação que ainda não foi encerrada, o tribunal permitiu que um investigado no Paraná tenha acesso às mensagens que estão sob responsabilidade da Justiça Federal do Distrito Federal, e agora irá decidir se todos os processados da operação poderão ter a mesma autorização.

O uso dessas conversas pelas defesas tem servido, sobretudo, para corroborar argumentos de que a força-tarefa do Ministério Público Federal que conduziu a Lava Jato cometeu irregularidades processuais ou de que atuou em conluio com a Justiça Federal, de modo irregular.

As mensagens foram obtidas inicialmente pelo site The Intercept Brasil e publicadas por diversos veículos, entre eles a Folha, em 2019.

Depois, a Polícia Federal deflagrou a Operação Spoofing, que investigou e prendeu os responsáveis pela invasão hacker a aparelhos de agentes públicos, incluindo os procuradores da força-tarefa da Lava em Curitiba.

A Spoofing tramitou na Justiça Federal do Distrito Federal, que faz parte do TRF-1.

Em casos específicos, o STF (Supremo Tribunal Federal) já havia permitido o uso de defesas de processados pela operação a essas mensagens, a exemplo dos advogados do presidente Lula (PT). A medida foi autorizada pela Segunda Turma da corte.

Em 2021, a defesa Nicolau Marcelo Bernardo, que foi diretor da Confab Industrial, pediu à Justiça Federal do DF o acesso às mensagens.

Ele foi denunciado pela Lava Jato à Justiça em 2020 sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. O Ministério Público relata que um grupo fez pagamentos ilegais ao então diretor do setor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, em mais de US$ 10 milhões.

Em primeira instância, o pedido foi negado, mas a defesa recorreu ao TRF-1. Os advogados informaram que Nicolau “possui legítimo interesse em acessar a íntegra das comunicações acauteladas junto àquele juízo, vez que constituem prova que pode se revelar essencial ao pleno exercício de sua ampla defesa”.

Em março deste ano, o processo foi julgado este ano pela 2ª Seção do TRF-1. O relator, Wilson Alves de Souza, votou para conceder o acesso, mas de forma limitada.

“A fim de garantir o pleno exercício do direito de defesa do impetrante, necessário permitir-lhe o acesso restrito às mensagens informais trocadas no âmbito da força-tarefa Lava Jato e que lhe digam respeito, encontráveis nos arquivos arrecadados ao longo da Operação Spoofing”, disse o magistrado em seu voto.

Souza vota para determinar que a PF, com o apoio de peritos e em um prazo de dez dias, assegure “o compartilhamento das mensagens arrecadadas pela Spoofing que lhe digam respeito, direta ou indiretamente, bem assim as que tenham relação com investigações e ações penais contra ele movidas na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba ou em qualquer outra jurisdição, ainda que estrangeira”.

Isso “desde que as eventuais menções” ao acusado “sejam úteis à sua defesa quanto ao mérito e ou a eventual nulidade processual”.

Mas outro juiz do TRF-1, Ney Bello, votou para que o acesso às mensagens seja mais amplo. Ele quer que a decisão seja ampliada para qualquer processado pela Lava Jato.

Bello votou pela “extensão dos efeitos desta decisão a todos os demais processados pela força-tarefa do Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava Jato, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição”.

Também votou para que o acusado tenha acesso “a todas as mensagens arrecadadas pela Operação Spoofing”, e não só às que lhes dizem respeito.

Esses entendimentos de Ney Bello acabaram não entrando na decisão final, embora o relator, Souza, tenha dito durante o julgamento que concorda que o acesso às mensagens deve ser integral.

A defesa de Nicolau recorreu para que os entendimentos de Ney Bello sejam aplicados. Foram apresentados embargos de declaração —que esclarecem contradição ou omissão ocorrida em decisão de um juiz ou órgão colegiado.

O advogado de Nicolau, Fernando José da Costa, pede no recurso que o tribunal esclareça se a defesa “poderá ter acesso a todas as mensagens arrecadadas pela Operação Spoofing, nos termos do voto vista do desembargador Ney Bello” e se “os efeitos de tal decisão, ou seja, se o acesso à totalidade de mensagens obtidas no âmbito de tal Operação, serão estendidos a todos os demais processados na Operação Lava Jato”.

O MPF (Ministério Público Federal) se manifestou contra a ampliação do acesso. “A simples leitura da fundamentação que antecedeu a determinação é suficiente para perceber que o julgador teve também a intenção de resguardar a privacidade das informações referentes a terceiros que não lhe digam respeito ou sejam úteis à defesa”, afirmou a Procuradoria em manifestação no dia 16 de maio.

Legalmente, é possível que essa decisão seja tomada por meio de embargos de declaração, segundo especialistas consultados pela Folha.

“A determinação da extensão dos efeitos pode ser sanada em embargos de declaração, na medida em que se trata de mera omissão, no acórdão escrito, daquilo que foi discutido e decidido na sessão de julgamento”, diz o advogado especializado em direito penal econômico Leonardo Magalhães Avelar.

Mesmo que o tribunal não aceite os embargos de declaração, os outros processados pela Lava Jato podem pedir a chamada “extensão” da decisão nos autos. Ou seja, que a decisão do tribunal de dar acesso às mensagens seja válida para eles também.

Para Vera Chemim, mestre em direito público pela FGV, a hipótese mais provável do ponto de vista legal e constitucional é que cada acusado terá que ajuizar uma ação demandando o mesmo direito de utilização das ditas mensagens, como forma de endossar a sua defesa”.

“Importante observar que a presente decisão do TRF-1 nesse sentido servirá de precedente jurisprudencial, reforçando a aplicação daquele acórdão aos outros acusados, sob pena de afronta ao direito fundamental da igualdade previsto no artigo 5º da Carta Magna”, afirma.

Folha